«É, apesar de tudo, injusto dizer que a esquerda portuguesa não consiga estar de acordo. Para dar um exemplo, perguntemos por que não consegue a esquerda portuguesa convergir e a resposta vem pronta: a culpa é do outro partido.
O Partido Socialista dirá, como quem constata uma evidência, que PCP e Bloco estão arrinconados numa confortável posição de protesto e que evitam, ao mínimo pretexto, implicar-se numa governação do país que seja pragmática.
Bloco e PCP dirão que o PS deriva para o centro quando está no governo, quando não aplica medidas que parecem ter saído direitinhas do manual da direita. Apontam para o legado de Sócrates e perguntam se alguém no seu perfeito juízo poderia esperar que fossem eles a salvá-lo.
[...]
Não se pode fazer convergência com quem é, no fundo, o aliado objetivo da direita. E quem é o aliado objetivo da direita? A resposta é simples: o outro partido. É mais do que claro que o PS é aliado objetivo da direita: não o viram assinar o acordo da troika? Entra pelos olhos adentro que o Bloco e o PCP são aliados objetivos da direita: não os viram deitar o governo abaixo?
[...]
Porque a esquerda, na origem, é uma aliança. Mais do que uma doutrina ou uma ideologia, a esquerda é a aliança daqueles que não são ricos nem poderosos. A esquerda é uma aliança de pessoas livres e iguais, fraternas entre si na mesma dignidade.
Sendo os ricos e poderosos naturalmente poucos, a esquerda terá de ser, para ter força, a união dos muitos. E esses muitos são — como é evidente — muito diferentes uns dos outros. Não são, não podem ser, todos da mesma seita. Não têm, e não podem ter, todos os mesmos objetivos de futuro, a mesma visão do mundo, ou o mesmo estilo de vida. Isso é impossível, e a esquerda que é esquerda luta para que isso seja impossível, e para que ainda assim haja unidade entre os muitos, os que não são ricos nem poderosos, os que se arriscam a ser lixados se não souberem fazer uma aliança. [...]»
Com uma maioria sociológica de esquerda, só esta luta fratricida entre os partidos da Esquerda explica o mais recente desastre eleitoral.
10 comentários :
fratricida?
fra ti sida?
fratrias? ou fatias?
"Maioria sociológica de desquerda" é bonito. Afinal, quem, dentro dessa potencial ou eventual "maioria", se afastou há muito da esqurda?
«fratricida?»
Era isso mesmo, foi uma gralha. Já fiz a alteração.
platao:
«E quem é o aliado objetivo da direita? A resposta é simples: o outro partido. É mais do que claro que o PS é aliado objetivo da direita»
Este texto foi escrito por um eurodeputado do BE, e está particularmente lúcido na capacidade de entender perspectivas alheias, na humildade de compreender que as alianças alargadas - necessários num contexto democrático para que as ideias da esquerda se traduzam em medidas concretas - exigem compromisso. Exigem aceitar as diferenças, exigem aceitar que as coisas não sejam da maneira que idealizaríamos.
Se o PS é um partido tão, tão, tão, tão de direita, então os portugueses claramente querem um governo de direita por terem votado 3/4 em partidos tão à direita. Desiste-se então de tentar governar, e espera-se por melhores dias, quando BE e CDU possam ter cerca de 50% dos votos ou deputados. Eu esperaria sentado.
E depois há o pequeno detalhe de BE e CDU nem sequer terem conseguido fazer uma coligação pré-eleitoral entre eles, que muito teria favorecido a esquerda nestas eleições.
divisões devem-se esbater
é necessário cortar nos previlégios do estado sem cortar nas pessoas
especialmente nas que ganham menos de 1000 por mês
agora há que racionalizar recursos
quando um procurador tem uma agenda e um oficial de justiça outra
quando um gadjo numa empresa pública e um sub-director na mesma recebem brindes de sítios diferentes
a duplicação de encomendas leva a problemas de excessos que vão desaparecendo via mão leve de funcionários mal pagos
entre os 1500 e os 2500 por mês
é nestes tostõezinhos que se vão os anéis e os contos de réis
a CP faz um trabalho de importância social tremenda
quem levava aquelas 3 velhotas e os 4 turistas e mais os 7 dos gangs do vale da amoreira até ao lavradio se nã houvesse comboio?
o revisor nem pediu bilhete
infelizmente pediu às velhotas gente mai necessitada
greve geral permanente...já faltou mais
e quando só houver escudos vai ser mais fácil
se nã houvesse
obviamente a Mota-Engil a SLN e outras também deviam levar por tabela
mas o $ anda desde N.Y. às islas Caimão e New Zeland
hacer o quê né
racionalizar com PCP e BE a gritarem por uma constituição copiada do século XIX e com mais acrescentos que a tornam ilegível
os ingleses perduraram 3 séculos in semi-democracia sem constituições e sem Blocos
o mundo muda há que saber adaptar-se
O que se passa com a dita esquerda tem a ver um pouco com a história do mundo, das corporações e ideologias.
Durante o seu início representava (ou reinvidicava) defender os mais desfavorecidos mas hoje quando vemos certas atitudes das centrais sindicais (como aquela de os funcionários públicos são quem paga a crise) há que reconhecer que alguns poderes instalados são defendidos também à esquerda.
Quanto ao BE, estou de acordo em muitas coisas que eles afirmam sobre remunerações em organismo públicos e trocas de influências.
Mas será que aqueles ataques desenfreados ao Capital iriam dar alguma coisa de bom?
João Moutinho:
Eu pessoalmente não sou contra a economia de mercado ("capitalismo"?), e é verdade que muitas pessoas no BE são, e naturalmente discordarei delas.
Mas a deriva para a direita do nosso espectro partidário foi de tal forma completa, que quando olhamos para os programas eleitorais de BE e PCP nos últimos anos, vemos lá programas sociais democratas.
São partidos cheios de comunistas, sim, mas as propostas destes partidos já são sociais democratas.
O BE e o PCP são hoje aquilo que o PSD era nos anos 70, com a diferença que os restantes partidos com representação parlamentar estão todos à direita (ao contrário do que acontecia com o PSD).
Nesse sentido, não me parece que a maioria das propostas do BE fossem "ataques desenfreados ao Capitalismo". Aumentar um imposto sobre a grandes fortunas aqui, o IRC efectivo sobre os bancos ali, e a economia de mercado aguentava, como aguentou nesses anos em que a economia Portugal crescia bastante, mesmo com a GALP e outras tantas nacionalizadas.
Sobre os sindicatos, creio que ironicamente o nosso problema é uma taxa de sindicalização muito reduzida.
Isso tem duas consequências negativas: sindicatos fracos, e extremistas.
Extremistas, porque quando só 15% dos trabalhadores está sindicalizado, não são trabalhadores ao acaso. Com maior probabilidade são aqueles com uma posição de princípio contra a economia de mercado, menos abertura para o compromisso e negociação.
Assim, com uma taxa de sindicalização tão baixa Portugal tem o pior dos dois mundos: tem enormes desigualdades de rendimento (das maiores da Europa), pois os sindicatos são fracos.
Mas tem greves a torto e a direito, que incomodam muita gente e trazem poucos benefícios, pois os sindicatos estão pouco abertos à negociação.
Os sindicatos suecos, onde existe uma taxa de sindicalização de 70%, podem convocar muito poucas greves - preferem negociar - mas o medo de que o façam, sendo uma instituição poderosa, é suficiente para que as suas pretensões sejam levadas a sério pelo patronato, o que acaba por levar a um menor grau de desigualdades na Suécia, e por consequência a uma maior qualidade de vida.
"arrinconados" tb deve ser gralha. senão, é lindo, lindo
João Vasco
Não deixo de concordar consigo em muita coisa e de forma alguma regozijo com o que foram as "parcerias" na Saúde e outras - ou as passagens dos Hospitais SPA para SA - agora EPE.
Mas o imposto sobre as grandes fortunas parece-me uma brincadeira de mau gosto - vejo-a com impraticável.
Quanto à sua análise sobre o peso sindical, concordo consigo. Mas vejo-a também como um exemplo da cristalização da esquerda e da má distribuição do seu poder.
Segundo o meu singelo entendimento o peso sindical dever-se-ia sentir essencialemente no sector privado. privado
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