sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Questão a propósito dos dividendos

Gostaria de pôr uma questão a quem defende a (lamentável) tomada de posição do PS relativamente à iniciativa do PCP da tributação de dividendos, como o meu amigo Tiago Barbosa Ribeiro, que como se vê gosta desta notícia através do Facebook (onde aliás já debatemos esta questão).
Defende-se que, ao antecipar a distribuição de dividendos, as empresas seguem a lógica de qualquer outro agente quando enche o seu depósito antes de uma subida do imposto sobre combustíveis ou quem antecipa a compra de bens antes de uma subida do IVA.
Pois bem, s, suponhamos que o meu IRS vai ser aumentado em 2011. Por essa ordem de ideias, por que é que eu não posso pagar já o meu imposto, à taxa de 2010?

12 comentários :

João Vasco disse...

Pela mesma razão que não posso pagar o IVA sem ter comprado os bens. Mas posso antecipar a compra sabendo que o IVA vai subir.

O análogo seria trabalhar mais em 2010 e menos em 2011, e isso deve ser possível.

Na verdade não estou nem um bocadinho indignado pelo facto das empresas quererem antecipar os dividendo para antes do aumento dos impostos. É normal que queiram maximizar os seus lucros, e ao estado e aos cidadãos cabe agir sabendo que é essa a sua natureza - daí serem ridículas as "regulamentações voluntárias" de Bush, etc...

Em vez de indignação pela antecipação dos dividendos, que tal aumentar os impostos que efectivamente a banca paga, que tal taxar com mais severidade os prémios de gestão acima de determinado valor, que tal implementar um imposto sobre as grandes fortunas, que tal aumentar o imposto sobre as mais valias bolsistas?

Tudo isto sem efeitos retroactivos!

Miguel Carvalho disse...

Estou com o João, e acrescento mais um exemplo, o Imposto Automóvel.

Sempre que há subidas no IA, há aumentos de 40% nas compras de automóveis nos meses anteriores.

Ainda há umas semanas vi uma publicidade que mencionava explicitamente o aumento fiscal, para vender já não sei o quê. Não vi ninguém queixar-se disto.

Filipe Moura disse...

João Vasco, nada do que propões invalida o taxar-se os dividendos à taxa do ano em que costumam ser distribuídos. Dizes que é essa a "natureza" das empresas: então a natureza do capitalismo é muito má. Naquelas empresas não se sente crise nenhuma, e não mostram sensibilidade nenhuma para quem a sente. Os governos existem para atuar nestas ocasiões.

Miguel, isso são peanuts comparados com os valores em questão, nomeadamente da PT.

Miguel Carvalho disse...

Filipe,

sabes bem que a questão não era quantias, mas sim, como tu dizes, a "natureza" da anticipação.

João Vasco disse...

Filipe Moura:

Acho que existe um problema de princípio com leis retroactivas.

Se as pessoas costumam comprar os carros em Janeiro, e o imposto automóvel vai subir para o ano, claro que estão no seu direito de o comprar em Dezembro. Não importa qual a sua situação económica.

Quanto às empresas, elas não são imorais - são Amorais. São instituições que têm como objectivo o lucro dos accionistas, não são instituições de caridade. Se o director de uma empresa opta por não antecipar os dividendos, prejudicando os accionistas no processo, está simplesmente a ser profissionalmente incompetente.

As empresas são instituições Amorais que tanto podem fazer mal como bem, consoante o quadro legislativo que existe, e consoante a forma como o mesmo é aplicado. Por isso é que a sua actividade deve ser regulamentada e fiscalizada. Para que, caso cumpram a lei, por muito que o seu objectivo seja estritamente o lucro dos accionistas e nenhum outro, não prejudiquem a sociedade no processo de o atingir.

Mas acredito que existem muitas formas legítimas e recomendáveis para o estado conseguir chegar a este ponto. Leis retroactivas não é uma delas. Isso vai prejudicar a confiança, o investimento, e o emprego.

Miguel Carvalho disse...

João,
boa definição. Do ponto de vista moral, não vejo nenhuma diferença entre um indivíduo que tem como objectivo o seu rendimento e bem-estar, e uma empresa que tenha como objectivo o seu rendimento - claro está, desde que dentro dos parâmetros legais.
Cabe ao Estado orientar este comportamento para o bem comum.

João Vasco disse...

« Leis retroactivas não é uma delas»

ups!

não são.

Filipe Moura disse...

João Vasco, se isto ia prejudicar "a confiança" dos capitalistas, a decisão que foi tomada afeta mais uma vez a confiança dos portugueses nas suas intituições, governo e empresas.

Uma empresa é amoral (para que precisamos delas então?), mas um governo deve ser moralizador. E esta decisão é imoral.

Miguel, "Cabe ao Estado orientar este comportamento para o bem comum." Pois, o bem comum, não o bem dos acionistas.

João Vasco disse...

«João Vasco, se isto ia prejudicar "a confiança" dos capitalistas, a decisão que foi tomada afeta mais uma vez a confiança dos portugueses nas suas intituições, governo e empresas.»

Discordo.
Acredito que leis retroactivas é que afectam a confiança nas instituições.
Respeito pela lei vigente não deve afectar a confiança de ninguém.


«Uma empresa é amoral (para que precisamos delas então?)»

Porque no processo amoral de criar lucro aos accionistas, com o quadro legislativo certo e a devida fiscalização, podem favorecer o bem comum.

«mas um governo deve ser moralizador. E esta decisão é imoral.»

É imoral responder a essa decisão mudando a lei com efeitos retroactivos.

Filipe Moura disse...

Há aqui um conflito de morais. Concordo que é imoral mudar-se uma lei com efeitos retroativos, mas neste caso concreto trata-se de uma lei mal feita. A correção parece-me moralmente bem. O resultado final deste caso é que não é nada moral.

Miguel Carvalho disse...

Uma notícia imoral:

http://economico.sapo.pt/noticias/como-aproveitar-os-ultimos-dias-do-incentivo-ao-abate_106832.html

Filipe Moura disse...

E que dizer dos medicamentos, Miguel? O preço dos medicamentos vai baixar até ao final do mês. Já se receiam faltas de medicamentos.

Não percebo como podes comparar peanuts como estes como uma empresa como a PT. Tal como têm que pagar salários nos dias certos, as empresas também deveriam ter de pagar dividendos (se os pagassem) sempre num dia certo (acabava-se o "argumento" da "retroatividade", assim tudo entre aspas). Ms eu tenho uma forma de encarar as empresas provavelmente muito diferente da vossa.