segunda-feira, 6 de junho de 2011

Não compreendo

O texto que se segue reflete com certeza alguns preconceitos ideológicos. Posso ser parcial, mas não quero deixar de exprimir o meu ponto de vista.



Do que eu me posso recordar, o primeiro governo de maioria absoluta de Cavaco Silva empreendeu uma revisão constitucional que, entre outras coisas, permitiu abrir a economia portuguesa à iniciativa privada. A partir daí creio que se foi muito mais longe do que se deveria, tendo-se privatizado setores estratégicos de que o estado nunca deveria ter aberto mão. Mas reconheço que, provavelmente, naquela altura haveria um excesso de presença do mesmo Estado na economia. Embora lamente que se tenha ido tão longe, admito que alguma coisa teria que ser feita. Em particular na comunicação social: embora ache indispensável uma RTP pública, foi muito positivo aparecerem canais privados de televisão.
No governo de Cavaco Silva também se construíram infraestruturas. O tão maldito Centro Cultural de Belém faz hoje parte do património de Lisboa, mas falemos de vias de comunicação. Uma vez mais foi-se muito mais longe do que se deveria, e hoje somos (relativamente) o país com mais autoestradas da Europa, muitas delas desertas a maior parte do tempo, cuja manutenção custa um dinheirão e que, provavelmente, nunca deveriam ter sido construídas. Mas até 1991 as duas principais cidades do país não estavam ligadas por autoestrada. Era evidente uma necessidade de melhoria de infraestruturas, e o primeiro governo de maioria de Cavaco Silva teve esse mérito.
Finalmente, não sei precisar mas tenho ideia de que muitos idosos sem nenhum apoio ganharam uma pensão com este governo de Cavaco (ou viram-nas substancialmente aumentadas). Perdoem-me mas desconheço os pormenores. Mas tenho ideia de que há aqui mérito do governo.



Passámos de seguida para o último governo de Cavaco Silva. Não me recordo de nenhuma medida positiva deste governo que mereça entrar na história.





De seguida entrámos nos governos de Guterres. É verdade que provavelmente foram governos de oportunidades perdidas, em parte pelo estilo do primeiro ministro, e em parte por nunca terem tido uma maioria absoluta. Mas muita coisa positiva há a registar, e não só a Expo 98 e tudo o que isso trouxe de positivo para a autoestima nacional. Houve mais infraestruturas, mais autoestradas (provavelmente começaram aqui os exageros), mas contruiu-se a ponte Vasco da Gama e o comboio na ponte 25 de Abril (não havia ligação ferroviária entre Lisboa e o sul do país). Comboio esse que, na sua vertente urbana, foi logo mal entregue a um concessionário privado. Aliás, desenvolveram-se as (ruinosas) parcerias público-privadas com empresas de regime. Mas foi criado o rendimento mínimo garantido. Houve pela primeira vez ministérios da Cultura e da Ciência, onde foi criada a Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Só quem está dentro do sistema científico pode avaliar a revolução que constituiu a Fundação para a Ciência e Tecnologia, na atribuição de bolsas (com um desconto para a Segurança Social, miserável, sobre o salário mínimo e não sobre o valor real da bolsa, é verdade, mas antes disso não havia nada), no financiamento e sobretudo na avaliação da ciência portuguesa de acordo com regras e padrões internacionais.



Veio de seguida o consulado Durão Barroso/Santana Lopes, com maioria parlamentar. Uma vez mais não me recordo de nenhuma medida positiva destes dois governos que mereça ficar na história.



Chegados enfim a Sócrates. Que balanço temos? Uma grave crise financeira, é verdade, mas tivemos, graças à maioria absoluta, reformas importantes e estruturantes na Segurança Social e no Serviço Nacional de Saúde (de forma a garantir a sua sustentabilidade). Tivemos reformas importantes também no setor escolar público, nas infraestruturas (embora tenham sido realizadas pelas empresas do costume), mas sobretudo na avaliação dos professores. Mesmo que o sistema estivesse longe de ser perfeito, a medida em si era uma reforma importante e revelava uma política de combate (é mesmo o termo) às corporações que em Portugal é muito necessária. Esse combate às corporações também foi ensaiado timidamente na justiça, e pouco mais.
Tivemos uma política de energias renováveis elogiada em todo o mundo e, na ciência, continuou o desenvolvimento sustentado que vinha de Guterres (com interregno e recessão no governos de direita). Pela primeira vez Portugal apresentou valores de produção científica dignos de um país desenvolvido. De um modo geral, palavras como qualificação e desenvolvimento não eram chavões, mas medidas concretas. Para concluir, foi com estes governos que foi legalizada a interrupção voluntária da gravidez e o casamento de homossexuais.



Compreendo perfeitamente que os portugueses estejam fartos deste PS e de José Sócrates, tendo em vista o estado de ruína financeira do país e do Estado, e a uma crise que não afeta todos nem está a ser paga pelos mais fortes. Mas, com base neste balanço histórico dos últimos 20 anos, não compreendo como pode o povo português votar na direita. Não compreendo.

1 comentário :

Ricardo Alves disse...

Filipe,
dois terços do país detestam Sócrates. Queriam livrar-se dele, mais nada. E fizeram-no votando no outro partido que podia chegar ao governo.

Quanto ao resultado do BE, esse sim merece uma reflexão aprofundada. Conseguiram pagar por «apoiar» Sócrates e por «não apoiar» (sempre que digo isto em post, há comentários a provar que esses dois grupos existem).