Sugiro ao Rui A. que explique cuidadosamente a partir de que grau de complexidade uma dada sociedade passa a constituir um Estado. Será quando funciona o primeiro «tribunal» comunitário no largo da aldeia, com os anciãos a presidir? Ou será quando se cobra impostos pela primeira vez? E porque não quando se instaura o SMO? Ou quando se entrega a primeira declaração de guerra e/ou se celebra um Tratado com outro Estado?
E sugiro porque a conversa se arrisca a tornar-se absurda neste ponto. Eu não nego que havia «justiça» de tribo muito antes do Estado romano. Por exemplo com pena de banimento, presumo eu, pelo homicídio de alguém da tribo. Mas tenho pudor em chamar «tribunal» às arbitrariedades inevitáveis de uma assembleia que funcionava ou pela lei da maioria, ou pelo poder do chefe da tribo.
Sendo evidente que os tribunais (tal como o Estado) são legítimos enquanto o povo que a eles está sujeito os considerar como tal, não deixa de ser ingenuidade pensar que o «Direito» que aplicam alguma vez foi «natural». Não há «Direito natural». Há leis e princípios que foram evoluindo pela própria lógica de grupo, e que recentemente têm sido sujeitos a crítica racional sistemática, com o efeito de fazer avançar os direitos do indivíduo sobre o colectivo. Mas querer «naturalizar» os nossos valores políticos favoritos, para além de arrogante, é ingénuo.
Leitura recomendada (onde concordo com a conclusão mas não com alguns exemplos): «Mas isto do natural ser bom está sempre na moda. Da medicina alternativa aos iogurtes apresentam-nos muita coisa como sendo boa por ser natural. E nunca mencionam que o arsénico e o veneno de cascavel também são 100% naturais. Na ética, criticam os direitos dos animais porque somos omnívoros (será a violação menos condenável se o violador for heterossexual?), criticam o capitalismo pelo nosso instinto de cooperação, o comunismo pelo nosso instinto territorial, ou defendem cada um escolhendo o exemplo contrário. (...) O único universal ético com que podemos contar é que cada sujeito tem uma perspectiva subjectiva única. O que é importante para um nem sempre é importante para os outros. Escolher o que é importante para mim e tentar impô-lo aos outros não tem nada de ético, por muito que eu gesticule invocando deuses, instintos, ou naturezas.»
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