segunda-feira, 30 de abril de 2007

Para compreender a crise turca

O Miguel Duarte publicou no Blogue Liberal Social um excelente artigo que ajuda a compreender o que se joga na Turquia.
  • «Acredito que os momentos que a Turquia está a viver no momento são muito, muito importantes para a evolução da democracia Turca, desde que, o exército não se sinta obrigado a intervir (o que fez até agora foi apenas palavras vagas, que na minha opinião não deveria ter feito, mas que na visão de muitos turcos são mesmo necessárias).


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    O actual governo, apesar de democraticamente eleito teve apenas 34.27% dos votos mas tem quase dois terços dos deputados do parlamento, devido a um sistema eleitoral ridículo que tinha sido criado exactamente para evitar que partidos islâmicos chegassem ao parlamento (todos os partidos com menos de 10% dos votos são excluídos do parlamento).
    Ora esse mesmo partido, quer à força eleger um presidente não laico, quando tal não lhe vai ser possível, devido a não ter negociado com o único outro partido do parlamento que lhe poderia garantir isso, pois precisa de ter quorum nas votações e os seus deputados não chegam para tal (o processo já seguiu para o Tribunal Constitucional), o que conduzirá provavelmente à dissolução do parlamento e a eleições antecipadas (os deputados do outro grande partido recusam-se a estar presentes nas votações). Os relatos que têm chegado a público é que os islamitas têm oferecido dinheiro (sim, dinheiro) para que os deputados da oposição estejam presentes na votação, por forma a que possam eleger um presidente contra a vontade da sua população.
    (...) Mas tudo isto faz parte do jogo democrático e da evolução democrática de um país. País esse que ainda não está preparado para a União Europeia, mas que necessita da União Europeia para continuar a evoluir e estabilizar a sua democracia, tal como Portugal precisou.»

(Ler na íntegra.)

Revista de blogues (30/4/2007)

  1. «Um milhão de turcos nas ruas de Istambul a exigir a continuidade e reforço da laicidade do estado fundado por Mustafa Kemal Atatürk. A manifestação, convocada por cerca de 600 ONGs, surge na consequência da candidatura de um islamita conservador, Abdullah Gül, à presidência do país. Tivesse a UE metade do zelo com a Polónia do que tem com a Turquia, e ainda estaria pelos 26 membros...» («Nunca se viu nada assim em Varsóvia», no Renas e Veados.)
  2. «Enquanto alguns «liberais» portugueses estão entretidos em discretas apologias do salazarismo, outros gostam de ensaiar um discurso irresponsável em que fascismo e socialismo se tornam por magia idênticos. Fazem-no, entre outras formas, através de citações retiradas do contexto ou através da manipulação de palavras que têm sentidos diversos nas tradições políticas em confronto. Esperam que a coisa passe à boleia do desconhecimento histórico. (...) O fascismo foi um dos produtos da crise do capitalismo no período entre as duas guerras. Serviu a certas fracções da burguesia como arma de arremesso contra o movimento operário. Por isso quando os fascistas reivindicam «justiça social e combate ao capitalismo selvagem e à luta de classes». (...)» o que pretendem é invocar a ideia de que é preciso criar estruturas que esmaguem e/ou disciplinem as classes trabalhadoras e os seus movimentos autónomos. O essencial é a ideia do «fim» por decreto da luta de classes através da sua substituição por um qualquer interesse nacional definido autoritariamente.» («A ignorância "liberal"», no Ladrões de Bicicletas.)
  3. «Eu vinha mais para o fim da manifestação do 25 de Abril e não ouvi. Mas soube por vários blogues (...) que os sempre muito educados manifestantes da JCP vaiaram os representantes das várias organizações políticas quando estes subiram ao palco no Rossio. Entre eles, o do Partido Socialista. Tratava-se de Edmundo Pedro. Evidentemente um oportunista que nada tem a ver com o espírito de Abril. Aliás, não é a primeira vez que Edmundo Pedro se tenta infiltrar nos meios anti-fascistas sem ter sido convidado. Já no passado se enfiou no Tarrafal. Felizmente, desta vez, estavam ali os vigilantes "jotas", com o seu longo passado de resistência, para não deixar as massas serem enganadas.» («Assim se vê a força da ignorância», no Arrastão.)

Dúvida sobre propriedade privada

É evidente que pichar paredes ou deitar tinta para montras, para além de politicamente contraproducente, é vandalizar a propriedade privada alheia, e portanto deve ser crime (que em Singapura ou na Arábia Saudita é punido com bastonadas; penso que em Portugal não deveria sê-lo). Mas gostaria que me esclarecessem a seguinte dúvida: confiscar ou destruir máquinas fotográficas e telemóveis dos cidadãos não será também um crime contra a propriedade privada alheia? Será que um cidadão perde o direito à propriedade privada se pretender documentar abusos policiais? E qualquer polícia tem o direiro de confiscar propriedade alheia (que não constitua armamento), sem mandado? Haverá legislação aplicável?

Um testemunho

  • «Meus amigos, eu vi os eventos a acontecerem à minha frente e acreditem em mim: a polícia não agiu para proteger os cidadãos. A polícia varreu a rua do carmo à porrada indiscriminadamente e SEM PROVOCAÇÃO. A polícia apanhou turistas e gente que estava às compras pelo caminho e bateu em tudo o que via pela frente. Não vi um único cocktail molotov e o verylight que se viu foi disparado do lado da polícia. Os manifestantes e as pessoas que estavam por ali nem tentaram resistir. Foi um nojo ver gente pacífica, inocente e desarmada a ser agarrada pela polícia e violentamente espancada. Lembro-me de ter pensado "a bófia vai ter que inventar uma desculpa dos diabos para justificar a sua selvajaria", e assim foi: foi vê-los a partir câmaras de quem filmava, a tirar os panos das bandeiras para depois lhes chamar "paus e postes de ferro", a emitirem um comunicado de imprensa que falava em "cocktails molotov". Mas o que é facto é que nenhum dos inúmeros registos que vieram a público corroba a versão da polícia. Que merda de país injusto. E o que me fode mais é ver gente dita defensora da liberdade que coaduna com a acção da polícia porque alguns dos manifestantes seriam "anarquistas" (como se isso não fosse permitido). As pessoas que se safaram à carga, em cima da rua do carmo ficaram chocadas. A cereja no topo do bolo: quando veio um enfermeiro de uma carrinha do INEM acorrer uma jovem que sangrava perguntou-lhe "foi um manifestante?" "não, foi um polícia" ao que se afastaram deixando-a a protestar

Comunicado do Mouvement Europe et Laïcité

«L'élection en France au suffrage universel du Président de la République suscite un vif intérêt des opinions publiques européennes. Le très fort pourcentage de votants au 1er tour du scrutin, les résultats et les suites de ce vote largement républicain, étonnent les citoyens de France, d'Europe et du monde. Chacun comprend qu'une partie décisive se joue en France, pour la défense et la promotion de l'idéal démocratique, des valeurs laïques et du progrès social.
Il apparaît chaque jour plus évident que l'électorat a le choix entre deux conceptions de la vie civique :
• ou bien un autoritarisme fondé sur la contrainte, la discrimination ethnique, le communautarisme, la remise en cause de la Loi de 1905 dite de séparation des Eglises et de l'Etat, et la soumission à des influences dominatrices venues d'outre-Atlantique ;
• ou bien le soutien à des valeurs humanistes, progressistes largement ouvertes aux valeurs de la laïcité républicaine.
(...)»
(Declaração da Assembleia Geral do Mouvement Europe et Laïcité, recebida por correio electrónico.)

sábado, 28 de abril de 2007

Peter Tatchell: «Their Multiculturalism and Ours»

«Paralysed by the fear of being branded racist, imperialist or Islamophobic, large sections of liberal and left opinion have, in effect, gone soft on their commitment to universal human rights. They readily, and rightly, condemn the excesses of US and UK government policy, but rarely speak out against oppressors who are non-white or adherents of minority faiths. Why the double standard? The answer lies, in part, in a perverse interpretation of multiculturalism that has sundered the celebration of difference from universal human rights.
Race and religion now rule the roost in a tainted hierarchy of oppression. The rights of women and gay people are often deemed expendable for the sake of 'the greater good.' Misogyny and homophobia are increasingly tolerated in the name of 'maintaining harmonious community relations.' Indeed, the trend among many supposedly progressive people is to reject common standards of rights and responsibilities. They demand that we 'make allowances' and show 'cultural sensitivity' with regard to the prejudices of people within certain ethnic and faith communities. Isn't it patronising, even racist, to judge minority peoples by different standards?

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(...)
London is proof of the plus-side of multiculturalism - the whole world in one city, a joyous rainbow of identities and cultures. The 'united nations' character of the capital is one reason I love living in London. I step out of my front door and, in a typical day, I will probably see people from nearly a hundred different national backgrounds. It is a great joy to savour the many good things that other cultures offer us: unique people with unique histories, music, art, cuisine, design and ideas.
(...)
In short, multiculturalism can sometimes foster a 'Balkanisation' of the humanitarian agenda, fragmenting people according to competing identities, values and traditions. These differences are too often prioritised over shared experiences and interests. Our common needs, and the universality of human rights, are sidelined in preference to an emphasis on racial and religious particularities.
(...)
Reactionary forms of multiculturalism merely replace the hegemony of the dominant culture with a form of 'diversity' that facilitates the hegemony of the dominant forces within minority communities. They involve a qualified degree of pluralism that is limited to giving a voice to minority elites; often strengthening these elites at the expense of grassroots and dissident voices. This restricted form of multiculturalism produces a significant degree of diversity vis-à-vis the relationship between majority and minority communities, but a near absence of diversity within minority communities, where an enforced, tradition-bound monoculturalism frequently still prevails. When the multicultural ethos of live-and-let-live is divorced from the principle of universal human rights minorities within minorities are invariably the losers.
Tragically, it is often this elitist, authoritarian strand of multiculturalism that is politically promoted. We see this in the way Ken Livingstone, the Mayor of London, has rightly defended Muslim communities against prejudice and discrimination, but wrongly allied himself, more-or-less exclusively, with the reactionary orthodox Islamist elite, such as the Muslim Council of Britain (MCB) and the Muslim Association of Britain (MAB). Moreover, Ken seems to have gone out of his way to avoid supporting or engaging with liberal Muslims. They have had the doors of City Hall slammed in their face and, in some cases, have been subjected to vilification and intimidation by the Mayor's allies in the MCB and MAB. According to a poll of 1,000 British Muslims for Channel Four's Dispatches programme, What Muslims Want, broadcast on 7 August 2006, only 4% of Muslims say the MCB represents them, and only 1% regard the MAB as reflecting their views. Yet these are the organisations that the government, the Mayor of London, the Socialist Workers Party, Respect and the Stop the War Coalition consult and ally with – to the apparent deliberate exclusion of Muslim progressives. Whereas most Muslims in Britain do not support reactionary Islamism, much of the left acts as though they do.
(...)
Reactionary interpretations of multiculturalism ignore, tolerate or excuse prejudice and abuse in the name of pluralism and diversity. They foster social division, moral confusion and double-standards – often to the detriment of the most vulnerable: minorities within minority communities. Progressive multiculturalism is about respecting and celebrating difference, but within a framework of universal equality and human rights. It is premised on welcoming and embracing cultural diversity, providing it does not involve the oppression of other people. There can be no selective approach to freedom and justice. Human rights are universal and indivisible.»
(Peter Tatchell na Democratiya.)

sexta-feira, 27 de abril de 2007

O fim do mundo?

Holland's Post-Secular Future
Christianity is dead. Long live Christianity!
by Joshua Livestro
01/01/2007, Volume 012, Issue 16

Amsterdam
When the "corporate prayer" movement first started in 1996, few people in Holland took any notice. Why should they have done so? After all, Holland's manifest destiny was to become a fully secularized country, in which prayer was considered at best an irrational but harmless pastime. That was then. Cue forward to 2006, when prayer in the workplace is fast becoming a universally accepted phenomenon. More than 100 companies participate. Government ministries, universities, multinational companies like Philips, KLM, and ABN AMRO--all allow groups of employees to organize regular prayer meetings at their premises. Trade unions have even started lobbying the government for recognition of workers' right to prayer in the workplace.

O resto aqui.

Não nos devemos esquecer que o Weekly Standard é uma máquina de propaganda da extrema-direita mais repugnante do mundo e que o seu editor, William Kristol, é um psicopata e um mentiroso compulsivo.

O Weekly Standard passa a vida a avisar-nos de que se não metermos os muçulmanos todos no forno até ao fim da semana - mesmo que para isso seja preciso reconstruir Auschwitz - a Europa vai ser um continente muçulmano no ano 2012.

Mas mesmo assim...

Repressão fora da proporção

O documento que se encontra no blogue da Associação República e Laicidade elabora um retrato bastante objectivo do que se pode saber sobre a repressão policial à manifestação anarquista no final da tarde do dia 25 de Abril.
Embora os métodos dos anarquistas me pareçam contraproducentes e mesmo condenáveis (usar máscaras e lançar bolas de tinta a lojas, por exemplo), nada que se saiba até ao momento justifica a brutalidade da repressão que sofreram.
Ficam algumas perguntas que eu gostaria que fossem respondidas:

Escumalha futeboleira perde uma batalha

  • «O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) condenou ontem o Estado português a pagar 2.104,72 euros ao jornalista da SIC José Manuel Mestre, e 687,37 euros àquela estação de televisão, por considerar que o jornalista foi injustamente condenado por difamação ao presidente do FC Porto, Pinto da Costa. Numa entrevista realizada em 1996 ao então secretário-geral da UEFA, Gerhard Aigner, Mestre perguntou-lhe como era possível que o presidente da Liga de Clubes, que ao mesmo tempo era presidente de um clube, se sentasse no banco de suplentes, à frente do árbitro, de quem era, "por inerência", patrão. Pinto da Costa não gostou e processou-o, considerando que Mestre tinha posto em causa o seu bom nome. O Tribunal Judicial do Porto condenou o jornalista e a SIC ao pagamento de uma multa de 3990 euros, decisão confirmada pelo Tribunal da Relação, em 2002. Mas José Manuel Mestre não se conformou e recorreu para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que agora lhe veio dar razão.» (Público de hoje.)

Como é sabido por todos mas admitido publicamente por poucos, o futebol profissional é essencialmente um ramo do crime organizado, que existe principalmente para organizar lavagens de dinheiro, fugas aos impostos, corrupções várias em negócios imobiliários, lenocínio, milícias armadas e outras actividades criminosas (de colarinho azul ou branco). Existe uma capa de complacência para com a gente que dirige estas organizações, devida à grande popularidade de que o jogo do «pé-na-bola» goza na população. Não admira portanto que Pinto da Costa não esteja habituado a ser criticado. Será melhor que se habitue...

Revista de blogues (27/4/2007)

  1. «Éramos livres, ou queríamos ser livres, mas demorámos algum tempo a sê-lo. A liberdade exigiu aprendizagem. Em Outubro de 1974, no início do novo ano lectivo, as reformas estavam ali, visíveis naquela escola. Na sala, as paredes estavam despidas de Salazar e Caetano. Mantinha-se o crucifixo, que ninguém muda a mentalidade de professores com dezenas de anos de carreira de um dia para o outro. O 1° ano tinha pela primeira vez classes mistas, para gáudio dos mais velhos, como eu, que com as colegas de turma inventávamos casamentos entre meninos e meninas de 6 anos. Ainda me lembro do meu casal preferido, a Clarinha e o Nuno (pobres vítimas da Revolução!). Deixou de haver um muro a separar o edifício dos rapazes e o das raparigas e isso era estranhissímo. Nos anos anteriores era expressamente proibido passar o muro para o outro lado, o castigo era grande para quem o fizesse e, de repente, não havia muro, e éramos convidados a usar todo o espaço do recreio. Nunca consegui atravessar o muro que já não existia. Lembro-me perfeitamente de sentir que continuava a infringir qualquer lei.» («Somos Livres», no Divas e Contrabaixos.)
  2. «(...) confundir qualquer cerimónia com uma missa e qualquer ideia ou ideologia com uma religião a benefício de um argumento único -- o de encontrar uma justificação para a presença do cardeal patriarca nas comemorações oficiais do 25 de abril e, note-se que era esse o fulcro da minha crítica, com estatuto idêntico ao dos presidentes da república (a simples presença do cardeal patriarca não é obviamente um óbice à separação entre estado e confissões religiosas; o que o é sem dúvida é a sua equiparação a figura de estado e, no caso, à mais alta figura do estado) -- é o tipo de coisa que não carece de contradita (...) portanto para o joão miranda um estado democrático e livre celebrar a liberdade e a democracia (é que, sabe, joão? há lugares onde não há uma coisa nem outra, e garanto-lhe que é muito desagradável) é a mesma coisa que dar loas a alá. caramba, joão. terei de lhe explicar que a democracia e a liberdade por definição não excluem ninguém a não ser os inimigos da democracia e da liberdade (e mesmo assim estes só se agirem contra elas, não por delito de opinião)? e que não há comparação possível entre uma cerimónia que celebra todas as possibilidades de pensamento e de vida e uma liturgia que prega um único caminho e uma única visão, condenando todos os outros e outras à exclusão?» («deste mundo e dos outros», no Glória Fácil.)

Perguntas que gostaria de ver respondidas

Ana Gomes no Causa Nossa.

  • «Mão amiga encaminhou-me, embora com algum atraso, a edição do passado dia 14 do jornal «CORREIO DA MANHû, na qual, a páginas 6 e 7, sob o título “Polícia e juízes pediam favores”, são transcritas escutas de conversas telefónicas do âmbito do processo “Apito Dourado” (...) Na conversa sobressai a espessura cavalheiresca do Sr. Lourenço Pinto: “...vou-lhe chegar”, “...essa vai comer...” ou “...para a gaja desandar...”. Mas, não tendo, até hoje, sido notificada de qualquer processo, sou levada a crer que as tiradas com que sou mimoseada na referida conversa mais não relevam do que de pueril bravata, género “agarrem-me, se não eu mato-a...”. Hipótese tão verosímil, quanto inócua, que não me determinaria, por si só, a vir à liça. Sucede, todavia, que no final da transcrição é imputado aos interlocutores o seguinte diálogo: “LP - ...o Lello disse-me que...que...até me agradecia muito que fizéssemos a queixa porque queriam ver-se livres dela... PC – Pois! LP ...e portanto, a queixa dá mais ...mais força para... para a gaja desandar, não é?”. Ora, aqui o caso muda de figura, na presunção em que me encontro de que Lello só há um, e ainda de que ninguém lhe terá feito chegar estas “pérolas”, frustrando-lhe assim a oportunidade de se demarcar do conteúdo infamante (como estou certa o faria, na hipótese inversa). Na verdade, são por demais conhecidas as características de elevação pessoal e politica do meu camarada José Lello: frontalidade telúrica, apego sacrificial aos valores da lealdade e da camaradagem socialista, repúdio feroz pela concubinagem e promiscuidade entre a política governativo-partidária e interesses privados, empresariais, comerciais, futebolisticos ou outros... Por disso estar segura, levanto a minha voz contra a aleivosia que é vilmente imputada a José Lello, certa que estou de que o mesmo ele faria, acaso me fossem atribuidos dixotes que o vilipendiassem como comparsa em «jogadas» deste tipo e deste nível.»

Alguém sabe se o Lello respondeu?

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Revista de blogues (26/4/2007)

  1. «(...) E o meu recado é simples: a democracia é coisa que está sempre em obras, o que é uma chatice. Mas mais vale viver entre andaimes do que entre grades sejam de ferro ou tão só tecidas de medo. E é isso que não é fácil de ensinar a quem nessa altura tinha dez, doze quinze anos para já não falar nos outros ainda mais ovos. E todavia foi por eles, para eles que alguns se arriscaram. Não estou a pedir grande meditação sequer um minuto se silêncio. Prefiro mesmo que o dia tenha sido passado como qualquer outro feriado porque isso é o verdadeiro sinal da vitória: viver na normalidade. (...)» («missanga a pataco 10», no Incursões.)
  2. «Então perto dos 30 de idade, cheguei a 1974 cansado de fascismo. Levei porrada de polícias, andei corrido de escola em escola, meteram-me processos disciplinares, fizeram-me dormir em Caxias, riscaram-me artigos em jornais, escutaram-me conversas e leram-me cartas, vigiaram a forma como namorava, fiz-lhe a guerra nos pântanos da Guiné, recusaram-me empregos por informação policial. Mas enfiei panfletos proibidos, pintei muros e paredes com gritos de rebeldia, mandei à merda oficiais militaristas, li livros e jornais que eles não permitiam, vi filmes clandestinos, conspirei, gritei liberdade e abaixo a guerra colonial frente aos seus focinhos, atirei-lhes com pedras arrancadas da calçada, dei guarida a revolucionários profissionais clandestinos, paguei-lhes como pude. Enfim, levei e dei. Cansado deles, ganhei-lhes quando ainda não estava à espera. Quando Abril chegou, estava tão cansado do fascismo que entrei na festa. Andei na festa (pois se lhes tinha ganho!). Abusei até me cansar dos entorses e descaminhos que só estragavam a festa, acabando por, mais tarde, agradecer aos que derrotaram disparates em que alinhei. Passados 33 anos, não estou cansado da liberdade e da democracia. Tanto que delas quero mais, exijo mais. (...)» («Amanhã, 25», no Água Lisa (6).)

Hélio Schwartsman: «O mau selvagem»

«O homem é originalmente bom; é a sociedade que o corrompe. Trata-se sem dúvida de uma das maiores bobagens já proferidas na história da humanidade. O problema não é tanto que o bom Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) tenha concebido mais essa idéia maluca, mas sim que pessoas importantes nos meios intelectuais tenham acreditado nela ao longo de mais de dois séculos. Pior, ainda há quem ache que o cidadão genebrino está certo.
Não me considero um pessimista --muito pelo contrário, como se verá--, mas basta dar uma olhadela à nossa volta para chegar empiricamente à conclusão oposta: o homem é um bicho naturalmente ruim. Como ocorre com a maioria dos animais, coloca seus interesses acima de tudo e não hesita em usar a violência para impor sua, digamos, visão-de-mundo aos demais. Se há um rival no seu caminho para copular com uma fêmea, tende a aplicar a solução mais simples, que é eliminar fisicamente o comborço - desde que tenha, por suposto, os meios para tanto. O mesmo vale em relação a uma carniça de cabrito, uma framboesa madura ou qualquer outra iguaria pré-histórica.

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E não parece haver muitas dúvidas de que essa seja uma disposição natural.
(...)
Antes de prosseguir, peço que não me interpretem mal. Individualmente, somos todos capazes de atos de profundo e vil egoísmo, mas também de gestos daquilo que alguns chamariam de amor desinteressado.
(...)
A boa notícia é que, apesar de nossa natureza maligna, estamos aprendendo a nos conter. Há cerca de um mês, o psicólogo evolucionista Steven Pinker publicou na revista norte-americana "The New Republic" o artigo intitulado "Uma História da Violência" (o texto pode ser acessado no site da Fundação Edge), no qual pincela evidências de que, considerada a série histórica, estamos nos comportando melhor. Este é um tema caro a Pinker, que também o aborda em seu livro "Tabula Rasa" (este disponível em português).
Muito provavelmente por influência de Rousseau e alguns outros pensadores de esquerda, o "establishment" científico costumava ver as guerras do passado como menos mortíferas do que as modernas. Alguns pesquisadores chegaram a afirmar que os conflitos na Idade da Pedra eram apenas "simbólicos", e antropólogos "encontraram" povos que não "conheciam" a violência. Bobagem, é claro. Convicções podem facilmente nos cegar para a realidade. Novos dados e análises, produzidos por autores como Lawrence Keeley e Stephen LeBlanc, mostram que os homens se massacram desde sempre e que antes o faziam com muito mais afinco.
(...)
Ocorre, entretanto, que os confrontos tribais do passado eram não apenas mais freqüentes que as guerras modernas como também matavam porcentagens muito maiores das respectivas populações. Se as taxas de morticínio verificadas entre os "bons selvagens" fossem aplicadas ao século 20, o saldo de óbitos excederia facilmente aos 2 bilhões.
(...)
Provas extras de que estamos nos saindo melhor incluem a virtual extinção da escravidão e do sacrifício humano. Também estão em baixa em praticamente todos os sistemas jurídicos do mundo a tortura e mutilações. A própria pena de morte, embora ainda esteja longe de acabar, já não é em nenhum lugar aplicada para delitos menores ou crimes de opinião, ao contrário do que ocorria até um passado recente. As próprias guerras deixaram de ser vistas como meio legítimo de conquista de território ou propriedade.
Por que essas coisas estão acontecendo? Ninguém sabe ao certo, mas podemos pelo menos especular. Dá para, desde já, descartar mudanças naquilo que se convencionou chamar de natureza humana. Elas podem até estar ocorrendo, mas seus efeitos só seriam perceptíveis na escala das muitas dezenas de milhares de anos, não na de séculos.
(...)
A linha de explicação que me parece mais convincente é aquela pela qual estamos equipados não apenas com meios de matar nossos semelhantes mas também com instrumental para colaborar com eles. Num contexto de anarquia, no qual o pressuposto é o de que todos tentarão a todo instante tomar o que é meu, a lógica recomenda que eu me antecipe a esses ataques, lançando-me contra meus vizinhos antes que eles o façam. Se, por outro lado, eu consigo estabelecer com meus próximo uma política de cessação mútua de hostilidades, nós podemos facilmente evoluir para uma situação de cooperação. Aqui, cada um de meus vizinhos deixa de ser uma ameaça para tornar-se aliado potencial na hora de construir um açude ou criar um sistema de defesa contra outras tribos. Redes cooperativas são tão eficientes que atingem muito rapidamente o ponto de fixação.
Ao que parece, cada vez mais grupamentos humanos estão conseguindo passar da barbárie para um estado de relativa organização social. Um bom indicativo disso seria a constante queda das taxas de criminalidade nos países desenvolvidos. Para que possamos viver sem tanto medo, concordamos todos em abrir mão do direito de atacar primeiro em favor de uma autoridade maior --o Estado--, que passa a ser o único autorizado a usar da violência de forma legítima. Hobbes, e não Rousseau, estava certo.
(...)
Seria importante, como quer Pinker, tentar descobrir com mais detalhe o que fizemos de certo ao longo dos últimos séculos para reduzir a violência. Saber exatamente o que está acontecendo seria uma forma de nos conhecermos melhor, além de aumentar nossa capacidade de preservar a paz. Seja como for, podemos desde já descartar a idéia rousseauniana de que é a sociedade quem corrompe o homem. As evidências disponíveis apontam exatamente o contrário: é a civilização que está conseguindo tornar o homem um bicho menos ruim.»
(Hélio Schwartsman na Folha de S. Paulo.)

25 de Abril

Blogue a ver.
Canção para ouvir.
(Os reaccionários ficam avisados de que podem não gostar.)

Blogues que fazem pensar

A E-Konoklasta, a Sabine e a Maria do Rosário Fardilha atribuíram ao Esquerda Republicana prémios «Thinking Blogger» («bloguista pensante»). Agradecemos efusivamente a distinção a cada uma delas, até porque andamos aqui mais preocupados em divertirmo-nos um bocado do que em fazer pensar (mas pensar e fazer pensar são das actividades mais divertidas que conheço....).

Mandam as regras que mantenhamos a corrente designando mais cinco blogues que fazem pensar. Escolhemos então o Que Treta! (um blogue que interage intensamente com os leitores), o De Rerum Natura (a melhor publicação regular de divulgação científica em língua portuguesa), o Verdade ou Consequência (os textos do Dorean são tão gongóricos que desencriptá-los é, só por si, um trabalho intelectual), o Sociedade Anónima (pelas reflexões profundas sobre a verdadeira natureza feminina) e o Vento Sueste (por conseguir ser anarco-comunista-trotsquista-comunitarista-...).

quarta-feira, 25 de abril de 2007

O antes e o depois (uma diferença entre várias)

Constituição de 1933 (revista pela última vez em 1971)

  • «O ensino ministrado pelo Estado visa, além do revigoramento físico e do aperfeiçoamento das faculdades intelectuais, à formação do carácter, do valor profissional e de todas as virtudes morais e cívicas, orientadas aquelas pelos princípios da doutrina e moral cristãs, tradicionais do País.» (Artigo 43º, §3)
  • «O Estado, consciente das suas responsabilidades perante Deus e os homens, assegura a liberdade de culto e de organização das confissões religiosas cujas doutrinas não contrariem os princípios fundamentais da ordem constitucional nem atentem contra a ordem social e os bons costumes, e desde que os cultos praticados respeitem a vida, a integridade física e a dignidade das pessoas». (Artigo 45º)
  • «A religião católica apostólica romana é considerada como religião tradicional da Nação Portuguesa. A Igreja Católica goza de personalidade jurídica. O regime das relações do Estado com as confissões religiosas é o da separação sem prejuízo da existência de concordatas ou acordos com a Santa Sé.» (Artigo 46º)
Constituição de 1976
  • «1. A liberdade de consciência, religião e culto é inviolável. 2. Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa. 3. As igrejas e comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto. 4. É garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticado no âmbito da respectiva confissão, bem como a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades. 5. É reconhecido o direito à objecção de consciência, ficando os objectores obrigados à prestação de serviço não armado com duração idêntica à do serviço militar obrigatório.» (Artigo 41º)

  • «O ensino público não será confessional.» (Artigo 43º, §3)

25 de Abril sempre!

http://milmaisuma.leiturascom.net/arquivo/revolucao%20dos%20cravos.jpg

terça-feira, 24 de abril de 2007

Moral Majority: todos os dias um escândalo novo

Às vezes dois. L.A.Times: Rove vai ser (finalmente!) investigado. NYTimes: A administração é instada a explicar as historias inventadas de Jessica Lynch e Pat Tillman.

«That´s all folks!»

Pedro Arroja abandona o Blasfémias. Fora apresentado como «o maior defensor da Liberdade em Portugal nos últimos 20 anos» (sic). Mostrou o que pensa da dita argumentando que o liberalismo é uma derivação do cristianismo, que o salazarismo foi o melhor período da história portuguesa, e que os judeus se servem dos outros (lixou-se com esta última). Devemos agradecer-lhe por ter tornado claro que alguns auto-proclamados «liberais» mantêm todo o clericalismo e autoritarismo do salazarismo. Se conseguir não falar de judeus, existe um blogue onde o Arroja encaixa bem.

Já tinhamos dado conta

Um jornalista espanhol, que viveu um ano infiltrado nos «cabeças rapadas» portugueses, conta a sua experiência no Público de hoje. Trecho mais interessante:

  • «(...) em Portugal, os skinheads estão, como em Espanha, ligados às claques dos clubes de futebol, às bandas de música "Oi!" [estilo de música ouvida por neonazis] e aos partidos e movimentos legais de extrema-direita. "Em Portugal, aliás, a ligação aos partidos da direita é assumida de forma muito mais aberta do que noutros países. Em nenhum país europeu surgem os skins nas manifestações da extrema-direita, como acontece em Portugal. É normal que os partidos neguem qualquer relação com os bandos de delinquentes skinheads. Mas os partidos da extrema-direita portuguesa parecem não ter quaisquer problemas com isso".»

A realidade é esta: o PNR é mais próximo dos «cabeças rapadas» do que qualquer outro partido de extrema-direita da Europa ocidental. Mas quem tem olhos para ver já tinha reparado.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Tiroteios em escolas: a solução!

É difícil explicar o amor dos americanos por armas de fogo, tiros, bombas e guerras, um mundo só com bons de um lado e maus do outro, etc.

Os historiadores lembram-nos que os americanos vieram para cá porque odiavam governos e sabiam que quem tem poder abusa, e por isso não queriam um estado com um exército. Todos os protestantes se lembravam bem dos exércitos de mercenários de Filipe II. Por isso preferiam milícias populares, que davam muito maiores garantias de não se envolverem em guerras que não fossem suas e que não fossem consensuais. Isso explicava a necessidade de os cidadãos se armarem.

Depois, Noam Chomsky diz que os americanos são os cidadãos menos politizados do mundo industrializado e por isso nunca percebem quando estão a ser usados.

Louis Lapham diz que como os media nos últimos 30 anos reescreveram a história – inventaram mentiras , puseram palavras e intenções na boca de Adam Smith, Tom Paine, Washington, Jefferson, ou mesmo de Einstein, que eles nunca disseram ou tiveram – e que por isso os americanos não têm memória e portanto são como um desgraçado com amnésia, perdido, sem saber quem é nem o que há-de fazer à vida, a reagir sem pensar às coisas que lhe dizem.

Sabe-se que o lobby dos fabricantes de armas tem muito mais poder nos EUA que o presidente e gera lucros suficientes para comprar os políticos todos e os jornalistas todos, se for necessário.

Assim, a propaganda às armas de fogo, os jogos de computador, os filmes sobre violência e guerra e o medo que os media passam todos os dias aos cidadãos fazem com que os americanos tenham as casas cheias de armas carregadas e que as taxas de acidentes e os tiroteios tenham proporções únicas e implausíveis, sem que ninguém pestaneje.

Mas mesmo assim não parece possível defender que os tiroteios nas escolas se podem evitar armando os alunos... :-)

Duas conclusões

O inquérito às habilitações do Primeiro Ministro parece estar a morrer, como morrem todas as campanhas mediáticas artificiais após cerca de duas semanas. Nunca saberemos se se tratou de uma vingança pela OPA falhada, pois nunca sabemos quem tem realmente o poder mediático. Mas há duas conclusões que ficam.
  1. A geração que está a chegar ao poder é constituída por gente que passou da jota para a concelhia, da concelhia para a distrital, da distrital para o parlamento, e depois do parlamento para o governo, sem nunca ter tido carreira académica ou profissional.
  2. O mercado, só por si, não gera instituições académicas de qualidade (antes pelo contrário), e portanto impõe-se um maior controlo do Estado sobre as instituições de ensino privadas. Só o Estado pode separar o trigo do joio, já que o mercado nitidamente não o faz...

Candidatos à presidência da França: laicidade?

  1. Ségolène Royal: em 1989, achava que os desenhos animados violentos e os «manga» eram um problema mais grave do que o véu islâmico; em 2004, em plena campanha laicista por uma lei contra os símbolos religiosos ostensivos na escola pública, não encontrou nada melhor para fazer do que pronunciar-se contra o «fio dental», que achava um «atentado à dignidade das mulheres» (mesmo assim, votou a favor da lei sobre os símbolos religiosos ostensivos, seguindo a esmagadora maioria do seu partido, o PSF). Esta puritana acha que também se deve «reflectir» sobre espaços separados para rapazes e raparigas nas escolas públicas, nomeadamente nas aulas de educação sexual (e nas piscinas municipais). Manteve-se em silêncio durante a crise dos cartunes. O partido a que pertence, o PSF, é dos partidos de governo mais laicistas da Europa. Sugestão para slogan de campanha: «antes a burca do que o biquini!».
  2. Nicolas Sarkozy: quer rever a centenária lei de separação entre o Estado e os cultos; gostaria, particularmente, que o Estado pudesse financiar a construção de mesquitas. À maneira de Napoleão, que fez uma Concordata com a ICAR para melhor a controlar, Sarkozy acredita que o Estado deve colaborar com os integristas. Nesse espírito, foi o Ministro do Interior responsável pela criação do «Conselho Francês do Culto Muçulmano», onde se integraram várias organizações próximas da Irmandade Muçulmana. Defensor coerente do multiculturalismo de Estado, é a favor da discriminação positiva para os cidadãos de minorias religiosas. Escolheu Christine Boutin, uma «próxima» do Opus Dei anti-IVG, homófoba e fundamentalista para sua conselheira política. Sugestão para slogan de campanha: «o bom islamista é o islamista subsidiado pelo Estado!».

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

Revista de blogues (23/4/2007)

  1. «Pedro Arroja tem a honra de ter sido um dos pioneiros do liberalismo mais extremo em Portugal. Desde há algum tempo tem vindo a defender a pesada herança da ditadura Salazarista. Contradição? Muito pelo contrário. Por detrás do liberalismo mais extremo, da defesa da liquidação total do Estado social ou do direito do trabalho, encontramos o mesmo autoritarismo. No fundo, os neoliberais sabem que tal projecto exige o fim da democracia e das liberdades. Já Hayek, uma das suas grandes referências, tinha, em 1981, viajado até ao Chile de Pinochet para declarar, numa entrevista a um diário governamental, que «a minha preferência pessoal inclina-se para uma ditadura liberal e não para um governo democrático de onde o liberalismo esteja ausente». Tudo em nome da liberdade claro. Liberdade para os que têm dinheiro. Muito dinheiro.» («Liberalismo Intransigente», no Ladrões de Bicicletas.)
  2. «A Igreja Católica aboliu oficialmente o limbo. Não a dança, que ainda é tolerada, mas aquele sofre que não sofre onde ficavam as almas das crianças que morriam sem baptismo. A notícia no Público não diz como se determinou o destino destas almas. Experimentalmente, parece difícil. Mas as fontes asseguram-nos que «os factores analisados oferecem suficiente base teológica e litúrgica para acreditar que as crianças que morrem sem ser baptizadas "se salvarão e gozarão da visão beatífica"». Ora bem. Se os factores oferecem suficiente base teológica, a conclusão deve ser sólida e fiável. E esperemos que tenha efeito retroactivo. No tempo de Santo Agostinho essas crianças iam para o inferno. Deve-se agora rever os seus processos e compensá-las pelos séculos de sofrimento indevido, talvez com um gozo acrescido da visão beatífica. (...) Quanto mais aprendo sobre religião mais me agrada o ateísmo.» («Crianças mortas suspiram de alívio», no Que treta!)

Dia Nacional de quê?

Embora os EUA sejam, formal e institucionalmente, um Estado mais laico do que a França, não deixa de ser verdade que os seus políticos encontram-se entre os que mais ostentam a sua religiosidade, demonstrando um proselitismo que em qualquer país europeu a oeste da Polónia seria considerado exótico. O exemplo mais recente: George W. Bush acaba de convocar um «Dia Nacional de Oração». Isso mesmo: o presidente dos EUA pede aos seus concidadãos para agradecerem as liberdades de que gozam ao seu amigo imaginário favorito. Através de pensamentos. Há gente mesmo muito estranha neste planeta.
[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

Boas notícias: Le Pen não passou

Confesso que não tenho qualquer tipo de entusiasmo por Ségolène Royal, uma espécie de blairista de segunda geração traduzida para francês. Mesmo assim, o seu resultado da primeira volta é honroso, embora seja quase certo que um Sarkozy algo autoritário, fortemente clerical e neoliberal será eleito Presidente daqui a duas semanas. As boas notícias são os 85% de participação e o resultado historicamente mau de Le Pen (11%).

domingo, 22 de abril de 2007

Publicistas e feministas

Os portugueses odeiam a expressão “politicamente correcto” e eu não percebo muito bem porquê. As pessoas passam sem pensar aos filhos os preconceitos que têm. E a ideia do “politicamente correcto” é fazer as pessoas pensarem nos preconceitos que estão a passar aos filhos: superstições, racismo, defesa do autoritarismo, sexismo, etc.

Julgo que ninguém em Portugal acredita que os homens têm os mesmos direitos que as mulheres. Não se sabe quantos homens é que batem regularmente na mulher, mas em Espanha, quando se foi ver, eram imensos. Não sei se há estatatísticas sobre salários, mas suspeito que as mulheres ganham menos e têm menos oportunidades de promoção que os homens, em circunstâncias de igualdade de expêriencia e competência (nos EUA as mulheres ganham 75% do que ganham os homens). E como não vivo em Portugal há 9 anos não sei se a mentalidade mudou sobre a sexualidade das mulheres, mas há 9 anos um homem que tivesse muitas parceiras era um herói e uma mulher que tivesse muitos parceiros era uma desgraçada sem amor próprio.

E esta paisagem não muda se não fizermos um esforço colectivo, político, para a mudar. Sobretudo quando falamos de publicidade. Se os portuguesinhos pequeninos crescerem a ver as mulheres na televisão a lavar, a dobrar, a aspirar e a passar a ferro, e depois a fazerem-se desejáveis, com o rabo ao léu…

A exploração das frustrações sexuais dos homens é uma estratégia que vende qualquer coisa (enquanto os homens forem, como diz o papa, “cabeças de casal”). Como dizia o comediante Bill Hicks, o anúncio que todos os publicistas gostavam de fazer era uma mulher lindíssima, sentada num banco; a câmara recua e vê-se que está nua da cintura para cima; a câmara recua mais e vê-se que está nua da cintura para baixo; a câmara foca na boca dela, de onde ela tira dois dedos que a câmara segue e que ela enfia no sexo enquanto atira a cabeça para trás, com uma expressão de desejo incontrolado. E depois aparece um nome de uma marca qualquer, não interessa qual: bebidas, after shaves, carros, cigarros, bicicletas, cola para as dentaduras postiças…

Reparem que nunca niguém fala numa versão deste anúncio com um homem igualmente excitado… estou a perder a audiência? :-)

Revista de blogues (22/4/2007)

  1. «Dois tipos de protestos quanto à imagem feminina na publicidade têm sido importantes na agenda feminista que vem a público. Um, que em boa medida subscrevo, tem que ver com o retrato dos papéis de género. Entenda-se por isto a estafada mas massiva e quase nunca alterada imagem da mulher como única responsável pelas tarefas domésticas e pelo “cuidar dos filhos”, a mulher que consome apenas produtos para cuidar o corpo – o seu, o da família e, até, o da casa. (...) Outra crítica à publicidade passa pelo uso de imagens de nudez feminina, de mulheres erotizadas, objecto e/ou sujeito de sexualidade (vejam-se as recentes polémicas com o anúncio da Dolce&Gabana e com o cartaz do Crazy Horse no Casino de Lisboa), ou simplesmente da mulher enquanto símbolo de algo desejado (como na publicidade à SuperBock no Verão passado). Aqui, é-me impossível concordar com aquilo que normalmente vem a público como posição feminista: a ideia de que estas imagens ofendem a mulher, a “utilizam” e “degradam”, porque a “transformam em objecto sexual”. Perdão? Transformam? Eu julgava que éramos todos, homens e mulheres, sujeitos e objectos sexuais, graças a deus, muito obrigada.» («Dos esterótipos e dos feminismos», no Cinco Dias.)
  2. «Quanto mais leio o conteúdo do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça relativo às supostas dívidas do Sporting ao fisco mais revoltado fico com a manipulação que o Público fez das conclusões deste.Quem leu a reacção do Público ficou com a sensação que este jornal foi condenado por ter divulgado uma notícia verdadeira. Por todo o lado houve uma onda de choque carregada de perplexidade. Afinal o Público esqueceu-se de referir que todas as instâncias referiram que a notícia não era verdadeira (ou que, pelo menos, não foi provada) e que a famosa frase que retirou do acórdão era uma reflexão, em anexo, sobre o eterno conflito entre a liberdade de imprensa e a liberdade individual.» («Défice de reflexão crítica», no Filho do 25 de Abril.)

sábado, 21 de abril de 2007

Viva Hitler?!

Os idiotas da extrema direita que agora estão a ser ouvidos pela Justiça - e que gritaram "Viva Hitler!" quando iam a entrar no TIC - podem ser apenas duas dúzias de desempregados sem namorada nem instrução, que odeiam o mundo e que sendo estúpidos demais para se guindarem da indigência por mérito próprio, culpam outras pessoas pela sua infelicidade ("os judeus" ou "os imigrantes" ou quem lhes apeteça esta semana).

Eu acredito que todas as pessoas devem ter o direito de exprimir livremente as suas ideias – por mais estupidas e mais ofensivas que sejam – e que o discurso odioso destes infelizes não deve ser censurado.

Como dizia Lenny Bruce, as pessoas têm de se habituar a ouvir coisas ofensivas com calma. Palavras não são actos e tirarem-nos, por exemplo, o direito de dizer “fod*-se!” é o mesmo que nos tirarem o direito de dizer “fod*-se o governo!”

Mas desde o assassinato de Alcino Monteiro que sabemos bem que esta extrema direita abriga assassinos perigosos, sociopatas que não devem ter lugar entre nós e que devem ser fechados em instituições onde não possam brutalizar ou assassinar ninguém.

Li não sei aonde que um dos energúmenos envolvidos no assassínio de Alcino Monteiro apanhou quatro anos de cadeia e agora está outra vez armado e a ameaçar os seus concidadãos. Quantas pessoas é que ele terá de assassinar até o governo reagir?

Gostava de saber se será possível lançar um movimento cívico com vista a actualização do Código Civil e à introdução de penas especialmente pesadas para os crimes de ódio.

Amor cristão

Esta é a primeira de uma longa série notícias, que durante os próximos anos nos vão informar sobre as atrocidades que este presidente, que diz fala com deus todas as tardes, perpetrou no Médio Oriente, e que vão muito para além do que se imagina.

Além das consequências trágicas do apoio incondicional aos neo-nazis genocidas da extrema-direita israelita – que bombardeou Beirute com “cluster bombs” americanas – as invasões do Afganistão e do Iraque transformaram-se em verdadeiras chacinas de inocentes. Centenas de milhar de inocentes.

Racismo e etnocentrismo – a ideia que aos cristãos tudo é permitido, porque como não arrancam o clitoris às filhas e não tratam as mulheres como gado, são sempre muito melhores que os muçulmanos – juntamente com a existência de uma “fighting class” de soldados pobres e sem educação, deu origem a este exército sem princípios nem regras, onde os fins justificam os meios, a tortura de prisioneiros de guerra se tornou rotina e os civis não são considerados seres humanos.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Revista de blogues anticlericais (20/4/2007)

  1. «Pastores, solteiros e bons rapazes, exigem subsídios chorudos ao governo, que os das freguesias e câmaras não dão para grandes mármores, para a construção de estábulos novos para os seus rebanhos em vias de extinção. Máxima urgência, agradecimento mínimo. Exige-se que o subsídio seja dado em condições de privilégio e exclusividade face a outros tipos de pastoreio, ainda que tal implique violações graves da lei. Pondera-se ainda a possibilidade de exigir 0,05% do IRS daqueles que em algum dia das suas vidas, mesmo que ainda rebentos, tenham pastado ao ritmo do nosso cajado. Isto no caso do governo avançar com a medida absurda de cobrar IVA pela compras de novos cajados e badalos. Quanto ao resto mantêm-se as proibições do costume no que concerne às cambalhotas do gado e a reafirma-se a nossa pena pelos pobrezinhos, sobretudo daqueles que apostaram em vidas de maior suor e menor rendimento que a santa vida de pastor, mas sobre isso não temos qualquer poder.» («Quem tem lata amanha uma Concordata», no renas e veados.)
  2. «Em mais uma das suas imperdíveis crónicas da 2ª feira, João César das Neves, num esmerado exercício de auto-vitimização em que é useiro e vezeiro, fala-nos de um "racismo", dirigido à crença, que grassa na sociedade de hoje; fala-nos de uma Igreja contra a qual existe "desconfiança latente" e "severidade". Provavelmente por habitar em paragens muito longínquas, ou numa cave insonorizada com água potável e conservas para uma vida inteira, JCN ignora que vive numa sociedade que não só não discrimina os crentes, não só não dá mostras de severidade para com a Igreja, mas que, pelo contrário, a trata com uma benevolência que roça, por vezes, a subserviência. Pode até dar-se o caso de JCN ter ouvido falar de um país, chamado "Portugal", no qual a perseguição aos crentes não prima pela ferocidade: a Igreja tem direito a transmissão televisiva das eucaristias, a mensagem de Natal do patriarca, a emissões especiais por ocasião do aniversário da cidadã Lúcia de Jesus dos Santos, a uma Universidade, e, até há bem pouco tempo, a presença no protocolo do Estado. Isto, claro, para não falar de absoluta liberdade de culto. (...)» («Branda severidade», no umblogsobrekleist.)

«Perseguição política»?!

  • «Começaram ontem à tarde a ser ouvidos no Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa 12 dos 31 elementos conotados com organizações de extrema-direita detidos, na quarta-feira, um pouco por todo o país, durante um operação da Polícia Judiciária (PJ). Os suspeitos que começaram a depor (o interrogatório prolongou-se pela noite) são aqueles em cujas casas foram encontradas armas e que também já estariam referenciados como eventuais autores de agressões por motivos raciais. Nas cerca de 60 buscas domiciliárias efectuadas pela Direcção Central de Combate ao Banditismo (DCCB) em Lisboa, Porto, Braga e margem sul do Tejo foi apreendido diverso armamento, desde pistolas adaptadas, bastões extensíveis, soqueiras, punhais, sabres, aerossóis, até munições, algumas delas de calibre de guerra. A apreensão mais relevante é, precisamente, a de três fitas de metralhadora contendo cerca de 300 munições. A descoberta das fitas de metralhadora adensou ainda mais as suspeitas dos inspectores da DCCB (há cerca de dois anos que investigam alguns grupos conotados com a extrema--direita), que admitem que uma das formas de financiamento de algumas organizações extremistas pode passar pelo negócio de armas.» (Público)

Depois disto, os blogues de direita vão insistir que os «cabeças rapadas» (alguns dos quais têm cadastros do tamanho de uma lista telefónica) são umas pobres vítimas de «perseguição política»?

Peña-Ruiz: «Cinco questões a Sarkozy»

Tenho destacado abundantemente, nos dois blogues em que escrevo, textos de Henri Peña-Ruiz, o filósofo francês que melhor tem explanado o conceito moderno de laicidade. Recentemente, destaquei um texto de questões a Nicolas Sarkozy, no contexto da eleição presidencial francesa. A Associação República e Laicidade apresenta agora uma tradução desse texto, que merece leitura atenta.

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  1. «Primeira pergunta. Os humanistas ateus devem usufruir dos mesmos direitos que os crentes? No seu livro sobre a República e as religiões, reconhece um privilégio à opção religiosa. De acordo consigo, fora desta, não seria possível conferir à conduta da existência as referências de sentido de que ela necessita. Sartre, o ateu, e Camus, o agnóstico, deviam, portanto, ter-se perdido perante as dificuldades da vida... E Bertrand Russel, que escreveu "porque não sou cristão", devia encontrar-se desarmado face às questões éticas. Não percebe que quem não acredita no céu se pode sentir ofendido pela sua preferência? Honoré d’Estienne d’Orves, católico resistente, mereceria mais consideração do que Gabriel Perecer, ateu resistente? Ambos tombaram vítimas das balas nazis. Conhece a frase do poeta: "aquele que acreditava no céu, aquele que não [acreditava], que importa ao nome dado à clareza dos seus passos se um ia à igreja e o outro lá roubasse" (Louis Aragon, “La Rose et le Réséda”)
  2. Segunda pergunta. Que tipo de igualdade se pretende promover? Diz [Nicolas Sarkozy] pretender a igualdade entre as religiões e, para tal, encara a possibilidade de construir, com fundos públicos, lugares de culto, nomeadamente para permitir aos cidadãos de confissão muçulmana compensar o défice que teriam nessa matéria relativamente aos católicos que usufruem gratuitamente das igrejas construídas antes de 1905, ainda que esse direito de uso resulte de «afectação especial» e esteja limitado aos momentos da prática religiosa. Não pede, contudo, idêntico financiamento para edifícios destinados ao livre pensamento ou para templos maçónicos. Será que se assume partidário da discriminação entre os cidadãos de acordo com as opções espirituais em que eles se reconhecem? Para si, a igualdade republicana deveria reduzir-se à igualdade entre os diversos crentes, com exclusão dos humanistas ateus ou agnósticos? (...) Desde 1 de Janeiro de 1906 que a construção de novos locais de culto está unicamente a cargo dos fiéis, qualquer que seja a religião. É essa a regra, e os frequentes desvios que a ridicularizam não podem fazer jurisprudência, tal como o desrespeito pelos sinais dos semáforos não pode constituir motivo para a sua abolição.
  3. Terceira pergunta. Que prioridade para os poderes públicos? O relatório Machelon, que colhe a sua simpatia [de Nicolas Sarkozy], recorre ao conceito de liberdade religiosa, para permitir resvalar da garantia do «livre exercício dos cultos», garantido pelo primeiro artigo da lei, para o financiamento supostamente necessário dos cultos. Belo jogo de palavras e verdadeiro golpe de mão que pode bem enganar. Em República, só o interesse geral, comum a todos, visando bens e necessidades de alcance universal, merece financiamento público. Ora a religião não constitui um serviço público, tal como o são a instrução, a cultura ou a saúde. Na verdade, ela respeita unicamente aos seus crentes, isto é, a uma parte dos cidadãos. Os poderes públicos, cujos fundos resultam de impostos pagos tanto por ateus como por crentes, não devem, pois, financiar os cultos, tal como não devem financiar a divulgação do ateísmo. Está de acordo? (...)
  4. Quarta questão. Que concepção de luta contra o fanatismo? Afirma [Nicolas Sarkozy] querer evitar as intervenções estrangeiras, nomeadamente os financiamentos [ao culto religioso] vindos de países que pouco respeitam os valores republicanos e democráticos. E sustenta que pagando se poderá ter tudo sob melhor controlo. Falsa evidência. Pois que relação jurídica [pode existir] entre o financiamento e o direito de observar os objectivos dos responsáveis religiosos nos locais de culto? Ela só pode existir através do restabelecimento de um processo concordatário, ou seja anti-laico. Napoleão fez a Concordata de 1801 no compromisso de um financiamento público dos cultos cujas autoridades religiosas demonstrassem fidelidade ao seu poder. O catecismo imperial de 1807 radicalizou este sistema bastante humilhante para os crentes já que, afinal, os compra. Numa república laica, não pode existir fidelidade resultante de privilégio. Quer-se impor uma ortodoxia às religiões? (...)
  5. Quinta pergunta. O que sobra do laicismo e da República se se restabelecer um financiamento discriminatório? A República não é uma justaposição de comunidades particulares. Em França, não existem cinco milhões de «muçulmanos» mas cinco milhões de pessoas oriundas da imigração magrebina ou turca, muito diferentes nas suas opções espirituais. Um inquérito recentemente publicado pelo Le Monde, precisou que só uma pequena minoria desta população frequenta a mesquita, a maior parte faz da religião um assunto privado, só se referem ao Islão por uma espécie de solidariedade imaginária. Assim sendo, deve a República renunciar ao laicismo para satisfazer esta minoria ou concentrar os fundos públicos e redistribui-los pelos serviços públicos, pela gratuitidade dos cuidados de saúde, pela habitação social, ou pela luta contra o insucesso escolar, que abrangem, incontestavelmente, todos os homens, sem distinção de nacionalidade ou de opções espirituais? Não constitui dever dos homens políticos explicar que é pelo assegurar de iniciativas de serviço público de qualidade, igualmente proveitosas para crentes e ateus, e pela luta contra todo o tipo de discriminação que o Estado facilita, a uns e a outros, o financiamento voluntário das suas opções de convicção? (...)»

(Ler na íntegra.)

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

Revista de blogues (20/4/2007)

  1. «Não é de espantar que os amigos se protejam. Nada melhor para desvalorizar a extrema-direita que fazê-la igual à "extrema-esquerda" (que, neste caso, é entendida como nada mais nada menos... que o PCP e o BE!). (...) Aqui há duas lógicas a convergir: por um lado, branqueia-se a extrema-direita (...) Mas há também uma fobia subterrânea nestes senhores, que sentem tanto asco por tudo o que lhes cheire a "esquerda" (...) Resta-lhes explicar, para que a comparação tenha o mínimo de honestidade intelectual, se os militantes do PCP e do BE andam armados; se participam em espancamentos daqueles que têm ideias, hábitos, ou simplesmente uma cor de pele diferente; se vivem numa lógica de violência e se sentem em estado de guerra; se têm treino militar; se utilizam actividades criminosas para se financiar.» («A paranóia e os seus limites», no 2+2=5.)
  2. «A fascistada europeia vai reunir-se num local clandestino nos arredores de Lisboa, a convite e sob organização do PNR, o “partido do cartaz”, constando de uma mesa redonda sobre activismo de colagem de cartazes e inscrições murais (só?) e terminando com um concerto com bandas neo-nazis ibéricas. (...) Por mim, estejam à vontade, reúnam, estiquem os braços, beijem os retratos do Hitler, Mussolini, Franco, Salazar e Le Pen, curtam o concerto, enrolem a tenda e zarpem quietinhos para os vossos tugúrios. Mas não deixo de lhes fazer dois reparos: - Se os do PNR são mesmo “nacionalistas” a sério, porque raio convidam organizações neo-fascistas de Espanha e metem no concerto “2 duas 2” bandas de músicos nazistóides espanhóis? E Aljubarrota? E Olivença? E os maus ventos e os maus casamentos? - Imperdoável que se tenham esquecido de invocar o figurão da imagem. Esse sim, era-vos merecido como patrono de pleno direito.» («Em busca de Nuremberga perdida (nos arredores de Lisboa)», no Água Lisa (6).)

quinta-feira, 19 de abril de 2007

É uma infame calúnia dizer que são nazis

  • «Os detidos foram conduzidos ao TIC em quatro carrinhas da Judiciária e à sua espera estava cerca de uma dezena de militantes nacionalistas, que gritaram "Portugal, Portugal", ao que os suspeitos responderam "Viva Hitler". "Estamos com vocês", proferiram, por sua vez, os elementos nacionalistas no exterior do TIC.» (Público)

Os telhados de vidro do director do Público

José Manuel Fernandes, o estalinista de direita que tem comandado a campanha pela moralização do currículo do Primeiro Ministro, é referido em numerosos eventos como «Dr. José Manuel Fernandes». Segundo o que os meus ouvidos aperfeiçoados por séculos de evolução ouviram há uma semana, «nunca terminou o curso». Mais detalhes no Ponte Europa.

Pacheco Pereira, o professor zero

Através do Anarca Constipado, descobri que o Pachecogate tem mais uma ramificação. Como se não bastasse usar indevidamente o título de «historiador», ter uma página na wikipedia em que passa por catedrático, e ter acedido à posição de Professor Auxiliar Convidado numa universidade pública já sendo anteriormente professor na mesma instituição mas sem que fizesse um doutoramento, descubro agora que, apesar de estar em dedicação exclusiva, tem zero horas de aulas, zero cadeiras em que é regente, zero coordenações de teses, e zero presenças em órgãos directivos, científicos ou pedagógicos do ISCTE (informação de 31/12/2005). Se isto é um professor universitário...

Todos bons rapazes?

Desde a madrugada de ontem, a PJ deteve cerca de trinta elementos da extrema-direita, metade dos quais foram hoje presentes em tribunal. As acusações são de discriminação racial e posse ilegal de armas, mas há também ligações ao tráfico de droga e de armas (incluindo, o que é muito inquietante, um elemento fascista ligado a um desvio de armas na PSP).
É de esperar que, nos próximos dias, mediocratas como Helena Matos e Pacheco Pereira se afoitem a garantir-nos que os «cabeças rapadas» e outros neonazis são umas pobres vítimas da «opressão mediática da esquerda» e da «ditadura do politicamente correcto» (seja lá isso o que for), e que o BE e o PCP, esses sim, são perigosas ameaças para a segurança das pessoas e para a própria democracia. Esta complacência para com a extrema-direita armada, quando vem de democratas, é incompreensível, a não ser como «descompensação» anti-antifascista agravada por alguma ingenuidade a raiar a alienação.
A comparação destes grupos de criminosos cadastrados com o PCP e o BE esclarece o grau de simpatia de alguns «liberais» pela extrema-direita. Que eu saiba, a existência de associações armadas ainda está proibida constitucionalmente (e há boas razões para manter a proibição, como se vê). O PNR, embora sendo um partido legal (mas que nunca recolheu as 5000 assinaturas), depende de uma associação armada fascista, a Frente Nacional, para as operações básicas de colagem de cartazes, distribuição de propaganda e até de recolha de fundos (caso do recente cartaz no Marquês de Pombal, pago com dinheiro da FN). Parece mais que o PNR é o braço político da FN, e não a FN o braço armado do PNR, com a agravante de que há indícios de que o financiamento da FN (e portanto do PNR) vem do tráfico de droga e de armas. Não nos atirem poeira para os olhos: aquelas armas eram para quê? Para se tornarem um partido parlamentar?

Sectarismo

  • «Ricardo Araújo Pereira foi vetado pela Juventude Comunista Portuguesa (JCP), que inviabilizou uma intervenção do humorista nas próximas celebrações do 25 de Abril. A proposta, originalmente feita pelo representante da Juventude Socialista (JS) nas reuniões preparatórias da comemoração do 33.º aniversário da Revolução dos Cravos, esbarrou com a intransigência da JCP, que sugeriu nomes alternativos ao do "Gato Fedorento", ex-militante nas fileiras comunistas. A falta de consenso entre as forças políticas representadas na comissão promotora inviabiliza a intervenção de um representante dos jovens portugueses no comício do dia 25 em Lisboa». (Diário de Notícias)

Ricardo Araújo Pereira tem tido um empenhamento cívico exemplar, quer na campanha pela despenalização da IVG, quer no combate à extrema-direita. Vetá-lo para representar os jovens nas celebrações do 25 de Abril releva do mais puro sectarismo e é inteiramente lamentável.

Da necessidade de conforto

Comic

(Jesus and Mo.)

quarta-feira, 18 de abril de 2007

O rei vai nu (mas muito bem vestido?)

O João Vasco abordou o célebre conto d´«o rei que vai nu», para concluir que «mesmo que alguns ateus digam "estão a ver coisas que não existem e a enriquecer o clero inutilmente" - muitas pessoas encaram isso apenas como uma limitação dos ateus, que não conseguem ter acesso à "dimensão espiritual"». Justamente. Uma das dificuldades fundamentais do diálogo com os crentes é justamente essa: embora o rei vá nu, eles insistem que vai muito bem vestido.

Geralmente, a situação é a seguinte: nós apresentamos provas de que a «ressurreição» é impossível, que a criação do universo por uma entidade consciente é disparate, e que «vida depois da morte» é um oxímoro. Em suma, explicamos que o rei vai nu. Eles respondem que não estamos abertos «à dimensão espiritual» em que eles vêem as roupas do rei que está nu, que milhões de pessoas ao longo dos séculos disseram que o rei estava vestido embora estivesse nu, que existem escolas (e até universidades) em que se estuda o tecido da roupa que o rei usa quando vai nu, o casaco, as calças e a camisa usadas pelo rei quando vai nu, as cuecas e os peúgos do rei quando vai nu, e até os formatos e as cores dos botões de camisa que o rei leva quando vai nu. Dizem-nos ainda, com deleite, que dezenas de teólogos discutiram apaixonadamente durante séculos se os botões da camisa que o rei usa quando está nu têm dois ou quatro buracos, e que esse debate é a maior prova da beleza e da própria realidade indiscutível das roupas que o rei usa mesmo quando está nu.

A verdade é que as crenças religiosas mais populares não são «sofisticadas», «filosóficas» ou particularmente complexas. São ideias bastante simples, até enternecedoras na sua ingenuidade. Por muito protegidas que as roupas pareçam estar pelas «universidades» de teologia e pelas toneladas de papel não reciclado que se gastaram a discuti-las, a verdade é que o rei vai mesmo nu.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

Richard Dawkins:«Postmodernism disrobed»

«Suppose you are an intellectual impostor with nothing to say, but with strong ambitions to succeed in academic life, collect a coterie of reverent disciples and have students around the world anoint your pages with respectful yellow highlighter. What kind of literary style would you cultivate? Not a lucid one, surely, for clarity would expose your lack of content. The chances are that you would produce something like the following:

  • We can clearly see that there is no bi-univocal correspondence between linear signifying links or archi-writing, depending on the author, and this multireferential, multi-dimensional machinic catalysis. The symmetry of scale, the transversality, the pathic non-discursive character of their expansion: all these dimensions remove us from the logic of the excluded middle and reinforce us in our dismissal of the ontological binarism we criticised previously.

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This is a quotation from the psychoanalyst Félix Guattari, one of many fashionable French 'intellectuals' outed by Alan Sokal and Jean Bricmont in their splendid book Intellectual Impostures, which caused a sensation when published in French last year, and which is now released in a completely rewritten and revised English edition.
(...)
No doubt there exist thoughts so profound that most of us will not understand the language in which they are expressed. And no doubt there is also language designed to be unintelligible in order to conceal an absence of honest thought. But how are we to tell the difference? What if it really takes an expert eye to detect whether the emperor has clothes?
(...)
But don't the postmodernists claim only to be 'playing games'? Isn't it the whole point of their philosophy that anything goes, there is no absolute truth, anything written has the same status as anything else, no point of view is privileged? Given their own standards of relative truth, isn't it rather unfair to take them to task for fooling around with word-games, and playing little jokes on readers? Perhaps, but one is then left wondering why their writings are so stupefyingly boring. Shouldn't games at least be entertaining, not po-faced, solemn and pretentious? More tellingly, if they are only joking around, why do they react with such shrieks of dismay when somebody plays a joke at their expense.
(...)
Sokal's paper must have seemed a gift to the editors because this was a physicist saying all the right-on things they wanted to hear, attacking the 'post-Enlightenment hegemony' and such uncool notions as the existence of the real world. They didn't know that Sokal had also crammed his paper with egregious scientific howlers, of a kind that any referee with an undergraduate degree in physics would instantly have detected. It was sent to no such referee. The editors, Andrew Ross and others, were satisfied that its ideology conformed to their own, and were perhaps flattered by references to their own works. This ignominious piece of editing rightly earned them the 1996 Ig Nobel Prize for literature.
(...)»

O mundo do PNR e o meu

Como sou imigrante escuso-me de comentar as opiniões do PNR aqui. Aliás, o Fernando Pessoa explicou bem (e definitivamente, acho eu) o fenómeno: as pessoas mais educadas têm uma relação mais descontraída com a mudança e as novidades do que as pessoas ignorantes.

Mas hoje fui levar os meus filhos à escola e lembrei-me da história do cartaz do PNR. Os amigos dos meus filhos aqui chamam-se Ross, Pancho, Yuri, Peng Peng, Mohamed, Juan, Noah, etc. Uns são protestantes, outros católicos, outros ateus, outros judeus, outros muçulmanos; e o meu filho costuma subir para cima de uma cadeira no refeitório e gritar coisas sobre a religião ser o ópio do povo (estamos a trabalhar neste problema e a explicar-lhe que não é necessário celebrar a diferença e alardear as nossas convicções com tanto empenho)... :-)

Mas é delicioso ver estes miúdos, todos com culturas diferentes, a falarem línguas diferentes em casa, a comerem coisas diferentes e a brincarem juntos sem qualquer problema. Aos nove anos são completamente descontraídos em relação às diferenças entre as pessoas: o aspecto físico, as roupas, as opiniões... nada disto lhes faz confusão.

Espero que eles cresçam assim, sem o pavor labrego do que é diferente, estrangeiro, ou desconhecido.

Não há Europa sem voto dos cidadãos

  • «Dois terços dos portugueses são favoráveis à realização de um referendo sobre o novo Tratado da União Europeia (UE), revela um inquérito realizado pelo instituto TNS para o grupo de reflexão britânico Open Europe. Os resultados da sondagem mostram que 64 por cento dos portugueses são a favor da realização de um referendo sobre o futuro Tratado da UE. (...) Outra pergunta permite constatar que 44 por cento dos inquiridos portugueses tenciona votar favoravelmente no caso de haver referendo, enquanto 29 por cento são contra e cinco por cento dizem que não irão votar.» (Público de hoje.)

É bom estar na maioria, mesmo que seja para perder mais à frente. A União Europeia, enquanto não for sufragada pelo voto popular, tem um défice de legitimidade. Como os políticos estão a borregar, terão que ser os cidadãos a impôr o referendo ao tratado constitucional...

Ainda a aplicação do mesmo critério

No artigo em que analisei as habilitações académicas de José Álvaro Machado Pacheco Pereira, o leitor Ferreira Tadeu deixou o seguinte comentário (os sublinhados são meus).
  • «(...) Pacheco Pereira é Professor Auxiliar Convidado do ISCTE, o que é um facto extraordinário por se tratar de alguém que já estava na carreira docente, na mesma escola que o convidou! Como se convida alguém que já está dentro é um mistério das Universidades portuguesas, mas talvez Pacheco Pereira um dia nos ilustre, até pelo seu conhecimento de causa. A posição de Professor Auxiliar requer o doutoramento, coisa a que Pacheco Pereira se eximiu, não por falta de capacidade, vou adivinhar, mas talvez porque tivesse coisas mais importantes em que pensar, como escrever os posts do Abrupto e participar no Flash-Back. Creio ser aceitável - consideradas as fragilidades da protecção social aos docentes universitários que não pertençam ao quadro - que, esquecida ou adiada por incapacidade ou desinteresse a prestação da prova de doutoramento, se mantenha o vínculo entre escola e docente pelo recurso à figura de convidado desde que igualmente se mantenha a categoria. O que não consigo que me façam entender é que se receba como recompensa pelo seu desinvestimento objectivo na promoção na carreira uma posição de Convidado em categoria superior (com reflexos, está bom de ver, no seu vencimento salarial, que passa a ser de 82% do de um Professor Catedrático, em vez dos 64% que auferiria como Assistente).»

A ser correcta esta informação, o licenciado em Filosofia Pacheco Pereira é portanto Professor Auxiliar Convidado no departamento de Sociologia do ISCTE. Note-se que a posição de Professor Auxiliar é habitualmente reservada a doutorados. Ignora-se porque passou a Professor Auxiliar, se pelos méritos como investigador se pela sua carreira enquanto docente. Registe-se o que o próprio Pacheco Pereira afirmou, sobre as suas capacidades de docência, numa entrevista de 1994:

  • «Andei de escola em escola, fiz aquela diáspora dos professores, estive em Coimbra, em Trás-os-Montes, no Porto, mas, francamente, acho que não era bom professor.»

Pacheco Pereira não ocupa qualquer cargo político mas, enquanto mediocrata, tem mais poder do que alguns ministros. Não está desmentido que tenha escrito a sua própria página na wikipedia.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Armas

Jane Smiley, hoje, no HuffPo:

"Here's what I think about guns--guns have no other purpose than killing someone or something. All the other murder weapons Americans use, from automobiles to blunt objects, exist for another purpose and sometimes are used to kill. But guns are manufactured and bought to kill. They invite their owners to think about killing, to practice killing, and, eventually, to kill, if not other people, then animals. They are objects of temptation, and every so often, someone comes along who cannot resist the temptation--someone who would not have murdered, or murdered so many, if he did not have a gun, if he were reduced to a knife or a bludgeon or his own strength. I wish that the right wing would admit that, while people kill people and even an "automatic" weapon needs a shooter, people with guns kill more people than people without guns do."

A influência dos EUA sobre a Europa é imensa: do neo-conservadorismo até ao criacionismo, as correntes de pensamento mais estúpidas, mais disparatadas e mais disfuncionais da extrema direita americana acabam sempre nos jornais europeus como ideias a ponderar, propostas por um Dr. Arroja qualquer.

E eu estou sempre a ver quando é que os ingleses começam a reclamar o direito de ter armas, e depois os polacos, e depois os búlgaros, etc.

Revista de blogues (17/4/2007)

  1. «O Papa Bento XVI juntou-se ao crescente grupo dos que criticam a teoria da evolução sem perceber o que é a evolução, a teoria, ou mesmo a ciência (1). Os erros são os do costume. Antropomorfismo («quem é esta ‘natureza’ ou ‘evolução’ como sujeitos?»), confundir selecção natural com acaso, evolução como visando um propósito racional, e até a tal argolada de não poder ser provado porque não se pode fazer em laboratório. Esta merece um comentário. Não testamos uma ponte de três quilómetros num laboratório com rio, vento e tempestades durante trinta anos. A ciência permite extrapolar do estudo detalhado dos materiais a pequena escala o que vai acontecer à ponte mesmo antes de a construir. (...) Mas o que me traz aqui são as «diferentes dimensões da razão», uma ideia que este Papa gosta muito. (...) Não há várias dimensões da razão. Há apenas a necessidade de alguns de arranjar um cantinho onde esconder as suas superstições das evidências que as refutam. E isso não é razão; é precisamente o contrário.» («Dimensões da Razão», no Que Treta!)
  2. «O pensamento científico não parte deste ou daquele pressuposto para depois aceitar as suas consequências. Isso é o que faz o pensamento religioso: aceita, por exemplo, que um determinado livro tradicional, registo escrito de tradições orais anteriores, emana directamente de Deus — e raciocina a partir daí. Na ciência interroga-se tudo. Na religião aceita-se por fé mitos fundadores — que um homem nasceu de uma virgem, que esse homem depois de morto ressuscitou, no caso do cristianismo — cuja veracidade não pode ser colocada em causa sem se ser considerado blasfemo e contra a ortodoxia. Filosofar e fazer ciência é ser heterodoxo, interrogar e pôr tudo em causa. Dar respostas fechadas, que confortam os crentes, é o que faz a religião. São atitudes muito diferentes.» («Os pressupostos», no De Rerum Natura.)

A Europa do Vaticano

Há muito que o Vaticano sabe que não pode contar com os cidadãos. Ninguém quer saber dos mistérios da transubstanciação, nem se o Espírito Santo procede do Pai, ou do Pai e do Filho. Como dizia Edward Abbey, hoje em dia “the wise man gets by with fortune cookies”.

O poder do Vaticano depende portanto de alianças, sempre sinistras, com o poder: os políticos, a banca, os patrões da indústria, etc.

E o pior é que a História nos ensina que entre os políticos e o Vaticano não pode haver paz sustentável e que as coisas acabam sempre com guerras, ódios, ganância, tribalismo, corrupção, etc.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Libre Pensée: «De Roma a Berlim: Sempre a Europa vaticana»

«Após a ruidosa rejeição do projecto de Tratado Constitucional Europeu, em 2005, assiste-se hoje a uma nova tentativa de impor aos povos da Europa uma nova formulação constitucional. Foi nesse sentido que, a 25 de Março de 2007, Ângela Merkel apresentou uma declaração dos 27 países membros da União Europeia visando relançar “o processo constitucional” com termo em 2009.

No mesmo dia, a partir de Roma, Bento XVI lançava um apelo: “Não desarmeis nem vos deixeis desencorajar! Estais conscientes da tarefa de edificar, com a ajuda de Deus, uma nova Europa”. Um despacho de imprensa (ZENITH) publicava: “A Europa deve tomar consciência das suas próprias raízes cristãs e do papel público da religião: tal é a mensagem saída do congresso organizado pela Comissão das Conferências Episcopais da Comunidade Europeia (COMECE) que reuniu, em Roma, de 23 a 25 de Março, 400 participantes”.

Alguém célebre disse um dia que, sempre que a História se repetia, era uma primeira vez como tragédia e uma segunda como comédia. É evidente que nos vai ser representada de novo a cena a que já assistimos em 2005. O Vaticano e outros vão fazer uma forte campanha para reclamar a referência a Deus e ao Cristianismo no preâmbulo do projecto de constituição europeia para, desse modo, atrair a atenção das opiniões públicas.

Contudo, tal como em 2005, o conteúdo profundamente clerical do projecto constitucional da União Europeia não estará no preâmbulo, mas sim no corpo da própria constituição. Recordemos que, no anterior projecto, o artigo 70º previa a possibilidade de manifestação de pertença e as práticas religiosas no domínio público e que o artigo 52º conferia um privilégio exorbitante às Igrejas.

Torna-se, pois, evidente que a ausência de referência a Deus e ao Cristianismo na Declaração de Berlim não visa realmente afirmar que essa futura constituição não venha a ser clerical. Em 2005, o Cardeal de Viena, Christoph Schönborn, um dos principais responsáveis da COMECE, desvendava a manobra então em curso: “O preâmbulo da Constituição Europeia não constitui a questão essencial. O que é um preâmbulo? É um prefácio. A substância de uma constituição reside no que nela está realmente escrito e, desse modo, eu estou muito satisfeito por poder dizer que as opções fundamentais desta constituição [o projecto de 2005] são boas e aceitáveis de um ponto de vista cristão”.

Uma vez mais, pois, os bons povos da Europa vão ser distraídos com a questão do preâmbulo para mais facilmente se fazer passar a manutenção da dominação religiosa dentro da própria constituição.

Para mais, no Conselho da Europa desenha-se uma manobra complementar. René Van der Linden, Presidente da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, declarou, a 7 de Setembro de 2006, em Nijni Novgorod : “A acção Jurídica e política do Conselho da Europa deve-se reforçar pela cooperação com as Igrejas e os demais organismos confessionais… Não há nenhuma razão para nos opormos a que as Igrejas, tendo em conta a sua especificidade, tenham um estatuto oficial no seio do Conselho da Europa…

A esse respeito, podemos inspirar-nos no [projecto de] tratado da União Europeia que estabelece uma constituição para a Europa que sublinha o papel desempenhado pelas Igrejas e as organizações religiosas no processo de integração europeia e onde se aponta a necessidade de lhes reconhecer um estatuto oficial para reconhecer o seu contributo essencial…”

Como sempre, o Vaticano joga em dois tabuleiros. Seja pela União Europeia, seja pelo Conselho da Europa, a Europa vaticana continua a caminho. A Federação Francesa da «Libre Pensée» apela aos livres-pensadores, aos laicos e aos humanistas para que não baixem os braços. Em todos os países da Europa, permaneçamos vigilantes e preparemo-nos para a mobilização contra a Europa vaticana.



Por uma total liberdade de consciência,

pela separação das religiões e dos Estados!

Pela laicidade na Europa!

Actuemos todos, em conjunto!
»

(Recebido, por correio electrónico, da Libre Pensée; a tradução é deles.)

Revista de blogues (16/4/2007)

  1. «...ao preencher um qualquer formulário, não escrever, no campo da profissão, "Engenheiro", sendo aconselhável ficar-me por um "Licenciado em engenharia". ...pedir ao meu banco para retirar o "Eng." que, sem que alguém lhe pedisse, resolveu espetar antes do meu nome em tudo o que é correspondência e cartões Multibanco. ...verificar se a data que consta do meu diploma era algum Sábado, Domingo, Feriado, dia de ponte ou com tolerância de ponto.» («Não me posso esquecer de...», no Naïfismos.)
  2. «Depois de ler as avaliações dos Professores Doutores Diogo Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa sobre a prova oral do Engenheiro José Sócrates, podemos, finalmente, seguir o conselho do Senhor Presidente da República e tratar os problemas do país, dado que, atendendo à notícia hoje publicada pelo DN sobre a distribuição de títulos na Assembleia da República, onde apenas há onze doutorados, a esmagadora maioria dos actuais deputados lusitanos não poderia legalmente ser tratada por "sôtores", mas apenas por "senhores licenciados", de acordo com os rigores da lei vigente. Isto é, a esmagadora maioria dos representantes da nação, tal como a dos professores que temos, usurpa um título, dado que todos eles apenas têm licença para continuação dos estudos, de acordo com a etimologia e a designação institucional do canudo.» («O poder enlouquece, o poder absoluto enlouquece absolutamente», no Sobre o tempo que passa.)