Não sei se se deve proibir o véu integral, mas espanta-me e choca-me que não cause horror e repulsa a todas as feministas europeias.
É provável que a França venha a proibir a burca afegã e o nicabe saudita nos transportes públicos e até nas ruas, invocando razões de segurança e de «identificabilidade», mas não em nome da laicidade, que se aplica à escola estatal (onde se aprende a cidadania) e não aos espaços públicos de circulação e manifestação livre. E se compreendo a proibição, temo que se esteja a ceder a uma provocação calculada.
Porque as burcas não são meros pedaços de pano. São um símbolo e um instrumento de opressão das mulheres. São a bandeira de uma interpretação fundamentalista e ultra-sexista do Islão, que cresceu em países muçulmanos e que pretende afirmar-se (provocando) na Europa. Não são comparáveis à liberdade de usar mini-saia ou de se vestir à moda gótica, pela simples razão de que não existe país nenhum do mundo em que as mulheres sejam atiradas para a prisão ou espancadas na rua por não usarem mini-saia. Quando em França e em Espanha há mulheres agredidas por não usarem véu, quando vemos, em cidades europeias, mulheres caminharem dois passos atrás do marido e de olhos postos no chão, ou quando os casamentos forçados se tornam comuns entre os muçulmanos europeus, há que ter muito cuidado com a defesa da liberdade de ser integrista (que todavia existe).
Evidentemente, existem muçulmanos que repudiam os véus integrais. E devem ser apoiados. Ao contrário da proibição dos minaretes, que atinge todos os muçulmanos sem excepção, «laicizados» ou integristas, proibir véus só atingirá aqueles que rejeitam o laicismo europeu e cospem na liberdade das mulheres.
A solidariedade dos homens e mulheres europeus que prezam a igualdade de direitos entre os sexos deveria estar com as mulheres que no Irão, na Arábia Saudita ou no Afeganistão, são agredidas se não usam o véu. Porque a liberdade sem a igualdade é apenas o direito do mais forte de oprimir o mais fraco.
Espanta-me portanto o que tenho lido nessa barricada do feminismo pós-moderno em que a Jugular se tornou. Os véus não são uma expressão de liberdade, são o seu contrário. E as verdadeiras feministas contemporâneas deviam queimar burcas. Acho eu, que sou homem.
15 comentários :
Proibir a burca invocando razões de segurança faz sentido. Na verdade, ninguém pode andar no espaço público com um barrete na cara, e isso não tem nada a ver com religião.
Proibir o nicabe invocando as mesmas razões não faz sentido nenhum. Pela mesma lógica teriam de se proibir gorros, chapeus e capuzes(!!).
Quanto ao facto de serem instrumentos de opressão das mulheres, o caso é muito complicado...
Porque ou bem que é uma opressão explícita (ameças de violência, etc...) e aí em teoria o estado já teria os instrumentos para intervir; ou é uma opressão implícita, e aí a luta contra essa opressão deveria ser, parece-me, uma luta cultural.
Ou seja, a posição que me pareceria mais natural para uma feminista liberal* seria ser contra a proibição, mas também contra o nicabe. Lutaria contra o nicabe através da palavra, da arte, das formas de persuasão ao seu alcance, mas não através da lei, da força.
Imagina alguém que é contra as touradas - no sentido que acha o espectáculo degradante, e lamenta que exista quem o veja - mas também contra que elas sejam proibidas.
No entanto, tal como em relação ao véu, tenho dúvidas. Pode ser que venha a acreditar que estava errado. Apesar de tudo a realidade francesa é-me algo disntante, e isso condiciona tudo.
*digo liberal no sentido amplo do termo, e não no sentido comum de "liberal de direita".
Neste sentido, faz sentido que feministas queimem Nicabes e Burcas (a tal "guerra cultural") e ainda assim rejeitem que a lei proiba os Nicabes.
(Quanto à proibição da Burca existem fundamentos válidos que nada têm a ver com opressão, religião, etc... Nem é preciso nenhuma lei nova para isso, as leis actuais tornam essa indumentária ilegal).
Ricardo, o que faz impressão é que se continue a querer libertar as pessoas contra elas próprias. Já era tempo da esquerda e dos movimentos de libertação em geral se convencerem que a liberdade não se faz de proibições e, sobretudo, de tentar impôr novas regras em substituição das que se quer abolir. Não gosto que me obriguem a usar soutien, nem que mo proibam. Quando é que as mulheres islâmicas vão poder usar o que bem entenderem? Não há nenhum bom argumento para uma lei que impõe código de vestuário a adultos.
Já para não falar, do ponto de vista das sociedades ocidentais, do péssimo precedente que assim se abre quanto à intrusão do Estado e da legislação nas escolhas pessoais. Um passo atrás - ou um passo que nos aproxima das sociedades fundamentalistas.
As razões de segurança e de «identificação» para proibir as burcas e nicabes seriam a mesma que para proibir o passa-montanhas. E aliás, se a lei proibir burcas sem proibir passa-montanhas será discriminatória.
Mas as feministas, liberais ou não, parecem estar mais preocupadas com a proibição em si do que com o que o islamismo significa para as mulheres.
Inês Meneses (o comentário anterior foi para o JV),
quando se tornou a violência doméstica crime público, isso foi libertar as pessoas «contra elas próprias». Quando se diz que há violações dentro do casamento, mesmo que as mulheres não o queiram admitir, está a querer libertar as pessoas «contra elas próprias».
Mas passou ao lado do ponto principal do meu texto. Eu até não sou um grande entusiasta desta proibição. Mas o ponto é que não suporto que se continue a fingir que não há um problema com o estatuto que os muçulmanos atribuem às mulheres na Europa e fora dela. Há mulheres na Europa a serem agredidas por não usar véu. Há casamentos forçados. Há discriminação comunitária. Há o perigo da chária. E as feministas só sabem falar contra a proibição, sem dizerem nada contra o véu?
~Já cá faltava a violência doméstica. É só fazer copy/paste, tão previsíveis são certos argumentários
"Não vale a pena trazer a este tipo de conversas a história da violência doméstica porque logo à partida há algo que distingue este tipo de comportamentos INDIVIDUAIS do resto: aqui só há uma pessoa metida ao barulho (além disso, e por outro lado, mm com interferência judicial não haverá nunca qqr hipótese de proibir uma mulher ou um homem batidos de voltarem a viver com o parceiro, se assim o entenderem). "
Não sei se entendi. A burca é «individual»? Se é isso, está enganada. É uma imposição dos maridos, ou dos muftis.
E não me venham com a treta das mulheres que usam a burca livremente. Essas estão a dizer que quem não as usa é pouco melhor do que uma prostituta. E são as mesmas que acham que as mulheres que têm relações sexuais antes/fora do matrimónio são mesmo prostitutas.
O nicab deveria ser proibido tanto como a burca. A burca cobre tudo mas o nicab também só nostra os olhos.
O al-amira, o chador e o jilbab mostram a cara. O xaile é o que todos sabemos. Contra esses nada contra.
Primeiro quero esclarecer uma confusão que fiz: quando se falou no nicab fiz confusão com o chador. O nicab está na mesma categoria que a burca.
Posto isto, parece-me que não se justifica uma lei a proibir burcas e nicabs por razões de segurança, porque, tanto quanto sei, já existe uma lei que impede as pessoas de usarem indumentária que impeça a sua identificação, e portanto essas indumentárias já são ilegais.
Aqui não há descriminação alguma, é apenas uma questão de fazer aplicar a lei que já existe.
Se essa lei não existe em França (duvido), e, por motivos de segurança, querem que exista, então não a limitem à burca e ao nicab. Façam como cá em Portugal. Onde são proibidas as máscaras de ski para quem anda no meio da rua (mesmo que poucos façam aplicar essa lei), tal como burcas-
----
Agora, à excepção destas considerações em relação à segurança colectiva (legítimas?), parece-me que o argumento da Inês Meneses faz sentido.
Se a burca é um símbolo de opressão deve ser combatida, mas não pela força, não pela lei. Deverá ser uma batalha cultural, não judicial.
Por isso parece-me razoável que feministas liberais estejam contra a medida. Pode ser ignorância, pode ser por não conhecermos a realidade em França, pode ser por nos faltar dados para avaliar convenientemente o problema, mas certamente que me parece razoável estar contra.
Mas se a tua crítica é em relação à passividade no que diz respeito à "guerra cultural", aí é mais difícil discordar.
Porque a luta contra o sexismo não deve acabar quando a igualdade entre sexos estiver consagrada na lei. Existe também uma batalha cultural, contra certas mentalidades e valores, que mesmo legalmente legítimos são vistos como perniciosos.
Nesta medida, diria que quem é contra o sexismo e é solidário com todos os cidadãos, deve ser contra os valores de uma comunidade que tende a oprimir as mulheres, mesmo que de forma legal.
Dizendo de outra forma, imaginemos que o direito ao voto das mulheres tinha sido ganho recentemente. Como se sabe, várias mulheres estiveram do lado oposto ao das feministas na batalha pelo voto (efeito de hegemonia). Vamos imaginar que estas mulheres tentavam mostrar aos seus maridos como eram donas de casa brendadas abstendo-se sistematicamente em todas as eleições.
Obviamente estariam no seu direito, e uma lei a obrigá-las ao contrário não faria sentido.
Mas não estariam as feministas contra a sua atitude? Não estaria qualquer anti-sexistas contra a sua atitude? Não tentariam usar a palavra, a persuasão, para lutar contra este comportamento?
O movimento feminista é contra* a burca? Contra* o nicab? São batalhas importantes?
Na verdade, não sei responder a estas perguntas. Mas se a resposta for negativa, então parece-me que há motivos para uma crítica legítima - criticando a falta de solidariedade ou a incoerência.
*Repito: Não falo de ser pela proibição do comportamento (usar essas indumentárias, neste caso), mas sim de ser contra o comportamento.
Como no exemplo que dei dos votos.
João Vasco,
eu escrevi este artigo justamente por me revoltar a passividade das feministas perante as burcas. Parece que não querem ver o que significam. Ou querem «angelizar» o islamismo - o que é ainda pior.
Shyznogud,
Também pode pegar nas leis laborais, se quiser. No fundo, o vosso (seu e da Inês Meneses) argumento é de que não se pode ir contra o que entendem ser uma liberdade, o que vos torna estranhamente próximas dos 'insurgentes'.
Não se quer revoltar contra o salário mínimo? Afinal, quando é que se perceberá que a humanização das condições laborais não passará por proibições? Pois, é um argumento um bocado idiota, não é?
Qual foi a parte do isto não implica nenhuma relação contratual entre duas ou mais pessoas q não percebeu?
Ah! Acho maravilhoso q se considere a liberdade individual como um conceito de direita, sérgio. E depois há qm se admire do mau nome q a esquerda tem, tsc tsc...
Shyznogud:
Gostaria de saber a sua opinião a respeito das perguntas que fiz no meu último comentário.
Shyznogud,
Parece-me claramente mais relevante a questão da possibilidade de opressão que pode ser exercida por alguém, independentemente de isso estar contratualizado ou não.
Eu não disse que a liberdade individual era um conceito de direita. Mas a vontade de impedir a intervenção do Estado seja em que domínio for em nome de um qualquer conceito de liberdade individual, essa sim, já o é (bem como a liberdade económica em sentido absoluto, como os neoliberais a entendem). Pois é, para quem treslê tão facilmente, bem poderia moderar a dose de arrogância.
Meus amigos, as pessoas adultas escolhem livremente a forma de se vestirem, tal como a crença religiosa. Esse é terreno vedado à lei jacobina (vontade arbitrária da maioria) contrária ao direito natural. As leis romanas não impediram o cristianismo das catacumbas e arenas de se espalhar. Foi o cristianismo que 3 séculos depois venceu o decadente Império romano...
Make minaretes, not war
Muslims do it better
Women with veils go wild
Euroliberal
Enviar um comentário