sábado, 30 de janeiro de 2010

Queimar a burca ou enfiar a burca, eis a questão

A Fernanda Câncio não gostou do que escrevi sobre a postura de algumas jugulares sobre a proibição dos véus integrais. Eu sei que a questão é complexa. Justamente por isso não se compadece com irritações e graçolas fáceis. Vamos lá.


Feministas como a Maria João Pires não hesitam em falar em «livre vontade de uma mulher adulta» para se oporem à proibição de burcas e nicabes. A Fernanda, no seu artigo do DN, menciona também a «autodeterminação de adultas» para concluir que «o rosto, o corpo, a vida é de cada um. E dizer que as mulheres que usam véu precisam desta interdição para se libertarem é dizer que não lhes reconhecemos a capacidade de serem livres». É de justiça reconhecer que a Fernanda repudia no primeiro parágrafo o véu e a desigualdade que significa. Mas o problema está na conclusão.


Serão realmente livres as mulheres que usam o véu? Serão realmente mulheres que tomam a pílula, vão  para casa e põem os maridos a lavar a louça, que os metem em tribunal quando eles as violentam? Mulheres que têm relações sexuais antes ou até «ao lado» do matrimónio? E, se assim é, porque será que sentem necessidade de usar a burca?


Há a tradição e a «cultura», claro. E é aí que não estou, nitidamente, a fazer-me entender.
Os véus, integrais ou não, são impostos, pela força e com justificação religiosa, nos países do Golfo Pérsico, no Irão e noutros. Na Arábia Saudita e no Irão, há polícia própria para assegurar que a pele das mulheres não fica à mostra. A nudez da mulher é vergonhosa e deve ser tapada, não vá despertar a luxúria dos homens. O regime mais retrógrado que este planeta conheceu nos últimos vinte anos, o dos talibã, obrigou as mulheres a emburcarem-se e a só saírem à rua acompanhadas de um homem que fosse familiar próximo. É a essas mulheres que devemos a nossa solidariedade.


E portanto não podemos falar de burcas como se fossem escolhidas por mulheres que as usam às segundas, quartas e sextas, e que usam mini-saia às terças, quintas e sábados. O véu integral é a bandeira e a arma de uma ideologia autoritária, totalitária e sexista.

Haverá mulheres que as usam livremente? Sim, umas porque não conhecem alternativa e outras porque são soldados conscientes do islamismo integrista. Às primeiras, devemos explicar que na Europa as mulheres são livres e iguais em direitos aos homens. Às segundas, devemos combatê-las (é de uma guerra cultural que se trata). E haverá também mulheres que não usam os véus livremente. E essas agradecerão que as proíbam de os usar. É pela igualdade que desejam e merecem que este combate se trava.

19 comentários :

Inês Meneses disse...

Vejo que o Ricardo já tem o plano todo do que deve e não deve fazer uma mulher livre. Tudo menos o que ela realmente queira fazer. Porque não obrigar já as mulheres todas a tomar a pílula, a ter sexo fora do casamento, etc?

É realmente triste que pessoas bem-intencionadas não percebam que a liberdade dos outros não pode ser ditada por eles, sob risco de não o ser.

Nem vou comentar a opinião sobre o islamismo, porque é lamentável o primarismo. Vale só como destapar da careca: o que se trata aqui não é nem nunca foi a liberdade feminina - como é evidente do que diz - mas a sua noção de cruzada civilizacional, que passa pela acção forçada sobre mulheres imigrantes. Ao menos chame-se os bois pelos nomes. E o nome não é, de certeza, liberdade.

João Vasco disse...

Vou repetir parte do comentário que fiz no texto anterior, visto que a discussão possivelmente se vai deslocar para este:

«Se a burca é um símbolo de opressão deve ser combatida, mas não pela força, não pela lei. Deverá ser uma batalha cultural, não judicial.

Por isso parece-me razoável que feministas liberais estejam contra a medida. Pode ser ignorância, pode ser por não conhecermos a realidade em França, pode ser por nos faltar dados para avaliar convenientemente o problema, mas certamente que me parece razoável estar contra.

Mas se a tua crítica é em relação à passividade no que diz respeito à "guerra cultural", aí é mais difícil discordar.
Porque a luta contra o sexismo não deve acabar quando a igualdade entre sexos estiver consagrada na lei. Existe também uma batalha cultural, contra certas mentalidades e valores, que mesmo legalmente legítimos são vistos como perniciosos.

Nesta medida, diria que quem é contra o sexismo e é solidário com todos os cidadãos, deve ser contra os valores de uma comunidade que tende a oprimir as mulheres, mesmo que de forma legal.

Dizendo de outra forma, imaginemos que o direito ao voto das mulheres tinha sido ganho recentemente. Como se sabe, várias mulheres estiveram do lado oposto ao das feministas na batalha pelo voto (efeito de hegemonia). Vamos imaginar que estas mulheres tentavam mostrar aos seus maridos como eram donas de casa brendadas abstendo-se sistematicamente em todas as eleições.
Obviamente estariam no seu direito, e uma lei a obrigá-las ao contrário não faria sentido.
Mas não estariam as feministas contra a sua atitude? Não estaria qualquer anti-sexistas contra a sua atitude? Não tentariam usar a palavra, a persuasão, para lutar contra este comportamento?

O movimento feminista é contra* a burca? Contra* o nicab? São batalhas importantes?

Na verdade, não sei responder a estas perguntas. Mas se a resposta for negativa, então parece-me que há motivos para uma crítica legítima - criticando a falta de solidariedade ou a incoerência.


*Repito: Não falo de ser pela proibição do comportamento (usar essas indumentárias, neste caso), mas sim de ser contra o comportamento.
Como no exemplo que dei dos votos.»

João Vasco disse...

Inês Meneses:

Vamos supor que numa comunidade as mulheres em geral usavam Burca, e nessa comunidade uma mulher decidiu não usar. Vamos imaginar, por hipótese, que essa mulher foi assassinada.
Vamos ainda imaginar que isso aconteceu mais de uma vez.

Neste cenário, seria obviamente razoável continuar a ser contra qualquer proibição. Acreditar que o estado teria simplesmente obrigação de apnhar os assassinos, e as pessoas obrigação de vencer o medo.

Mas não me pareceria que fosse de um paternalismo indesculpável alegar que as mulheres não são livres - neste cenário - de não usar burca. Não me parece absurdo acreditar na hipótese que usar a lei para impedir as mulheres de usar burca pudesse transmitir uma mensagem mais ampla à comunidade, que na prática acabasse por trazer mais liberdade. Note-se que não estou a defender que neste cenário essa é a previsão mais correcta. Estou a dizer que não tem nada de absurda.

Mas será mesmo este o cenário que se vive? Bom, o que pensam as associações feministas de mulheres islâmicas por lá, mais próximas daquela realidade? Pelo que li, o fundamento pelo seu apoio à lei do véu era este.

Assim, mesmo discordando do Ricardo, parece-me que não se justifica a acusação de "instintos repressores" que po último comentário implica. Em Portugal uma lei desse tipo* aparentaria islamofobia pura, mas em França a situação não é igual.


*apenas direccionada à Burca, isto é. Note-se que acredito que em Portugal a Burca já é ilegal, porque existe uma lei mais ampla que impede as pessoas de andarem inidenficáveis na via pública (uma máscara de ski seria igual).
Seria interessante discutir até que ponto isso é legítimo.

Manolo Heredia disse...

As feministas, isto é, um grupo de mulheres que não tiveram sucesso junto dos homens, têm uma visão muito distorcida da realidade. Por exemplo nunca repararam que a burka-de-ocultação-total é o símbolo do poder da mulher islâmica, e não o contrário. Eu explico:
Só as mulheres muito bonitas usam esta vestimenta. Não cabe na cabeça de nenhum marido muçulmano que seja casado com um camafeu, pedir-lhe que use burka-de-ocultação-total.
As mulheres que a usam são as mais apetecidas. Quando passam na rua, todos os homens olham, curiosos sobre as belezas que adivinham irem lá dentro. As mulheres, essas, olham invejosas e dizem “o meu marido nunca me pediu para usar aquilo”. No fundo, esta forma de vestir é a equivalente ocidental das maquilhagens caprichadas com mini-saia e soutien underbras. Com a vantagem para a burka, pois a sonho é muito mais poderoso que a realidade.
Os maridos destas mulheres estão sempre desertos para regressar a casa e poder desfrutar do fruto tão lindo e proibido, desejado por outros, mas que é só deles. Adulam as mulheres em cada hora, e agradecem a Alá a companheira que lhes deu.
Elas, ufanas de poder, atiram-lhes à cara: ou fazes o que quero, ou não dispo mais esta burka, nem de dia nem de noite!
Que homem poderá ser insensível a tão poderosa mensagem?

Luis Grave Rodrigues disse...

Como mero exercício não quererão os contendores deste debate substituir por momentos a palavra "burca" pela palavra "excisão", assim com consentimento da mulher e tudo, só para ver como fica a coisa?...

Shyznogud disse...

A excisão é uma prática realizada em menores, certo, Luís? Há uma diferença considerável.

Anónimo disse...

Quer dizer, para si, Ricardo uma mulher livre é uma galdéria que manda o corno manso do marido para a cozinha enquanto o encorna "ao lado" ?

E quer impor esse modelo às muçulmanas que não gostam dessas modernices ? Pela guerra de civilizações inclusivé ? Mas de que esquerda é você ? Da neocon ? Da nazi-sionista ? Esquisito...

Ricardo Alves disse...

A burca é imposta a menores, certo, Shyznogud?

Ricardo Alves disse...

«uma mulher livre é uma galdéria que manda o corno manso do marido para a cozinha enquanto o encorna "ao lado" ?»

Não necessariamente. Mas uma mulher livre não é de certeza uma mulher que aceita que o marido lhe imponha a burca.

Anónimo disse...

Vinha aqui introduzir no debate justamente a consideração que o Luís grave Rodrigues fez.

Eu não vejo a proibição generalizada do véu com bons olhos.

Mas tenho de reconhecer que há culturas em que determinada prática está tão enraizada que quase ninguém a questiona. Isso torna o argumento da "escolha livre" aparentemente mais aceitável, mas a realidade é que se tivesse sido dada uma verdadeira possibilidade de escolha a muitas mulheres, a escolha seria outra bem diferente.

Comparar uma anuência passiva que nada mais é que uma submissão efectiva à displicência com que outros, nascidos longe dessa opressão, escolhem a roupa antes de sair de casa parece-me demasiado ingénuo.

Daniel Oliveira disse...

"A burca é imposta a menores, certo, Shyznogud?"

Errado. A burka (usada por 300 mulheres em 3 milhões de muçulmanas em França) e o niqab (usada por 1600 mulheres em 2 milhões de muçulmanas em França) não é usada por crianças. Nem sequer nos países muçulmanos radicais. Coisa que saberia se estivesse estado em algum desses países. A não ser que sejam casadas, coisa imposível em França. O véu integral nunca é usado antes de puberdade, pelo menos nos países que eu conheço.

Daniel Oliveira disse...

em 3 milhões e não em 2 milhões

MFerrer disse...

Esta fantástica discussão a que finalmente me junto por não resistir mais, é um excelente exemplo de como uma dita esquerda pretensamente populista e radical coloca os seus argumentos.
Dou um exemplo para facilitar:
Talvez não se lembrem que ao tempo havia quem desejasse mandar fazer referendos para saber se os povos coloniais gostariam de ser independentes, se os escravos não estavam satisfeitos ou se as mulheres podiam votar.
Ouvi várias dessas discussões e não foi há muito tempo. Havia até quem perguntasse se antes de alfabetizar as pessoas não seria melhor fazer um referendo...a saber se queriam saber ler e escrever!
Peço muita desculpa a estes autores tão qualificados e amplamente reconhecidos como leader opinion makers, mas tenho que discordar total, frontal e completamente de todos os que acham essas medidadas de controlo ideológico-religioso como aceitáveis à luz do que quer que seja.
Trata-se, isso sim, de reduzir a mulher ao papel de agente do pecado. Logo, deve ser tapada.
Igualmente deve a mulher ser analfabeta, de preferência, e se for à escola é por interesse e com autorização do marido.
Reparem: Autorização para ir à escola!
Aqui mesmo em Portugal , é engraçado!, não vos vejo a alimentar ou a promover a discussão sobre a segregação das meninas ciganas, transformadas em papel moeda, e impedidas de irem á escola tão logo se tornem menstruadas...
Porque será que não iniciam um debate sobre a situação da mulher dentro da chamada "cultura cigana"?
A questão é a mesma. A diferença está no peso da grilheta, na bainha do vestido ou na cor do pano.
Leio aí acima que os maridos querem as mulheres só para eles...
Ele há cada um!
E já agora isso pode ser imposto pela sociedade e pelo púlpito?
Talvez com a imensa liberdade da ameaça da lapidação?
No mínimo, pela expulsão de casa, da cidade e do impedimento de acesso a herança qq que seja?
Aliás porque será que é nesses "paraísos da liberdade feminina" que por acaso as mulheres não herdam?
Dependem do homem para tudo?
Estão impedidas de terem uma profissão?
Sobre os filhos, apenas têm deveres, nenhum direito!
O que é que estes bem-pensantes acham de, haver já, escolas públicas em Portugal onde, por imposição religiosas dos pais, há turmas apenas de meninas e ensinadas apenas por professoras também mulheres?
Se calhar sou eu que vejo fantasmas, e que considero todas as manifestações de marginalização e de (ab)uso da mulher, o que é : Um atraso, e apenas a face mais (in)visível duma terrível exploração económica, familiar e social.
O resto, desculpem, é treta para enganar os incáutos.
As mulheres, seres humanos com sonhos e com direitos, nascem livres e com todos os direitos seja qual for a religião ou o desenvolvimento das forças produtivas e das correspondentes representações religiosas em vigor.

hugo disse...

em muitos casos é uma agressão à mulher porque é imposta sob um jogo de força. Ora sabendo de conta que muitas agressões domésticas (as fisicas)são condescendidas e mesmo aceites pela própria mulher isso torna-as aceitáveis?

Ricardo Alves disse...

Daniel Oliveira,
há crianças que usam véu (não integral). Não sei se é melhor.

Ricardo Alves disse...

MFerrer,
tem toda a razão quanto às crianças ciganas. E no resto também.

Ricardo Alves disse...

Daniel Oliveira,
no Reino Unido e em França tem havido problemas, em escolas, com raparigas que usam véu integral. Pode não ser generalizado nos países que visita (ser minoritário), mas seja como for já chegou à Europa.

Anónimo disse...

O Ricardo Alves é dos meus. O que é preciso é libertar todas as mulheres, pô-las a atacar, ao lado, como diz ele, sem preconceitos e abertamente. Mulheres de niquab não prestam para o negócio. Proibam-no. É perigoso para a liberdade, para o ocidente. Tenho dito.

luiz/tati disse...

a burka é ótima para esconder ...