quinta-feira, 29 de abril de 2010

Bancarrota

Há uns dias atrás começou-se a falar de Portugal como sendo a «nova Grécia». A tese surgiu algures num artigo no financial times, e depois foi muito repetida, até culminar na revisão da classificação do risco associado à nossa dívida por parte da Standard & Poor’s.

Entre os opositores a esta tese, ouvi falar em «ataque especulativo», e outro tipo de acusações e insultos próprios de quem não tem argumentos. E se a agência de rating estivesse simplesmente a dar a classificação adequada às circunstâncias em que nos encontramos? E se o artigo simplesmente descrevesse adequadamente a nossa situação?

Em vez destas acusações, que fazem quem está fora do assunto suspeitar que reflectem um estado de negação, faria mais sentido repetirem, a alto e bom som, os factos: em 2009 a dívida pública de Portugal correspondeu a 76,8% do PIB. A média da Zona Euro é de 78.7% do PIB.

A nossa diferença em relação à Grécia não é apenas não termos recorrido a uma desorçamentação fraudulenta das nossas contas. É principalmente a de, ao invés de sermos o segundo país com o valor mais alto para a dívida (a Grécia só é ultrapassada pela Itália na Zona Euro), termos um valor abaixo da média. Repito: abaixo da média da Zona Euro.

Quando contei isto às pessoas com quem me dou, dado tudo o que se tem ouvido e dito ultimamente, não queriam acreditar. Pois bem, aqui está o relatório da Eurostat onde estes valores se encontram.

9 comentários :

João Vasco disse...

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António Parente disse...

Caro João Vasco

Há um problema no seu teclado: apareceu escrito "fraudolenta" quando normalmente estaria "fraudulenta". Vai ver, alguém maldoso entrou no seu computador e trocou o "u" pelo "o". Adiante.

As previsões apontam para que o défice deste ano atinja 86% do PIB e em 2012 cerca de 90%, já com as medidas do PEC. O problema está em que se não tomar medidas, o défice cresce de tal modo que um dia a receita dos impostos não dá para o pagar.

Este ano, Portugal precisa de 24 mil milhões de euros para cobrir o défice orçamental e refinanciar a dívida (números do IGDP). Os países também podem falir, tal como as empresas e as famílias. Tudo seria mais simples se tivéssemos uma fábrica de notas e mandássemos imprimir sempre que fosse necessário mas chegou-se à conclusão que ninguém sairia beneficiado.

João Vasco disse...

António Parente:

Quanto ao erro ortográfico, agradeço o aviso. Foi um lapso e vou já alterar o texto.

Aproveito para alertar também para um lapso no seu comentário: confundiu o défice orçamental com a dívida pública. O défice não ultrapassou os 10% e de acordo com o PEC diminuirá até estar abaixo dos 3% em 2013.

É verdade que se prevê que a dívida pública suba nos próximos anos. Mas isso não é novidade, visto que muitos dos países com dívida superior à nossa tiveram e terão previsivelmente um défice superior.

Quando se houve o que tem sido escrito e dito não parece que a nossa dívida esteja abaixo da média da Zona Euro. Mesmo com o aumento que se prevê, que aliás se prevê em todo o lado, Portugal vai estar aquém daquilo que outros países como a Bélgica e a Itália têm hoje(!) de dívida. Isto para não falar na Grécia, cuja dívida é quase o dobro(!) da nossa. E não vai diminuir com o empréstimo em cima da mesa, pelo contrário.

Se quer um conselho de quem tende a acertar neste tipo de apostas, aposte nos CDSs de Portugal. Portugal não vai falir, e o António ainda vai ganhar muito dinheiro pelo caminho. A Standard & Poor’s farta-se de se enganar, como esta crise bem mostrou.

António Parente disse...

Caro João Vasco

Obrigado pela correcção do lapso: é mesmo dívida pública.

Estou de acordo consigo: Portugal agora não vai falir.

Os cds's são apenas para investidores institucionais e exigem bastante capital.

Normalmente aposto nos warrants, um produto alavancado para investidores não profissionais.

João Vasco disse...

António:

Eu estava a brincar quando disse para comprar CDSs. É a mesma força de expressão que usei quando, logo a seguir à crise disse: "comprem muitos barris de petróleo". Mas não comprei nenhum, nem sei como o fazer. Mas tinha razão - teria duplicado o capital investido.

Por esas e por outras é que no «Trocas de Opinião» já multipliquei por 4 os trocos com que entrei.

Mas é neste tipo de pânicos irracionais que se fazem boas compras ou boas vendas. E aquilo que me parece é que, dados os valores concretos e objectivos em causa, muito do que tem sido dito e escrito sobre Portugal são pânicos irracionais.
Modéstia à parte, acho que tenho olfacto para lhes sentir o cheiro, e agora tresanda.

Acho mesmo que a profecia apocaliptica é tão desajustada, que nem terá força para se tornar verdadeira. Não vai ser daquelas auto-concretizadas. As espectativas têm poder, mas só se os dados as permitirem manter-se bastante tempo como credíveis.

Anónimo disse...

Aliás, os CDS são outra grande diferença entre a Grécia e Portugal. Lá, ninguém iria contar com o Estado para segurar a economia.

João Vasco disse...

http://jugular.blogs.sapo.pt/1834766.html#comentarios

Anónimo disse...

Os países nunca falem, o que podem é deixar de conseguir pagar as suas dívidas. O que está a acontecer com Portugal aconteceu com aquela que foi uma das mais prósperas e saudáveis economias do mundo: a Argentina.
Aconteceu qoe duas ou três décadas de peronismo estatista e megalómano, como um Estado de ano para ano mais gordo e absorvente da riqueza levaram o país ao esgotatmento. Hoje a Argentina vai-se arrastando. Com a Grécia vai acontecer o mesmo. Com Portugal e Espanha também.
Alguns destes países talvez tenham a fibra moral para iniciar uma cura de emagracimento do Estado gordo e comilão. No entanto, sendo países com uma cultura religiosa, o mais certo é continuar a esperar pela salvação que o Santo Estado nos trará do que em salvarmo-nos a nós mesmos, única forma de salvar o país.

João Vasco disse...

Anónimo:

Obrigado por partilhar connosco as suas convicções profundas sobre o "estado comilão" raiz das nossas desgraças.

Só é pena que os factos o desmintam. Portugal é um país onde o peso do estado está na média da UE e da Zona Euro.

Aliás, a crítica que fazia à esquerda, de discutir este assunto com base em demagogia ideológica (os malvados especuladores) em vez de factos, aplica-se perfeitamente, no outro lado do espectro, à sua intervenção.

E que tal se em vez de papaguear slogans, se discutissem os factos?