quinta-feira, 26 de abril de 2007

Hélio Schwartsman: «O mau selvagem»

«O homem é originalmente bom; é a sociedade que o corrompe. Trata-se sem dúvida de uma das maiores bobagens já proferidas na história da humanidade. O problema não é tanto que o bom Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) tenha concebido mais essa idéia maluca, mas sim que pessoas importantes nos meios intelectuais tenham acreditado nela ao longo de mais de dois séculos. Pior, ainda há quem ache que o cidadão genebrino está certo.
Não me considero um pessimista --muito pelo contrário, como se verá--, mas basta dar uma olhadela à nossa volta para chegar empiricamente à conclusão oposta: o homem é um bicho naturalmente ruim. Como ocorre com a maioria dos animais, coloca seus interesses acima de tudo e não hesita em usar a violência para impor sua, digamos, visão-de-mundo aos demais. Se há um rival no seu caminho para copular com uma fêmea, tende a aplicar a solução mais simples, que é eliminar fisicamente o comborço - desde que tenha, por suposto, os meios para tanto. O mesmo vale em relação a uma carniça de cabrito, uma framboesa madura ou qualquer outra iguaria pré-histórica.

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E não parece haver muitas dúvidas de que essa seja uma disposição natural.
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Antes de prosseguir, peço que não me interpretem mal. Individualmente, somos todos capazes de atos de profundo e vil egoísmo, mas também de gestos daquilo que alguns chamariam de amor desinteressado.
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A boa notícia é que, apesar de nossa natureza maligna, estamos aprendendo a nos conter. Há cerca de um mês, o psicólogo evolucionista Steven Pinker publicou na revista norte-americana "The New Republic" o artigo intitulado "Uma História da Violência" (o texto pode ser acessado no site da Fundação Edge), no qual pincela evidências de que, considerada a série histórica, estamos nos comportando melhor. Este é um tema caro a Pinker, que também o aborda em seu livro "Tabula Rasa" (este disponível em português).
Muito provavelmente por influência de Rousseau e alguns outros pensadores de esquerda, o "establishment" científico costumava ver as guerras do passado como menos mortíferas do que as modernas. Alguns pesquisadores chegaram a afirmar que os conflitos na Idade da Pedra eram apenas "simbólicos", e antropólogos "encontraram" povos que não "conheciam" a violência. Bobagem, é claro. Convicções podem facilmente nos cegar para a realidade. Novos dados e análises, produzidos por autores como Lawrence Keeley e Stephen LeBlanc, mostram que os homens se massacram desde sempre e que antes o faziam com muito mais afinco.
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Ocorre, entretanto, que os confrontos tribais do passado eram não apenas mais freqüentes que as guerras modernas como também matavam porcentagens muito maiores das respectivas populações. Se as taxas de morticínio verificadas entre os "bons selvagens" fossem aplicadas ao século 20, o saldo de óbitos excederia facilmente aos 2 bilhões.
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Provas extras de que estamos nos saindo melhor incluem a virtual extinção da escravidão e do sacrifício humano. Também estão em baixa em praticamente todos os sistemas jurídicos do mundo a tortura e mutilações. A própria pena de morte, embora ainda esteja longe de acabar, já não é em nenhum lugar aplicada para delitos menores ou crimes de opinião, ao contrário do que ocorria até um passado recente. As próprias guerras deixaram de ser vistas como meio legítimo de conquista de território ou propriedade.
Por que essas coisas estão acontecendo? Ninguém sabe ao certo, mas podemos pelo menos especular. Dá para, desde já, descartar mudanças naquilo que se convencionou chamar de natureza humana. Elas podem até estar ocorrendo, mas seus efeitos só seriam perceptíveis na escala das muitas dezenas de milhares de anos, não na de séculos.
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A linha de explicação que me parece mais convincente é aquela pela qual estamos equipados não apenas com meios de matar nossos semelhantes mas também com instrumental para colaborar com eles. Num contexto de anarquia, no qual o pressuposto é o de que todos tentarão a todo instante tomar o que é meu, a lógica recomenda que eu me antecipe a esses ataques, lançando-me contra meus vizinhos antes que eles o façam. Se, por outro lado, eu consigo estabelecer com meus próximo uma política de cessação mútua de hostilidades, nós podemos facilmente evoluir para uma situação de cooperação. Aqui, cada um de meus vizinhos deixa de ser uma ameaça para tornar-se aliado potencial na hora de construir um açude ou criar um sistema de defesa contra outras tribos. Redes cooperativas são tão eficientes que atingem muito rapidamente o ponto de fixação.
Ao que parece, cada vez mais grupamentos humanos estão conseguindo passar da barbárie para um estado de relativa organização social. Um bom indicativo disso seria a constante queda das taxas de criminalidade nos países desenvolvidos. Para que possamos viver sem tanto medo, concordamos todos em abrir mão do direito de atacar primeiro em favor de uma autoridade maior --o Estado--, que passa a ser o único autorizado a usar da violência de forma legítima. Hobbes, e não Rousseau, estava certo.
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Seria importante, como quer Pinker, tentar descobrir com mais detalhe o que fizemos de certo ao longo dos últimos séculos para reduzir a violência. Saber exatamente o que está acontecendo seria uma forma de nos conhecermos melhor, além de aumentar nossa capacidade de preservar a paz. Seja como for, podemos desde já descartar a idéia rousseauniana de que é a sociedade quem corrompe o homem. As evidências disponíveis apontam exatamente o contrário: é a civilização que está conseguindo tornar o homem um bicho menos ruim.»
(Hélio Schwartsman na Folha de S. Paulo.)

4 comentários :

Miguel Madeira disse...

"Seria importante, como quer Pinker, tentar descobrir com mais detalhe o que fizemos de certo ao longo dos últimos séculos para reduzir a violência"

Uma hipótese alternativa à "explicação Hobbes" é que temos uma melhor medicina do que há uns séculos, logos há menos mortos nas guerras (passam a feridos) e temos menos homicídios (passam a "tentativas de homicidio")

Filipe Castro disse...

Uma das taxonomias entre esquerda e direita - simplista, como a maioria das taxonomias - estabelece que a esquerda acredita que as pessoas sao boas e a verdade liberta, e a direita acredita que as pessoas sao intrinsecamente mas e precisam de ser controladas e reprimidas para evitar os problemas que inevitavelmente decorrem da liberdade.

Hobbes era um bocado paranoico e como cresceu em Inglaterra, no inicio do seculo XVII, nunca viu uma pessoa civilizada na vida. Como tantos ingleses antes e depois dele, confundiu a Inglaterra com o mundo :-)

Ricardo Alves disse...

Miguel Madeira,
as armas hoje são mais eficazes: os «mutilados» passaram a mortos, e desde que há bombas a guerra passou a ser industrial. Por isso, esse argumento não colhe.
A diferença é que hoje existe uma cultura de repúdio pela violência e pela guerra que não existiu ao longo da maior parte da história da humanidade.

Filipe,
eu acho que o ser humano não é naturalmente bom nem mau. Como os outros animais, aliás. A diferença é que temos uma cultura complexa que codifica o que é «bom» e «mau».

Anónimo disse...

A Bíblia fala da queda do ser humano. Com o pecado vio a morte e o sofrimento. Todos somos pecadores. Para a Bíblia, o ser humano é decaído e precisa de um salvador. Jesus Cristo, o Criador em pessoa, encarregou-se de morrer pelos pecados do homem há dois mil anos, nos arredores de Jerusalém. Ele promete vida eterna a quem aceitar que Ele pagou o castigo dos seus pecados. Jesus disse que quem crêr nele será salvo e quem não crêr já está condenado.