- «Não consta que haja mais criminosos entre os irreligiosos do que entre os religiosos. O ser humano sabe que determinadas coisas são erradas porque é capaz de se colocar no lugar do outro e de colocar o outro no seu lugar. Quem faz uma coisa errada sabe que rompe um pacto tácito estabelecido com os outros seres humanos. Não é preciso religião para ensinar isso. A ética exposta por Kant, por exemplo, não é religiosa. As religiões não fazem senão – na melhor das hipóteses – espelhar os princípios e a regras que os homens elaboraram para poderem melhor conviver em sociedade. A prova disso é que, embora muitos dos princípios e regras que os homens se impõem não sejam espelhados pela religião, eles são, no entanto, respeitados. Por exemplo, achamos errado que uma pessoa abandone um amigo na hora da necessidade. (...) O catolicismo alega defender a vida, mas a verdade é que a vida que realmente importa, para ele, não é esta, mas a "outra", isto é, a "eterna", isto é, a que vem depois da morte, isto é, a própria morte. E, perto da vida eterna, o que é, para o verdadeiro católico, o sofrimento nesta vida? Assim, o catolicismo não defende a vida, mas a morte e o sofrimento.» («Entrevista a Washington Castilhos», no Acontecimentos.)
- «No que eu faço aos outros não é o que eu gosto que é mais relevante. (...) O correcto é não lhes fazer aquilo que eles não gostam. Martelar o prego não é um problema ético porque o prego não se importa. (...) Martelar formigas é perda de tempo mas não é um problema ético. Elas não se importam. Admito que é difícil traçar esta divisória com exactidão. Não compreendemos bem os mecanismos da experiência subjectiva. Mas nos vertebrados o córtex cerebral parece um bom indicador. Tanto quanto sabemos, é essencial à subjectividade. Assim, divido os vertebrados em peixes, anfíbios e répteis como «máquinas biológicas», e aves e mamíferos como seres que sentem. O sistema nervoso dos invertebrados parece demasiado simples para esta capacidade, com excepção do polvo. O polvo tem um comportamento inteligente e um cérebro grande mas demasiado diferente do nosso para podermos extrapolar com confiança, por isso dou-lhe apenas o benefício da dúvida.» («Ética, parte 1: Subjectividade», no Que Treta!)
Em defesa dos chulos
Há 2 horas
3 comentários :
"A prova disso é que, embora muitos dos princípios e regras que os homens se impõem não sejam espelhados pela religião, eles são, no entanto, respeitados."
a religião é uma forma de estabelecer formas hierarquicas de poder, mas há outras, que se fundamentam no mesmo princípio ilegítimo que esta para negar a autodeterminação aos indivíduos. o que importa menos é se os princípios e regras são ou não respeitados, mas porquê.
provavelmente, os primeiros homens que se começaram a relacionar com o sobrenatural e o tomaram nas suas mãos, fazendo-se interpretes e mediadores com o mundo espiritual, foram os primeiros a instituir a divisão social que degenerou no fim da igualdade e estratificou os grupos humanos numa hierarquia de poder. sendo verdade, muitas outras formas de dominação foram criadas desde então.
para mim as discussões sobre o que sentem ou deixam de sentir as formigas e os polvos são secundárias na teoria da libertação animal. a indústria alimentar com as suas horrorosas fábricas de animais, o negócio do entretenimento, a pesquisa científica em animais é que são os grandes problemas, quer em termos quantitativos como de intensidade. é um problema imediato com resolução fácil: o consumo ético
agora, estar a discutir pormenores técnicos quando o grosso do problema está mesmo à frente do nariz e não se faz nada para o resolver não é mais do que iludir a questão.
Panúrgio,
na minha opinião a religião começa por tentar dar sentido à morte, organiza-se como mundividência, e apenas depois vêm os sacerdotes que, aí sim, já pressupõem sociedades que possam sustentar estratificação social. (E que necessitem de legitimar o poder...)
Agradeço à cãorafeiro ter-me referido estra entrevista. ;)
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