quarta-feira, 18 de abril de 2007

O rei vai nu (mas muito bem vestido?)

O João Vasco abordou o célebre conto d´«o rei que vai nu», para concluir que «mesmo que alguns ateus digam "estão a ver coisas que não existem e a enriquecer o clero inutilmente" - muitas pessoas encaram isso apenas como uma limitação dos ateus, que não conseguem ter acesso à "dimensão espiritual"». Justamente. Uma das dificuldades fundamentais do diálogo com os crentes é justamente essa: embora o rei vá nu, eles insistem que vai muito bem vestido.

Geralmente, a situação é a seguinte: nós apresentamos provas de que a «ressurreição» é impossível, que a criação do universo por uma entidade consciente é disparate, e que «vida depois da morte» é um oxímoro. Em suma, explicamos que o rei vai nu. Eles respondem que não estamos abertos «à dimensão espiritual» em que eles vêem as roupas do rei que está nu, que milhões de pessoas ao longo dos séculos disseram que o rei estava vestido embora estivesse nu, que existem escolas (e até universidades) em que se estuda o tecido da roupa que o rei usa quando vai nu, o casaco, as calças e a camisa usadas pelo rei quando vai nu, as cuecas e os peúgos do rei quando vai nu, e até os formatos e as cores dos botões de camisa que o rei leva quando vai nu. Dizem-nos ainda, com deleite, que dezenas de teólogos discutiram apaixonadamente durante séculos se os botões da camisa que o rei usa quando está nu têm dois ou quatro buracos, e que esse debate é a maior prova da beleza e da própria realidade indiscutível das roupas que o rei usa mesmo quando está nu.

A verdade é que as crenças religiosas mais populares não são «sofisticadas», «filosóficas» ou particularmente complexas. São ideias bastante simples, até enternecedoras na sua ingenuidade. Por muito protegidas que as roupas pareçam estar pelas «universidades» de teologia e pelas toneladas de papel não reciclado que se gastaram a discuti-las, a verdade é que o rei vai mesmo nu.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

1 comentário :

Anónimo disse...

a criação do universo por uma entidade consciente é disparate

Oh! Is it... really... really... REALLY?!?!?!?!

Há, para além de muitas outras claro, uma "pequena" dificuldade na abordagem destes temas transcendentes ou para além do universo científico, digamos. É que eles são quase sempre apresentados com a roupagem da teologia ocidental judaico-cristã, no fundo a única que bem compreendemos.

Ora, raros terão sido os cientistas contemporâneos - desde inícios do séc. XX - que entabularam algum paralelismo profundo entre a realidade que a ciência ia descobrindo e aquela que as religiões do "Livro" de há muito consagram no seu paradigma do divino.

Mas, curiosamente, essas comparações já existem em muitíssimo maior grau com as especulações religiosas e metafísicas do Antigo Oriente, o que não deixa de ser intrigante. E, mais do que isso, cientistas contemporâneos de renome, independentemente de crenças religiosas ou espirituais, têm colocado algumas surpreendentes hipóteses em que a "consciência primordial" desempenha um papel central no aparecimento ou explicação deste universo.

Enfim, interessante, no mínimo... Logo, eu não afirmaria assim com tanta certeza que a "criação consciente" é um disparate. Pelo menos, a "ex-nihilo" já não é, o que constitui uma notável aproximação ou coincidência com os tais conceitos ancestrais religiosos, não é isso surpreendente?!

E se o Universo surgiu do NADA... o que haverá para além da matéria/energia então criada?!?!?!

Again... more food for thought, that's all! For round and round spins this Gaia ball!!! :)