quarta-feira, 15 de junho de 2011

«Indignados», um movimento contra a democracia

Começaram por ocupar as praças, para discutir pacificamente. Mas começaram a achar-se donos delas e agora atacam um parlamento legitimamente constituído tentando impedi-lo de se reunir. Em Barcelona e noutros locais de Espanha está-se a verificar como o movimento da «democracia real», apesar das boas intenções de muitos, pode descambar facilmente no ataque à democracia realmente existente, a que depende do voto secreto, regular e livre da pressão de grupo. Ao quererem deslegitimar a representação, estão a acabar por se deslegitimar a si próprios.

11 comentários :

zorg disse...

Eu não sei se a questão será assim tão simples como isso.

Pode argumentar-se que a democracia, para ser legitima, precisa de mais do que a auto-legitimação. Precisa nomeadamente, que exista um contrato de boa-fé entre eleitores e eleitos. Parece-me que há quem defenda que os eleitos não estão de boa fé.

Nesse cenário, não se justificaria uma acção mais directa, por parte dos eleitores?

António Matos disse...

E os restantes eleitores, que são a larga maioria e que exprimiram a sua opinião através do voto? Presumindo que o fizeram de livre vontade e porque acreditam na boa-fé dos eleitos, é legítimo que um grupo minoritário (que provavelmente teve uma taxa de abstenção muito alta) sobreponha a sua opinião à deles?
Note que eu acho salutar a formação destes movimentos, mas não posso concordar com estas acções...

João Mendes disse...

Subscrevo inteiramente, quer o artigo original, quer o comentário do António Matos.

zorg disse...

Mas, e se os movimentos de contestação forem maioritários?

Se houver má-fé por parte dos eleitos, isso só se revelará após a legitimação eleitoral. Em que momento é que é aceitável este tipo de contestação?

Unknown disse...

Concordo em larga medida com o teor do tExto. Porém, resta saber se as leis eleitorais, aprovadas pelos partidos que se alternam no poder, ao converterem os votos em mandatos, traduzem, efectivamente,
a verdadeira representatividade da vontade manifestada nas urnas. Foco, em particular, o resultado das últimas eleições legislativas em Portugal: Com círculos eleitorais únicos de proporcionalidade estrita, PSD e PS teriam menos 21 deputados do que aqueles que obtiveram com os círculos distritais segundo o método de Hondt. Por outro lado, CDS e BE teriam mais 4 e CDU mais 3. MRPP elegeria 3 e o PAN 2. MPT, MEP, PNR, PTP e PPM teriam obtido 1 deputado cada. Quando a lei não contempla a verdadeira representatividade, não espanta que alguns venham a terreiro com propostas "alternativas".

António Matos disse...

Zorg: Se os movimentos contestatários forem maioritários, com certeza que poderão apresentar listas próprias, não? E concorrer na plataforma de uma reforma profunda do sistema político e eleitoral? Mas não me parece que seja isso que se passa nesta situação em particular.

zorg disse...

Eu creio que a questão que se coloca hoje é mais profunda do que isso. Creio que o que se começa a observar é a dificuldade dos sistemas políticos democráticos funcionarem sem democracia económica.

Há interesses contraditórios entre a minoria que detém a maioria dos recursos e a maioria que detém cada vez menos. Mas a capacidade de influenciar as opiniões públicas essencialmente dos recursos disponíveis e as disparidades acentuam-se cada vez mais.

Resultado: as expectativas dos eleitores em relação aos eleitos saiem cada vez mais vezes defraudadas. Não pode haver democracia sem que as pessoas tenham possibilidade de fazer escolhas informadas e cada vez mais é difícil fazer escolhas informadas. Creio que o problema se agravou depois do fim do blcoo de leste, cuja ameaça serviu para manter as coisas mais ou menos controladas do lado de cá.

Ironicamente, o fim dos regimes socialistas terá significado também o fim do modelo social europeu que, em determinado momento, pareceu a alternativa viável a seguir.

Anónimo disse...

Não é aceitável que alguém impeça o funcionamento de uma assembleia de representantes legítima e democraticamente eleitos. E é contraditório que um movimento que quer mais democracia o faça.

Isto já é populismo anti-democrático.

Ruaz disse...

Mas não poderão os defensores do establishmet desta esquerda republicana pensar por uns momentos que esta democracia é cada vez mais deficiente, que o modelo representativo foi a pouco e pouco minado? Vocês que se dizem da esquerda , aquela que era radical estava do lado esquerdo da assembleia durante a revolução francesa por apoiar os sans cullotte! aprendam a nadar companheiros , que a maré se vai levantar!

Filipe Moura disse...

Mais uma vez se confirma, aqui nesta caixa de comentários. Quem defende o sistema de democracia representativa dá o nome, a cara se for preciso. Quem não acredita na democracia representativa, seja fascista ou anarquista, refugia-se num pseudónimo.

António Matos disse...

Ruaz: Sou de esquerda, sempre fui de esquerda e não faço tenções de deixar de o ser. Mas ainda estou para encontrar um modelo de organização de estado que represente mais o que acredito que a democracia representativa (com todos os seus defeitos). E se há coisa em que nunca me revi, foi no uso da força por minorias que presumem (e presumir é aqui o verbo chave) representar o interesse de maiorias. São feitios, enfim.