terça-feira, 5 de junho de 2007

Dar mau nome ao anarquismo

  • «Milhares de militantes altermundialistas manifestaram-se em Rostock, a cidade alemã mais próxima do local onde decorrerá, a meio da semana, a cimeira do G8. Pedras, garrafas e paus, de um lado, e granadas de gás lacrimogénio, do outro, marcaram os primeiros confrontos com a Polícia, fora do cerrado dispositivo de segurança que envolve a estância balnear de Heiligendamm, onde serão recebidos os líderes dos oito países mais industrializados do Planeta. (...) Uma porta-voz da Polícia descreveu os incidentes como resultantes do "ataque em massa" por banda dos manifestantes, embora a generalidade das fontes note que apenas uma pequena porção dos manifestantes terá provocado as autoridades. Mais de 160 grupos antiglobalização, de Esquerda, de estudantes ou de anarquistas participaram na marcha de ontem, que atravessou o centro da cidade em direcção ao porto, zona onde a maior parte dos activistas montou acampamento. De acordo com a Polícia, havia entre os manifestantes cerca de dois mil membros, encapuzados, do "Schwarzer Block" (Bloco Negro), grupo anarquista radical que procura sempre o confronto com as autoridades.» (Jornal de Notícias)
Sendo legítimo (e até desejável) protestar contra a «privatização» das mais importantes decisões mundiais por um grupo que reune à porta fechada (o que aconteceu à ONU?), os métodos escolhidos por alguns destes manifestantes prejudicam o movimento por outra globalização na sua globalidade e, mesmo que o não prejudicassem, são contraproducentes. Prejudicam porque roubam o espaço a discursos mais inteligíveis, e porque associam à violência um movimento que não tem necessidade dela. E são contraproducentes porque procuram que a violência estatal confirme que o Estado é repressivo, para gerar mais revolta e mais violência, e depois mais repressão para voltarem ao ponto de partida. No fundo, o que esta gente faz, de capuz na cabeça e de pedras na mão, é dar mau nome ao anarquismo (e à esquerda).

39 comentários :

João Branco (JORB) disse...

Ricardo: as conquistas sociais dos trabalhadores na passagem do século XIX para o XX e no início deste foram conquistadas violentamente por bombas e sabotas anarquistas.

"Dar mau nome ao anarquismo" ?

O anarquismo é conhecido pelos métodos violentos. O símbolo pictográfico de bomba http://bradfitzpatrick.com/stock_illustration/images-new/technology/cartoon-bomb-clipart.gif é baseado nas bombas fabricadas pelos anarquistas quando estes eram uma força a ser respeitada. Quando existiam como grupo que lutava pelos seus direitos em vez de se entreter a escrever sobre sintaxe teórica e coisas que tais.

O Black Bloc não dá mau nome ao anarquismo. Antes pelo contrário, perpetua a imagem de acção directa contra a propriedade e autoridade que sempre foi apanágio do anarquismo.

O Black Bloc pode dar "mau nome" à esquerda, aos hippies, à social democracia, mas os anarquistas não condenam esta tática (black bloc é uma táctica, não um grupo, ao contrário do que a imprensa gosta de acreditar)

Ricardo Alves disse...

O anarquismo de há cem anos não se reduzia à violência de rua. O anarquismo actual parece reduzir-se a isso mesmo. E o problema é esse.
Os anarquistas do início do século 20 controlaram a maioria dos sindicatos durante quase duas décadas, formaram associações de bairro e mutualistas, dinamizaram bibliotecas populares e cursos de alfabetização, etc. Eram muito mais do que fazedores de bombas caseiras.
Os «anarquistas» de hoje acham que os Estados democráticos se combatem da mesma forma que se combateram monarquias e autoritarismos há 100 anos atrás? Se pensam assim, então retiveram o pior da herança anarquista sem tirar lições nem sequer compreender o que era realmente importante para os homens do outro século.

Anónimo disse...

antes de mais nada seria necessário deixar de usar os media corporativos como fonte de informação credível. afinal eles são propriedade dos grandes grupos empresariais cujos interesses estão representados nestas cimeiras.

depois há essa teoria que os confrontos roubam espaço à política. mas se são anarquistas então são apolític@s... a forma política de actuar é ela própria criticada por estes anarquistas que a consideram uma das grandes responsáveis pelo estado a que chegamos

mas o mais fundamental é que a violência, neste caso, é uma auto-defesa contra as restrições à livre manifestação e não se dirige contra pessoas mas sim contra as multinacionais e o capitalismo

eu defendo outra formas de acção mas não me apresso a apontar o dedo a quem se revolta. a revolta faz falta

rui tavares disse...

o anarquismo NÃO é violento, tal como não é obrigatoriamente pacifista. o que é uma violência é fazer com que o anarquismo se defina pelos métodos violentos, e achar que eles tenham mais justificação histórica a propósito de uma qualquer teoria da acção directa (que também não tem de ser violenta).

desde os seus inícios que o anarquismo tem teorizado a não-violência (vide Tolstoi) e tem sido até uma das teorias políticas que mais contribuiu para a criações de tácticas não-violentas de luta política. é verdade que também houve terroristas que se reclamaram do anarquismo, mas que contributo deram estes ao pensamento anarquista? muito pouco, nada que se possa comparar ao de tolstoi, pannekoek, ou outros anarco-pacifistas.

a maior parte dos anarquistas está algures no meio: declarando a violência, correctamente, como um acto de repressão e poder injustificado sobre terceiros, condenam-na na maior parte dos casos. no entanto, admitem-na em casos de auto-defesa, como na Guerra Civil de Espanha, etc.

na verdade, a teoria anarquista sobre a violência é senso comum e não tem nada de especial, a não ser para condenar a violência como repressão. um anarquista que se preze, que preze as suas ideias, e queira que elas sejam compreendidas, rejeita a violência em 99% dos casos, mais ainda do que qualquer outra pessoa.

por isso tenho muito pouco respeito pelas tácticas do black block. ao contrário do que diz o primeiro comentador, posso mesmo dizer que as condeno. e já era anarquista antes de muitos deles apareceram, e provavelmente continuarei a ser quando muitos deles tiverem abandonado a fase adolescente para se tornarem iguais a qualquer autoritário. já o vi acontecer tanta vez...

Ricardo Alves disse...

Panúrgio,
em primeiro lugar o anarquismo não é apolítico. Longe disso. E se contestam a forma actual de fazer política, querem pôr o quê em seu lugar? E de que forma? É que se a alternativa é partir montras de multinacionais, então é pior a emenda do que o soneto...

E quanto aos media: há algum erro no artigo do Jornal de Notícias que eu citei? Qual?

Anónimo disse...

Concordo totalmente com o post.

Anónimo disse...

Ricardo Alves, no meu entender o anarquismo é apolítico porque não pretende instituir ou defender uma ideologia política para a sociedade. os indivíduos é que devem ser autonomamente responsáveis pelo que lhes diz respeito, sem intervenção de terceiros. se quiseres chamar a estas propostas de política não me incomoda nada. é uma discussão semântica entre um sentido lato e outro estrito de um conceito e na verdade não tem grande interesse para mim.

e não, a alternativa não é partir montras como muito bem disse o Rui Tavares, mas isso acho que sabes.

erros no artigo? claro que sim!!!

"Uma porta-voz da Polícia descreveu os incidentes como resultantes do "ataque em massa" por banda dos manifestantes,"

"do "Schwarzer Block" (Bloco Negro), grupo anarquista radical que procura sempre o confronto com as autoridades."


é uma visão claramente comprometida com uma fabricação de uma ideia de vandalismo d@s manifestantes que se repete sistematicamente. conheço vários exemplos em que se passou algo de idêntico mas lembremo-nos do que aconteceu aqui no 25 de abril (repare-se que o jornalista nem sequer sabe o que é o black bloc... ou faz de conta que não sabe)

as pressões e as intimidações @s manifestantes começaram muito antes do evento

neste blog está alguma contra-informação sobre o que se passou em Rostock

Filipe Castro disse...

Os media adoram dramas e mentem o mais que podem. Ha poucos anos lembro-me de ver na CNN (EUA) uma lambisgoia a chamar "anarquistas" a uma manifestacao gigantesca, absolutamente pacifica, de americanos, contra a invasao do Iraque.

Nao ha diferenca nenhuma entre a CNN hoje e o Pravda de 1970. Nenhuma. E a FOX e a MSNBC ainda sao mais descaradamente mentirosas.

O DN é um pasquim que publica propaganda pro-republicana sem um farrapo de independencia.

Se calhar "os anarquistas" eram 200 miudos mal educados e milhares e milhares de manifestantes a exercerem um direito democratico que cada vez e mais ignorado.

Anónimo disse...

Se não fossem os 2000 a fazerem black bloc, concentrando a acção da polícia, os 10 000 "manifestantes pacíficos" teriam sido ordeiramente dispersados. A isto chama-se resistência. É para isto que se forma o black bloc. Em inglês diz-se que eles "take the heat for the rest of the protesters".

Isto é o que acontece quando não se formam black blocs:

1) Los Angeles Democratic Presidential Convention, 2000: CALL FAKE BOMB THREAT

What to do when independent media extremists have set up a counter broadcast with a potential web and satellite audience of 14 million? Easy -- say a bomb has been planted on the premises and move in for everyone's safety! In LA, police "responded" to a bomb threat, then barred access to an independent media satellite truck at the time of the scheduled broadcast. A member of the L.A. sheriff's department was even heard bragging that the "[bomb] threat would evaporate as soon as the satellite time elapsed." Once the bomb threat is over, move on to the pepper spray and rubber bullets!

25 de Abril de 2007

A polícia ataca em força uma manifestação pacífica para "impedir a destruição de montras, ataque a transeuntes e à sede do PNR". Foi-se a ver e nada disto tinha acontecido, mas passou para os media.

Rui Tavares: Tu és daqueles anarquistas que hão de viver muito, sempre dizendo-se anarquistas (apesar de votarem, apoiarem partidos, etc.), sempre com algum dinheiro, sempre moralmente superiores. Os "adolescentes" podem morrer autoritários (especulas tu) mas pelo menos uma vez na vida, pelo menos AGORA, praticam o anarquismo em vez de só falar sobre ele.

Mais: a tua argumentação cai quase na totalidade na falácia do "apelo à autoridade", neste caso a tua, como "historiador" , "anarquista há muitos anos". De resto é especulação sobre o que os adolescentes se vão tornar e opiniões pessoais que ficam por fundamentar.

Ainda está por provar ou argumentar porque é que o Black Bloc "dá mau nome" ao anarquismo. Quais são as regras do anarquismo, estabelecidas certamente por Rui Tavares, que condenam a acção do black bloc?

O Emídio Santana não era anarquista? E o Émile Henry ?

Tu que és historiador, vê lá se descobres o que estes nomes têm em comum:

José Canalejas
Humberto I de Itália
Antonio Cánovas del Castillo

Anónimo disse...

Gostava de te ver admitires aqui que não respeitas a actuação do Emídio Santana.

É evidente que o devoto cristão Tolstoi ficou com "melhor nome" junto à burguesia, talvez por ser uma ameaça inferior a esta.


Uma pergunta: Imaginem que a manifestação não tinha tido black bloc.
A CNN e o DN não iriam dar na mesma a imagem dos manifestantes como loucos desvairados e violentos?

Goste-se ou não, um social-democrata como Rui Tavares é caracterizado nos media como extrema-esquerda. Como bem diz o Filipe Castro, quem dá mau nome aos anarquistas são os media burgueses.

Anónimo disse...

Errico Malatesta "dá mau nome" ao anarquismo:

"It is our aspiration and our aim that everyone should become socially conscious and effective; but to achieve this end, it is necessary to provide all with the means of life and for development, and IT IS THEREFORE NECESSARY TO DESTROY WITH VIOLENCE, since one cannot do otherwise, the violence which denies these means to the workers."

http://flag.blackened.net/revolt/anarchists/malatesta/rev_haste.html

Ricardo Alves disse...

Caro «anónimo» (vou assumir que foi a mesma pessoa que fez os últimos três comentários; se foram pessoas diferentes, peço antecipadamente desculpa, mas se assinassem não haveria confusão),

não compare o Emídio Santana com o Black Bloc. O Emídio Santana combateu contra uma ditadura fascista e repressiva. O Black Bloc combate contra quê? Contra as democracias capitalistas? Contra o G-8, onde a maior parte dos líderes são eleitos? Contra o ar?

Repito: não reduzam o anarquismo à violência. Para os anarquistas de há 100 anos, a violência era um recurso, mas não era a única coisa que faziam. Tinham sindicatos, organizações, redes de apoio social, jornais, todo um trabalho sério. Os «Black Bloc» de hoje fazem o quê, para além de provocarem a polícia?

A imagem do altermundialismo seria muito melhor sem o Black Bloc. Repito: o anarquismo não merece ser associado a isto.

Anónimo disse...

Ricardo Alves, como já foi dito acima o black bloc não é uma organização, é um método de resistência. forma-se em ocasiões em que é necessário e depois dissolve-se. é constituido por pessoas que eventualmente têm outras actividades. muitas delas estão na contra-informação, nos ateneus, nos centros sociais, nas livrarias libertárias, em sindicatos anarquistas, na ecologia radical, nos food-not-bombs, nas massas críticas, nas ocupações, nas cruz negras anarquistas (luta contra as prisões), nas comunidades naturistas, em grupos feministas, antifascistas, etc. etc. etc.

é essa ideia de um grupo de adolescentes com mentalidade de hooligan que os media passam que está totalmente errada. logo à partida é preciso ver que não se podem rotular essas pessoas sem as conhecer. isto é básico. se el@s não mostram a cara, não falam aos media, não se lhes conhece sequer a identidade, então como é que fazes essas considerações sobre el@s? pelo que é passado pelos media...

Anónimo disse...

em 2002 houve uma cimeira da osce no porto. houve uma série de movimentações que culminaram numa manifestação na baixa da cidade. esta foi duramente reprimida, os meios de registo foram confiscados e a imagem passada nos media distorcida. no entanto, uma activista conseguiu esconder uma câmara e passá-la para o exterior o que veio revelar a verdade dos acontecimentos. os jornalistas corporativos, numa inusitada reacção, solidarizaram-se e pousaram as câmaras no chão ameaçando o esperado decorrer mediático da cimeira. mais uma vez a polícia cumpriu a sua missão repressiva da contestação, mais uma vez os media preparavam-se para cumprir o seu papel de megafones do reino.

Anónimo disse...

estive aqui a pensar com os meus botões e, apesar da descontextualização pela qual peço já as minhas desculpas, não resisto a dizer alguma coisa @ anónimo sobre a sua crítica ao rui tavares

acho que é preciso ir um pouco mais fundo do que isso. no meio libertário há todo o tipo de pessoas com telhados de vidro, é assim em todo o lado e dada a falta de cultura e vivência libertária que nos é negada desde a nascença pelas estruturas hierarquizadas e competitivas da sociedade é natural que assim aconteça. há gente do melhor na cena anarquista, mas também é habitual encontrar anarquistas machistas, nada solidários, competitivos, agressivos e até violentos, menos radicais, autoritários e/ou extremamente autoritários, enfim, a fauna é diversa e tem alguns problemas graves. para mim, cooperar com estas pessoas tornou-se uma impossibilidade.

penso que temos de ver a questão dos posicionamentos nos termos mais latos dos múltiplos autoritarismos. há pessoas que nada sabem de anarquismo que têm uma forma de estar e de trabalhar, profissionalmente até, bastante horizontal. desde que não se firam princípios básicos acho que devemos procurar pontos em comum e crescer a partir daí (por exemplo, um machista declarado, mesmo dizendo-se libertário, não conte comigo para a sua luta)

não te conheço e ao rui tavares só de algumas coisas que li pela net, pelo que não estou a pessoalizar a questão mas a transmitir a ideia que alguns anarquistas que se dizem bué radicais são no fundo o pior que podemos desejar encontrar na intervenção social pelo descrédito que a sua prática faz passar para outras pessoas

Anónimo disse...

Eu também era pela não-violência.
Até ao dia 25 de Abril de 2007 em que uma manifestação não-violenta foi brutalmente atacada por polícias fortemente armados.
Ninguém resistiu. Ficámos com câmaras, braços e o orgulho partido.


Na televisão disseram que atirámos cocktails molotov, que mandámos 5 polícias para o hospital e que partimos montras de bancos. A polícia teria apenas "dispersado o motim".


Foi quando li isto nos media que pensei "que pena não termos realmente resistido". "Que pena não estarmos preparados para resistir." Teríamos decerto ficado com câmaras e braços partidos. Mas com o orgulho intacto.

Ricardo Alves disse...

Anónimo das 5:22, não seja tão orgulhoso. A violência gera violência. Juntem os testemunhos e arranjem bons advogados. Penso que essa será a melhor abordagem. Não estamos no Portugal de Salazar, e nem sequer na Polónia dos gémeos beatos.

Panúrgio,
mesmo que a imagem pública dos pseudo-anarquistas seja distorcida, não compreendo qual a utilidade desses métodos. Por exemplo: conheço pessoas de esquerda que ficaram assustadíssimas com o início da manifestação anarquista do dia 25 de Abril. Ver pessoas de cara ostensivamente tapada não é muito tranquilizador. Assusta as pessoas e não traz nada de bom à causa de quem tapa a cara...

rui tavares disse...

anónimo:

é curioso que tenha falado de argumentos de autoridade para depois vir citar o malatesta. os argumentos de autoridade às vezes são isto: a autoridade de quem pensou, escreveu, reflectiu e deu muito ao anarquismo. o malatesta é um desses casos, e não contradiz o que eu escrevi: que o anarquismo, como aliás quase todas as doutrinas políticas, admite a violência em determinadas circunstâncias. o malatesta está naquele meio de que eu falava, entre um tolstoi pacifista e um bakunine revoltoso. a questão é que nunca nenhum deles reduziu o anarquismo à violência nem achou que quando foi forçado a recorrer à violência experimentou praticar o anarquismo. não é pela defesa pontual ou instrumental da violência, como aliás faziam todas as correntes políticas desde 1789 até 1945 (v. republicanos, carbonários, monárquicos, bolchevistas: todos) que malatesta ou bakunine são importantes para o anarquismo: é pelo que escreveram, pensaram, disseram. o que escrevem, pensam ou dizem os integrantes do black block?

entretanto estamos já noutro século. qual é o anarquista contemporâneo que acha que o black block tem qualquer relevância para o anarquismo: chomsky? bookchin enquanto foi vivo?

fala-me de emídio santana. conheci gente que conviveu com o emídio santana e pode ter a certeza que se havia coisa que ele achava ridícula era a comparação entre o atentado a salazar (pelo qual pagou um preço caro) e a ostentação patética de agressividade que não passa de acto autoritário.

de resto, não respondo às bocas sobre estilo de vida. não dou o mínimo espaço a ninguém, anarquista ou não, para julgar o meu estilo de vida. muito menos a um anónimo.

Max Mortner disse...

Meus caros,
Desde já quero dizer que concordo com o que até aqui tem vindo a ser dito pelos srs.Ricardo Alves e Rui Tavares.

Quanto ao anarquismo/anarquistas apraz-me dizer o seguinte:
1º- A violência não é, no século XXI, uma forma de luta que produza resultados directos neste tipo de combates. Não são meia duzia de arruaceiros que vão mudar, sequer, a hora de inicio de uma cimeira do G8,quanto mais questões de fundo.
2º- A maior parte dos anarquistas (ou daqueles que se dizem anarquistas) vivem, hoje em dia, numa situação de profunda contradição com o seu próprio pensamento/ideologia. Vivem num sistema e dentro com o sistema(e isto acontece a partir do momento em que usufruem da primeira "regalia" que lhes é dada pelo sistema) que criticam. Aliás, o único "anarquista" com quem me dou bem, é um proprietário que vive de rendimentos e que faz discursos inflamados contra o sistema.
3º- Acho que os anarquistas do século XXI deviam olhar para os Situacionistas e seguir o seu exemplo...O tipo de acções dos situacionistas teria muito mais impacto (se fosse usado pelos anarquistas) do que a violência...E o situacionismo é uma forma de anarquismo!
3º-

Anónimo disse...

vamos por partes

1. continua-se a centrar o debate na violência do black bloc quando sabemos que a violência parte muitas vezes da polícia. críticas à polícia nem vê-las, o que é sintomático de um reconhecimento de legitimidade e superioridade moral de quem carrega o crachá institucional. uns chamam-lhe estado de direito, outros de repressão policial. os primeiros dizem-no por uma questão ideológica, os outros porque é um mero facto observável

2. sobre a legitimidade do recurso à violência como forma de contestação, o ricardo alves diz que é aceitável a violência contra um estado fascista mas não contra uma democracia. o rui tavares, a julgar pelo que disse do emídio santana, também não a rejeita, apontando como exemplo de má violência a que é ostensiva. o max mortner diz que a legitimidade da violência depende dos seus resultados. portanto, não está aqui em causa nenhum princípio de não-violência mas uma mera táctica tendo em vista os melhores resultados. a julgar pelos resultados da intervenção através dos meios políticos, partidários e democráticos, e vendo o estado lastimável em que o mundo se encontra, mal como nunca esteve em termos de pobreza, escravatura e ameaças ecológicas, então a táctica do black bloc não tem lições de moral a receber de nenhum democrata

3. comete-se aqui o erro lastimável de julgar pessoas que não se conhecem condenando toda a sua acção pelo simples facto de de longe a longe integrarem um black bloc

4. pode não se gostar das caras tapadas, mas isso não é justificação para as críticas que são feitas. afugentam as pessoas e passam má imagem? talvez não estejam preocupad@s com esse tipo de publicidade. são verdadeir@s.

5. por último, rejeito totalmente a ideia expressa pelo rui tavares de valorização do que se "pensa, escreve ou diz" em deterimento do que se faz. viver e agir de forma libertária é tão ou mais valioso do que o que se escreve

Max Mortner disse...

" o max mortner diz que a legitimidade da violência depende dos seus resultados"

Caro panúrgio,

Em primeiro lugar eu nunca disse que " a legitimidade da violência depende dos seus resultados". Sou absolutamente contra qualquer tipo de violência( aliás o Ricardo Alves é testemunha disso, na sequência da discussão que tive com ele sobre a violência da extrema esquerda no Chiado).

Na minha opinião, o facto das pessoas andarem de caras tapadas não se prende com a vontade de se ser ou não publicitado, mas sim com as consequências que os actos provocados pelos "caras tapadas" podem ter...

Não conheço ninguém que viva de forma "libertária". Viver de forma libertária (na prespectiva anarquista do termo) é sinónimo de abdicar de tudo que a sociedade actual oferece(e, para ser sincero, as únicas pessoas que, pelo que sei, se aproximaram disso nos últimos trinta anos em Portugal, foram o Luis Pacheco e aquele poeta-mendigo de Braga, até o alemão, intelectual, que vivia nas ruas da Povoa do Varzim recorreu, voluntariamente às ajudas do Estado)

João Vasco disse...

«4. pode não se gostar das caras tapadas, mas isso não é justificação para as críticas que são feitas. afugentam as pessoas e passam má imagem? talvez não estejam preocupad@s com esse tipo de publicidade. são verdadeir@s.»

Talvez não estejam, e é isso que o Ricardo escreve.

É que não é disparatado especular que isso pode ser mau para a causa anarquista.


E isso seria triste. Se eu partir do princípio que quem integra o black bloc está a correr perigos e a arriscar-se, mas que depois, em vez de ajudar a causa, desajuda-a, então tudo isso é triste.

Suspeito que poderão existir estratégias e tácticas melhores em favor da causa anarquista - mas eu próprio receio que essa guerra não pode ser ganha na minha geração - o que aos olhos de muitos anarquistas me desqualifica logo para participar neste debate...

Anónimo disse...

para quem quiser ler um relato na primeira pessoa de um@ activista da indymedia (é importante para perceber melhor a violência nestas manifestações):

http://pt.indymedia.org/ler.php?numero=129305&cidade=1

caro max mortner,

foi assim que interpretei o teu 1º ponto. se o fiz erradamente então está feita a correcção.

sobre as caras tapadas, insisto, porquê tanta preocupação que o protesto pretenda se defender de ataques, quando a violência do outro lado é declarada, muito maior e nunca criticada?

se quiseres uma forma mais rigorosa posso usar a expressão "procurar viver de forma libertária". no entanto, parece-me algo falacioso exigir que o "verdadeiro anarquista" viva na sua totalidade erradicado das estruturas autoritárias. aliás, bastava por uma vez desviar o seu caminho respeitando a propriedade privada para se ver constrangid@ a uma submissão intolerável. se não há espaço livre, como é que se pode viver dessa forma de que falas?

joão vasco,

o que o ricardo escreve é que fazem mal por taparem as caras porque dá má imagem. se o bloc realmente não quer saber da imagem que passa, então, do seu ponto de vista, não se pode dizer que estejam errad@s. mas pode acontecer que lhes importe o que as pessoas pensem, e ainda assim preferirem ser autentic@s ao invés de diplomáticos

eu também acho que há estratégias melhores, mas não deixo de considerar quem integra o bloc como companheir@s. se pudesse ter ido ao protesto gostaria de ter estado com @s palhaç@s activistas (CIRCA). lá está, com a cara mascarada

Max Mortner disse...

Caro Panúrgio,
Há espaço livre para quem não quer viver em sociedade, olha para o exemplo do poeta mendigo de Braga(e digo isto para não falar dos ocupas, que não respeitam a propriedade privada). É claro que este estilo de vida pode ter consequências a vários níveis, mas é esse o risco que se corre quando se é sério e se acredita verdadeiramente num ideal. Agora dizer que se é anarquista, viver de/com um salariozinho(ou zão!) e depois, volta e meia, ir mandar umas pedradas para uma manifestação é simplesmente fogo de vista...

Radicalmente,
Mortner

João Vasco disse...

max mortner:

Discordo dessa posição.

Para dar um exemplo: um comunista acredita que toda a propriedade devia ser partilhada - que isso seria melhor para todos.
Mas dar a SUA propriedade para ser partilhada por todos sem receber nada em troca é mais que uma opinião: é um enorme altruísmo. Na verdade é um altruismo tão grande que não vejo nada de condenável que alguém esteja abaixo deste nível de altruismo.

Estar abaixo desse nível de altruismo, não deve - obviamente - fazer com que alguém deixe de pensar que a partilha total seria melhor para toda a socidade. E se o fizer, isso é traír as suas ideias - bem pior que não ser capaz de largar tudo.


É como um ecologista: não é por acreditar no aquecimento global que vai viver para as cavernas.
Mas aquela pessoa que, por não querer deixar de andar de carro, preferir não acreditar no aquecimento global, então isso é ridículo. Mais vale andar de carro e saber que isso é indesejável, do que alterar as suas crenças sobre o mundo para se adaptarem aos hábitos que não quer largar.

Assim sendo, se alguém acredita na anarquia, deve continuar a acreditar enquanto tiver boas razões para isso - qualquer que seja o seu estilo de vida.
Se fizer como o poeta mendigo de Braga, óptimo! Além de anarquista é das pessoas mais altruistas do país.
Mas o aquecimento global é um facto quer queiras andar de carro ou não, e alguém que acredite na anarquia não deve deixar de acreditar apenas porque mendigar não está nos seus planos - e há muitas razões que o podem justificar.

PS - Além de que, se todos os anarquistas procedessem dessa forma, isso seria péssimo para a causa anarquista. As pessoas iam evitar acreditar na anarquia para evitar tal destino, em vez de pensarem honestamente qual o melhor futuro para a sociedade - seja ele a anarquia ou não.

Max Mortner disse...

Caro ‘ o Vasco,

A grandes diferenças entre comunistas e anarquistas são as seguintes:
-os comunistas defendem a existência de propriedade (do Estado, equitativamente distribuída, etc), ao passo que os anarquistas defendem a destruição da propriedade.
- os comunistas defendem um certo modelo de Estado (um Estado social, que distribua a riqueza pelos seus cidadãos e que, caso deixe de ser necessário possa ser extinto), os anarquistas defendem a destruição do Estado.
Na minha opinião parece-me diferente um comunista que viva à custa de um Estado que pretende modificar de um anarquista que viva à custa de um Estado que pretende destruir – ironias à parte, este segundo caso é bem mais hipócrita.
No caso de um ecologista, ou de alguém que se preocupe minimamente com o ambiente, será exigível que, por exemplo, só use o carro quando for estritamente necessário ou que sempre que possível faça a separação dos lixos…
Um anarquista deve, portanto, viver à margem do Estado, não deve aceitar cargos públicos ou subsídios, não deve recorrer aos serviços proporcionados pelo Estado que pretende destruir e com o qual não colabora. Caso alguém que se diga anarquista faça o contrário, pode-se dizer que foi comprado pelo bem estar que o Estado lhe proporciona…

Cordialmente,
Mortner

João Vasco disse...

max mortner:

Obrigado pelo esclarecimento a respeito das diferenças entre comunistas e anarquistas, mas era desnecessário.
Eu conheço as diferenças - isto eram meros exemplos para clarificar algo mais geral do que o debate sobre a anarquia.

É apenas porque acho lamentável que se argumente contra posições ideológicas com base nos estilos de vida de quem as advoga.


Vou centrar-me no exemplo do ecologista. Alberto gosta de guiar o carro, mas um dia soube que as emissões de CO2 provocavam efeito de estufa.
O Eduardo acha que isso do efeito de estufa é tudo uma grande treta.
Quando o Alberto e o Eduardo discutem, é absurdo que o Eduardo use como argumento o facto do Alberto usar o carro (mesmo que desncessariamente), pois o efeito de estufa não tem nada a ver com os hábitos do Alberto.

Se o Eduardo quer que o Alberto mude a sua opinião a respeito da realidade para que este seja coerente com os seus hábitos, a sua pretenção é idiota.

A única coisa que o Eduardo pode concluir é que o Alberto não é altruista o suficiente para abdicar do seu conforto em nome daquilo que ele julga ser a defesa do planeta de todos. O Eduardo pode concluir que o Alberto tem atitudes menos altruístas.

Mas se o Eduardo se pode queixar da falta de altruismo do Alberto (afinal, o altruismo costuma ser uma coisa boa), é ridículo que ele conclua que o Alberto também "não acredita lá muito" na teoria do efeito de estufa, visto que continua a usar o carro, a seu ver, desncessariamente.

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No que respeita aos anarquistas, é a mesma coisa.
Uma pessoa deve ser anarquista ou não consoante a sua análise da realidade. E a análise deve ser racional e justa.

Se um anarquista depois aceita um cargo público, então é porque crê que a luta por aquilo que julga ser um mundo melhor não justifica que ele faça certos sacrifícios pessoais.

Se ele os fizesse, isso seria de louvar. Não podemos exigir mais sacrifícios em nome de um mundo melhor apenas porque as suas crenças são menos vulgares.


Eu sei que quando como num restaurante ou vou ao cinema estou a gastar dinheiro que poderia salvar vidas. O meu altruismo não é suficiente para abdicar de todos os luxos.
Mas acharia patético que alguém me viesse dizer que para ser coerente não poderia acreditar que existe muita miséria no mundo.

Da mesma forma, dizer que só pode acreditar que a Anarquia seria um ideal a almejar quem estiver disposto a sacrificar-se (e muito)para tornar esse ideal real, parece-me algo profundamente errado.

Na verdade, vou escrever um artigo neste blogue sobre este assunto.

Max Mortner disse...

Caro João Vasco,

Admito que a minha crítica pode ter sido um pouco exagerada. Contudo, não posso deixar de olhar com desconfiança para pessoas que, sendo ideologicamente tão radicais, na prática apenas contribuem para um sistema que, teoricamente, gostariam de destruir. Digo teoricamente porque, na prática, a maioria dessas pessoas ficariam completamente perdidas (em todos os aspectos) se viesse a verificar a sua teórica ideologia – é claro que, neste ponto, posso ser facilmente acusado de estar a entrar numa generalização não fundamentada, contudo se recordarmos o tema deste post, não será difícil perceber que estamos a falar de jovens de todo o mundo, com tempo e dinheiro nas mãos, que se deslocaram até Rostok para se manifestarem, violentamente, contra a globalização. Este facto, por si só, faz-me pensar que estes manifestantes são, no fundo, um produto de uma outra globalização (cultural, ideológica, politica, etc) que vive à custa da globalização económica, contra a qual, paradoxalmente, protestam.

Aceito o exemplo “ecologista” que me deu, faz algum sentido. Não devo, porém, concordar que exista tanta hipocrisia (ou falta de altruísmo) num indivíduo que frequenta restaurantes e que sabe que há fome no mundo (e quer acabar com ela) como num anarquista que vive à custa do Estado e quer acabar com ele…Se no primeiro caso, o sr. ao frequentar restaurantes e cinemas não está a contribuir para a fome mundial, alguém que se diga anarquista e que, por exemplo, seja funcionário do Estado, usufrua das regalias que o Estado lhe dá, e cumpra as disposições que são impostas pelo Estado (por exemplo o pagamento de impostos) é alguém que, independentemente da ideologia que defenda, está a contribuir para o Estado ( e contribuir para a existência de um Estado é, na minha opinião, pura e simplesmente o oposto do anarquismo).

Se o sr. visse um milionário a dizer que era comunista, a aparecer em manifestações e que não distribuísse a sua riqueza por ninguém o que é que diria? Chamar-lhe-ia hipócrita? Podia dizer que era alguém verdadeiramente comunista, porque, segundo me diz, para além do pensamento (da concepção ideológica) não é exigível (é até patético) que se viva de acordo com a ideologia que se tem…
Não se viver de acordo com a ideologia que se têm, podendo faze-lo, é triste, para não dizer hipócrita.
O que existe hoje, em grande parte dos casos, é uma burguesia que se considera anarquista. Não produz nada: nem sequer teoria ou doutrina anarquista! E, é claro, têm sempre um tempinho livre para irem gastar uns cobres, atirar uns calhaus e perturbar uma manifestação pacifica!

João Vasco disse...

max mortner:

Acho que nos vamos entendendo.
Concordo que o exemplo dos restaurantes não corresponda ao mesmo "grau" que o exemplo do anarquista na função pública, mas aquilo que pretendia explicar (e acho que me fiz entender) verifica-se em ambos os casos.

Quero apenas dizer que eu não considero patético que se critique o comunista rico e poderoso do exemplo. Na verdade acho que na sua atitude existe algo digno de louvor, e outro algo digno de crítica.
Digno de louvor é o facto de não ter condicionado a sua visão daquilo que é melhor para todos pelos seus intereces - isso revela lucidez e sensatez, porque nós costumamos ter tendência para enviesar a nossa avaliação no sentido de acreditar que aquilo que nos favorece pessoalmente é o melhor para todos. Alguém com muitas poses que é comunista certamente terá escapado a este enviesamento, pois o comunismo não seria um regime que o favoreceria.

Por outro lado, podemos criticar nesta pessoa a o facto de estar a fazer pouco para tornar o mundo melhor, quando da sua perspectiva há muito que pode fazer. Mas eu não me sinto à vontade com esta crítica. Eu não sou rico nem comunista, mas se fosse ambas - se tivesse nascido rico, e considerasse que o comunismo era o melhor sistema para todos nós - será que abdicaria tão facilmente da minha fortuna?
Espero sinceramente que não deixasse de ser comunista apenas porque não me convinha - e até aí, julgo que sem bons argumentos para deixar de ser, continuaria fiel a esses ideais. Mas não sei se tão facilmente deixaria de ser rico - isso requer uma abedegação da qual nem tantos são capazes.

Claro que entre participar em actividades do partido, etc... e não o fazer, seria sdempre melhor que o fizesse - partindo do princípio que tinha razão e que o comunismo era bom...
Mas dar a minha fortuna, nõ sei se qualquer um o faria. Gostava de acreditar que eu poderia fazê-lo, mas estou muito longe de dar isso por garantido...


Como me sinto pouco à vontade para criticar nos outros a omissão de atitudes que eu próprio não estaria certo de tomar, sinto-me desconfortável quando se critica um comunista por "ter muito dinheiro" e andar em manifestações em vez de o distribuir.


Com os jovens anarquistas é a mesma coisa: acreditam que o mundo melhor é a anarquia. Se calhar estão enagandos e não se dariam bem nesse mundo - quem acredita nisso deve tentar convencê-los disso, se o diálogo fôr possível. Um dos lados pode descobrir que está enganado.

Mas assumindo que eles acreditam que estão certos, e estão dispostos a fazer algum sacrifício para lutar por esse mundo, será sempre fácil exigir que façam mais sacrifícios para lutarem pelo mundo que acreditam ser melhor. Que renunciem ao capitalismo, que se margilalizem mais.

Mas e nós? Sabendo que certas acções que tornam o mundo melhor, na nossa opinião, comportam sacrifícios, nunca hesitamos?
Não é bem assim. Às vezes fazemos sacrifícios por aquilo que acreditamos (luta contra a miséria, etc..), mas outras vezes somos omissos, em nome do nosso conforto - não somos mártires, afinal.

Mas às vezes exigimos aos outros sacrifícios que não estaríamos dispostos a fazer.

Se o max mortner fosse anarquista, acredito que se recusasse a trabalhar para o estado, e acredito que não fosse violento nas manifestações. MAs deixaria de estar integrado no sistema capitalista? Seria realmente capaz de tal abenegação em nome dos seus ideiais? Se sim, parabéns.

Quanto a mim, sinto-me desconfortável ao exigir dos outros tal grau de altruismo, quando eu próprio não sei se seria capaz de tal entrega.

João Vasco disse...

IntereSSes, claro!

Quando reli a mensagem nem acreditava, eh!eh!

Anónimo disse...

caro max mortner,

o anarquismo não é só antiestatista, é também anticapitalista. assim, segundo o raciocínio que empregas, não só uma anarquista não pode trabalhar para o estado, como também não pode ter qualquer relação com o mercado. também uma anarquista presa num estabelecimento prisional jamais poderia ser descrita como "vivendo de forma libertária".

estas duas situações servem para ilustrar a ideia que me parece te está a escapar na concepção anarquista de vivênvia em liberdade. esta liberdade tem de ser vista, antes de mais, como uma libertação, como um acto emancipatório, um caminho a prosseguir, percisamente pela razão que atrás referi, de que não há espaços alargados de liberdade que permitam essa fórmula final de vivência em liberdade que exiges que as anarquistas respeitem. assim, a anarquista encarcerada vê a sua liberdade restrita mas não deixa de ter uma vivência libertária, ou seja, de libertação.

vou até às últimas consequências para mostrar a impossibilidade do que defendes. na tua concepção, a simples utilização de uma rua ou uma estrada, construida por funcionários do estado e paga com o seu dinheiro, não seria também uma relação promíscua com o maligno estado?

não acredito em anarquistas políticos, polícias ou carcereiros, mas convenhamos que há empregos do estado menos ou nada comprometidos com o poder do que estes exemplos.

e volto a dizer que se gasta tanta saliva electrónica a desancar o black bloc quando se sabe que os media que nos transmitem a sua violência está comprometido com o outro lado e se sabe, ou deveria saber, que a violência dos democraticamente eleitos do g8 é incomensuravelmente maior.

Anónimo disse...

vi agora o último comentário do joão vasco que afinal usava o mesmo exemplo do capitalismo que eu dei. cheguei tarde.

uma ideia que me veio agora à cabeça. então as primitivistas, que fazem a crítica à civilização e à sociedade técnico-científica, uma das correntes anarquistas mais radicais, teriam forçosamente que viver nos bosques vivendo como as caçadoras-recolectoras do paleolítico, para serem absolutamente consequentes e verdadeiras :)

Max Mortner disse...

Caro João Vasco,

O que eu quero dizer é que hoje a leveza com que se encara tudo, inclusive o abraçar de uma ideologia radical, permite que se viva com um enorme distanciamento entre o pensamento (ideologia) e a o modo de vida das pessoas (acção). Há um enorme relativismo no meio de tudo isto que é, obviamente, bem aceite pelas pessoas que, afirmando serem diferentes, não querem perder as regalias (ou as vantagens) de serem iguais. Partindo para o sempre perigoso caminho das comparações e dos exemplos, permita-me dar-lhe o seguinte exemplo: um indivíduo que se afirme vegetariano, porque acredita que comer vegetais é mais saudável (ou que matar animais é cruel) pode, na sua perspectiva comer carne, porque não é por isso que vai deixar de acreditar que é, de facto, melhor ingerir unicamente vegetais. É, certamente perigoso, comparar ideologias a restaurantes, dietas, etc. Contudo, este exemplo ilustra bem a maneira como uma certa extrema esquerda ( e também uma certa extrema direita) encaram as suas posições ideológicas.
Deve haver um mínimo exigível: a um comunista deve-se exigir que não seja capitalista (não estou a falar de classe média ou média-alta, estou a falar de capitalismo a sério!), a um fascista deve exigir-se que não vote, pois não é democrata.
Se eu fosse anarquista procuraria viver de acordo com os meus ideais, ainda que para tal tivesse que abdicar do meu bem-estar. Não me afirmaria publicamente como um anarquista se vivesse dependente do Estado (noutro dia naquela reportagem que saiu sobre o anarquismo havia um “anarquista” que vivia do rendimento mínimo!). Também não o faria se fosse um grande capitalista.

Caro Panúrgio,

1º- Parece-lhe, por exemplo, o comércio justo, a agricultura biológica, uma profissão liberal (independente do jugo de grandes empresas) algo que esteja relacionado com o capitalismo? É claro que há uma relação,mas penso que o Panúrgio não considera um lavrador que seja dono de um pequeno terreno um capitalista, pois não? Se considerar, então não sei o que lhe diga porque, sendo assim, desde que o homem acumulou os primeiros excedentes agrícolas, há muitos milhares de anos atrás, pode dizer-se que existe capitalismo. Caso não considere, é possível, de facto, viver fora do sistema capitalista, mesmo estando cá dentro. É claro que há alguns sacrifícios a fazer…

2º -“também uma anarquista presa num estabelecimento prisional jamais poderia ser descrita como "vivendo de forma libertária". “- Não terá Sade (que esteve a maior parte da sua vida preso) vivido de uma forma libertária? Não terá Luiz Pacheco assumido os riscos da sua libertinagem? Não terá o professor Emídio Guerreiro, ao combater pela liberdade, contra Salazar, contra o fascismo espanhol e contra os nazis, abdicado de uma vida tranquila e até da sua liberdade?
É que não se deve cair no erro de dizer que, na actualidade, se deve empreender um combate sem riscos. Deve-se assumir o risco e viver de uma forma minimamente coerente com a ideologia que se tem. E risco não é o hooliganismo que se vê nas manifestações. Risco, nos dias de hoje, é escolher ser realmente diferente. E é-o porque a maioria da sociedade (eu incluído) discordo dessa diferença (dessa ideologia)

3º - “a anarquista encarcerada vê a sua liberdade restrita mas não deixa de ter uma vivência libertária” – Em que consiste essa vivência libertária? Em ideologia? Numa espécie de contradição permanente?

4º- Penso que a vontade de destruir um Estado não se prende (ou não fica comprometida) com o uso das infraestruturas estatais. Já é moralmente reprovável viver-se à custa de um estado que se quer destruir.
Tenho a certeza que a democracia não ficou comprometida pelo uso de infra estruturas do estado novo (nenhum democrata, ou capitão de Abril deixaria de usar a ponte 25 de Abril p causa disso).


O que eu quero é que se lute com um minimo de coerência. Há outras formas de luta que podem alertar para os perigos da globalização. Atirar pedras só faz com que a credibilidade do movimento anti-globalização diminua.

Ricardo Alves disse...

«se gasta tanta saliva electrónica a desancar o black bloc quando se sabe que os media que nos transmitem a sua violência está comprometido com o outro lado e se sabe, ou deveria saber, que a violência dos democraticamente eleitos do g8 é incomensuravelmente maior»

Não tenho conhecimento de que a polícia tenha atirado pedras aos manifestantes. E acho que mesmo os media «comprometidos» com não-sei-quem nos teriam mostrado essas acções...

Anónimo disse...

caro max mortner,

se te recordas a discussão surgiu precisamente porque eu critiquei a ideia que a acção, a prática, por si só, não tem valor sem a produção de pensamento que contribua para o desenvolvimento da ideia libertária. eu penso que é essa prática que garante a coerência do pensamento, que de outra forma não faria sentido.

nós começamos a discordar quando pretendes levar essa coerência a extremos que tornariam muito difícil a vida das pessoas, ao ponto dessa exigência ser praticamente uma impossibilidade. mártires pela causa são exigidos ao cristianismo, religiões em geral e doutrinas políticas opressivas e autoritárias, não ao anarquismo. acho que se pode viver com o suficiente para uma vida saudável sem com isso se tornar opressor, capitalista e estatista.

já agora, era importante que sustentasses esta tua ideia:

"Penso que a vontade de destruir um Estado não se prende (ou não fica comprometida) com o uso das infraestruturas estatais. Já é moralmente reprovável viver-se à custa de um estado que se quer destruir."

porquê esta diferença entre as duas situações?

já agora que ideia é essa de viver à custa do estado? por acaso um funcionário público não trabalha e não paga impostos?

quanto ao comércio justo, agricultura biológica e afins, continuam a fazer parte do mercado. no caso do comércio justo continua a haver salariato, divisão do trabalho, distribuição globalizada e trocas monetárias. o caso da agricultura biológica é um nicho de mercado que está a crescer significativamente, capitalista do princípio ao fim. se falasses em experiências como o trocal já era outra coisa, mas também em portugal não há trocal digno de registo. continuo a dizer: não há esses espaços de liberdade.

deixo-te uma pergunta. se acaso foste contra a invasão do iraque e estás inteirado das reais motivações que levaram à guerra e te chocam os seus resultados actuais, o que fizeste de significativo para parar a guerra? quantas vezes usaste os meios democráticos e cívicos ao teu dispor para pôr um fim à insanidade?

Anónimo disse...

"Não tenho conhecimento de que a polícia tenha atirado pedras aos manifestantes. E acho que mesmo os media «comprometidos» com não-sei-quem nos teriam mostrado essas acções... "

as fotos e os relatos estão nos media alternativos. tal como no 25 de abril as tvs e os jornais cumpriram escrupulosamente o seu papel de passar a versão da polícia e sonegar o resto, e tiveram de ser os medias alternativos (e alguns blogs) a passar a verdade.

existem fotos, relatos e vídeos do g8 em abundância, estavam lá milhares de pessoas. acho que quanto a esta questão, quem quer saber, sabe.

Max Mortner disse...

Panúrgio,

1º- Posso ter-me excedido mas penso que é razoável pedir coerência. Um individuo que exija o fim do Estado deve ter, pelo menos, a decência de exigir o mínimo possível do Estado que quer destruir.
Quanto a isto não tenho mais nada a dizer.

2º- “porquê esta diferença entre as duas situações?”
Porque na história as revoluções e mesmo as guerras (se possível) não eliminam aquilo de que se podem servir. Se o anarquismo vencesse, presumo que não interferisse com o conceito de liberdade anarquista, a existência de uma estrada ou de um passeio. Já o facto de se trabalhar e alimentar com impostos um Estado que se pretende destruir é algo completamente diferente.

3º - É claro que um funcionário público trabalha e paga impostos (alimenta assim o Estado e contribui para o bom funcionamento do sistema). Estava-me a referir a pessoas que sendo contra o Estado, vivem do rendimento mínimo ou que recebem qualquer ajuda ou subsidio estatal (numa reportagem, um anarquista dizia viver com o rendimento mínimo e não achava de todo incoerente a sua atitude – se calhar até tem razão, porque gente desta ajuda, de facto, a destruir o Estado)

4º - Acho que fazes uma grande confusão sobre o que é o capitalismo, és demasiado radical no teu conceito de capitalismo (presumo, visto que não respondeste, que aches que um lavrador dono da sua pequena propriedade é um capitalista). Não sei ao certo o que é o sistema trocal, mas se for um sistema de trocas directas, penso que, na tua linha de raciocínio também o consideras capitalista: para haver troca tem que haver excedente de produção de um bem de primeira necessidade, ou a existência de produção de um bem não essencial.

5º- Fui contra a guerra no Iraque. Sempre que posso uso os meios democráticos e cívicos que estão ao meu alcance (a liberdade de expressão, o voto, etc.) para expressar o meu descontentamento.

Gostaria que me respondesses ao 2º ponto do meu comentário anterior. E já agora lê o exemplo que eu dei sobre o “vegetariano”, dá para perceber qual é a minha posição. Não exijo loucuras, apenas peço coerência. E acho que quem se diz contra a burguesia não pode cair no erro de confundir bem estar (e perda de bem estar) com a perda da liberdade ou da dignidade.

Anónimo disse...

respondendo então directamente aos pontos,

2 depois de uma hipotética revolução anarquista, o salário estatal deixaria de fazer sentido porque evidentemente não haveria estado, é um valor efémero. o que o estado construiu, como ruas e estradas, são bens permanentes (poderia fazer sentido, ou não, destruir o que foi construido). a diferença, portanto, está na natureza de permanência ou não do bem, apenas isso. é uma questão de pragmatismo. o que realmente importa é que na sua génese as duas situações são idênticas, resultam de uma relação d@ trablhador@ ou d@ contribuinte com a entidade que é o estado, em que um paga e o outro trabalha ou constroi, pelo que o seu valor moral é o mesmo.

4 um lavrador dono de uma pequena propriedade não é um capitalista, mas se põe os seus produtos no mercado está integrado no sistema. eu não vejo problema nenhum nisso e este exemplo só pode servir para mostrar que não existe incoerência se esse lavrador for anarquista. se houvesse possibilidades de levar a sua vida sem recorrer ao mercado e o rejeitasse então, aí sim, algo estaria errado. mas não é o caso.

5 o exemplo da guerra do iraque era meramente exemplificativo. com tanta gente a morrer nessa guerra injusta era de esperar muito mais de tod@s aquel@s que se lhe opõem com convicção. há incoerência nisto?

quanto ao teu ponto dois a resposta foi dada. partes de uma proposição que eu não aceito. a de que o "risco não é o hooliganismo que se vê nas manifestações."
podes achar que não é a melhor forma, que a violência é por princípio má, mas que @s manifestantes estão a dar a cara e a enfrentar um grande risco em nome do que pensam, à isso é que estão! e isso é uma coisa que não lhes podes retirar com essa leveza.

depois continuo, lá em cima, com a história do vegetarianismo

João Vasco disse...

panúrgio:

continuei este debate no texto: «Pensamento e Acção IV».