sexta-feira, 15 de junho de 2007

Revista de blogues (15/6/2007)

  1. «Numa recente NYRB, alguém dizia que o deus de Lincoln não era o deus da cristandade. Aquele deus asséptico, e sem barba, de Lincoln é apenas uma referência ética. Lincoln não acreditava num deus em concreto. A sua “providência” é uma ideia impessoal que não se associa a nenhum texto ou ritual sagrado. Aquele deus é uma “medida justa” para onde devemos incluir as nossas acções. A ideia de Cristo como redentor dos homens nunca aparece, por exemplo. Lincoln, num mundo monoteísta, faz sempre lembrar Cícero do saudoso mundo pagão. Numa polémica em 1846 (quando concorria ao Congresso), sendo acusado de ateísmo, Lincoln respondeu que «não pertencia a nenhuma igreja cristã» mas que «nunca negou a verdade das escrituras». Notável. Como faz falta esta alergia a clubes, seitas, agremiações, partidos. Um homem só devia ter um clube: a sua mulher, num hábito de pelicano. No resto, devia andar sozinho, sem clube, partido, e demais entidades colectivas a quem tem de prestar lealdade canina. A lealdade não fica bem quando somos mais de dois. A partir do 3, já não é lealdade. É uma equipa de futebol a brincar aos deuses e ao poder. (...) Há por aí demasiadas matilhas e alcateias.» («Pelicano», no Blogue Atlântico.)
  2. «Ricardo Alves e Rui Albuquerque discutem se a propriedade privada é natural (...) quer consideremos a propriedade como "natural" ou não, basta ver um documentário sobre a natureza (p.ex., uma disputa territorial entre dois jaguares) para concluirmos que "retirar propriedade aos seus possuidores sem o seu consentimento" é do mais natural e instintivo que há (logo, não será contrário ao "direito natural" nem violentará a "natureza humana"). Ainda a respeito da propriedade ser natural, como defende Rui Albuquerque, a mim há uma coisa que me parece clara - a "propriedade absentista" (i.e., a propriedade que não é para uso pessoal e directo do proprietário) não é natural. Mesmo que demos razão a Rui Albuquerque quando este refere a organização territorial de outros animais, parece-me que o equivalente à "grande propriedade privada" é inexistente - ou seja, temos a "pequena propriedade privada" (os territórios/recursos que cada individuo utiliza exclusivamente para si) e a "grande propriedade colectiva" (os territórios/recursos do "bando"), mas não "grande propriedade privada" (territórios/recursos controlados por um individuo, mas utilizados por vários) - p.ex., há uma espécie de "propriedade" nos ninhos de cegonhas (cada casal tem o seu, que se mantém durante anos), mas, que se saiba, não há "cegonhas-senhorias" e "cegonhas-inquilinas" (eventualmente a pagar um aluguer em ratos pelo uso do ninho...). Poder-se-á argumentar se, nos animais sociais, o "chefe da matilha" não será o equivalente a um "grande proprietário", que "possui" o território do bando, mas acho que não - ao contrário, digamos, de um empresário, que manda na empresa porque é o dono dela, um "chefe de matilha" (ou alpha male, ou como lhe queiramos chamar...) é o "dono" do território do bando porque manda nele; ou seja, será algo mais parecido com o feudalismo ou o "modo de produção asiático" (ou, já agora, com os antigos regimes comunistas), em que o controlo sobre os recursos económicos deriva do poder político/social, do que com um sistema de propriedade individual.» («Propriedade e "natureza humana"», no Vento Sueste.)

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