Um exemplo elucidativo disto corresponde aos EUA. Se é verdade que as desigualdades eram muito significativas no século XIX e nas primeiras décadas do século XX, a verdade é que diminuiram significativamente nas décadas seguintes, e foram diminuíndo até por volta dos anos 70.
Mas na verdade a história dos EUA mostra precisamente o oposto. O nível de desigualdades manteve-se relativamente constante até à grande depressão, contrariando a evolução gradual que seria de esperar se esta perspectiva estivesse correcta.
O New Deal de Roosevelt, uma significativa intervenção do estado na economia, originou uma abrupta diminuição das desigualdades. Ao invés de originar o desastre que os liberais de direita que se lhe opunham vaticinavam, foi compatível com várias décadas de forte crescimento económico, de um aumento de prosperidade e diminuição de desigualdades sustentados sem precedentes nos EUA.
É relevante saber que a relação entre os rendimentos brutos do capital e do trabalho se manteve constante ao longo dessas décadas, o que já de si contraria o raiocínio exposto no início do texto. Foram os impostos que alteraram a relação entre os rendimentos líquidos, e assim permitiram uma maior equidade.
Na verdade, Roosevelt chegou a cobrar 79% de impostos sobre o rendimento para os escalões mais elevados, e isso não impediu a prosperidade; da mesma forma que a taxa máxima anterior (24%) não impediu a grande depressão. Nos anos 50 a taxa máxima chegou aos 91%, e isso não colocou em causa a prosperidade. O imposto sobre os lucros empresariais mais do que triplicou (14%-45%) e o imposto sucessório foi subindo de 20% para 77%.
E voltando a diminuir a acção do estado? E voltando a diminuir a tributação?
As desigualdades foram aumentando sucessivamente como resposta. Hoje as desigualdades que existem nos EUA são semelhantes às que existiam antes da grande depressão, da mesma forma que são semelhantes os impostos cobrados.
Não decorre daqui que a intervenção do estado, qualquer que seja a sua magnitude, não possa ter efeitos nefastos sobre a criação de riqueza total. Tal conclusão seria igualmente incompatível com alguns dados a que temos acesso, os que estão na ponta da língua dos liberais de direita.
Mas decorre que é possível compatibilizar uma intervenção significativa com uma prosperidade saudável e sustentada, e que pode ser essa a única forma de fazer face a desigualdades que o mercado realmente não resolve.
Este tema está explorado em grande detalhe no livro «A consciência de um Liberal» de Paul Krugman. Ao longo do livro Krugman tem várias oportunidades de mostrar como a «sabedoria convencional» dos liberais de direita contraria os dados empíricos a que temos acesso. Por essa razão devo voltar a esse tema em alguns dos próximos textos desta série.
3 comentários :
A prosperidade (entendida como aumento - horizontal - do bem estar), à escala do século, é mais uma consequência dos avanços tecnológicos do que das política macroeconómicas (na minha opinião).
A prosperidade sim.
A sua distribuição não.
Aliás, um indício disso que tu dizes sobre a prosperidade é o facto de estar correlacionada com a percentagem do PIB gasta em investigação de forma muito mais directa que qualquer outra decisão de política económica e fiscal.
Poder-se-ia dizer que a causa vai no sentido oposto, e que é a maior prosperidade que gera um maior investimento em investigação; no entanto no que diz respeito a siociedades prósperas vemos uma dispersão muito maior no que diz respeito a outros gastos (cultura, por exemplo).
Aqui o meu ponto era reforçar que uma política redistributiva não tem de sacrificar a prosperidade. Há casos em que até pode acontecer o oposto.
Sim, a distribuição não.
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