quinta-feira, 9 de junho de 2011

O tempo do Bloco

Ando a ler "Que faire?" de Daniel Cohn-Bendit, onde se resume o percurso político dos principais partidos Verdes europeus desde o início dos anos 80 até à actualidade. Foi um percurso de 30 anos em que os resultados eleitorais foram subindo de década para década, dos 2% aos 10%, com trambolhões de volta para os 4% e para os 2%. No entanto, o Europe-Écologie (França) obteve 16% e os Verdes alemães atingiram os 12% nas eleições europeias de 2009. No mesmo ano os Verdes alemães obtiveram 11% nas legislativas. O estado federado de Baden-Württemberg é a partir deste ano governado por um Verde, à cabeça da coligação com o SPD.

Do ponto de vista da política económica, social e ambiental estes partidos ecologistas atraem nos respectivos países um eleitorado muito semelhante ao do Bloco. Em Portugal o PCP sequestrou a sigla dos Verdes, mas é incapaz de atrair esquerda não-marxista, socialistas, ecologistas, libertários, liberais de esquerda, toda essa fauna política que vota BE em Portugal e vota Verdes na Alemanha e em França.

Em apenas 10 anos o BE saltou dos 2,4% em 1999 para os 9,8% em 2009. Sabíamos que os 9,8% eram bons demais para ser verdade, havia ali muita vacuidade, gente descontente mas sem convicções, oportunistas, entre outros perfis pouco recomendáveis. Descer para 5,2% foi mau, mas o mundo não acaba amanhã. Tal como os Verdes europeus precisamos de tempo para consolidar, consolidar a nível local, consolidar a organização e consolidar a ideologia, calibrá-la com a realidade e a diversidade do nosso eleitorado e dos nossos aderentes. O BE pode e deve pensar em participar nas decisões do país (a nível local, regional ou nacional) até ao final desta década. O planeta não espera, as crises ambientais que se avizinham vão requerer as políticas ambientais das nossas esquerdas. No domínio económico, olhando para a Grécia e Irlanda, temo que a realidade vá dar razão ao BE muito mais cedo do que se espera.

13 comentários :

Filipe Moura disse...

"Ando a ler "Que faire?" de Daniel Cohn-Bendit..."

A sério? Julguei que era do Lenine... (Bom texto, pá.)

João Vasco disse...

«Do ponto de vista da política económica, social e ambiental estes partidos ecologistas atraem nos respectivos países um eleitorado muito semelhante ao do Bloco. »

Talvez por isso uma razão acrescida para o desaire do BE tenha sido o aparecimento do PAN.

Ricardo Alves disse...

Rui,
acho que metes o dedo na ferida quando comparas o BE com os Verdes da Alemanha e da França. Porque, provavelmente, a maior parte dos militantes do BE identifica-se mais com o Die Link e com o NPA. Já o eleitorado preferiria votar num partido de esquerda com menor carga marxista e maior capacidade de assumir responsabilidades governamentais.

Por outro lado, é curioso que em Portugal nunca tenha surgido um partido ecologista com real implantação social (mas em Espanha também não, já agora).

Unknown disse...

o PAN obteve mais de 57.000 votos.
Em Lisboa, foi a 6ª força mais votada, à frente do PCTP/MRPP (tornando-se assim, no maior partido sem representação parlamental neste distrito). Sei, pelo testemunho dos próprios, que muitos eleitores do BE votaram PAN. Por outro lado, a abordagem do BE às questões ecológicas durante a campanha foi pouco mais que residual.

João Vasco disse...

Também conheço pessoalmente casos assim.

Rui Curado Silva disse...

Sendo verdade que houve votos transferidos do BE para o PAN, vejo no PAN uma visão quase espiritual da ecologia, este corresponde a uma franja dos ecologistas que sempre existiu, colada a budismos e afins. Essa é uma dentada que o BE levou do PAN, mas é uma pequena dentada. Se esse fosse o problema estava o BE descansado.

Rui Curado Silva disse...

"provavelmente, a maior parte dos militantes do BE identifica-se mais com o Die Link e com o NPA. Já o eleitorado preferiria votar num partido de esquerda com menor carga marxista e maior capacidade de assumir responsabilidades governamentais."

Tens toda a razão Ricardo. Eu já disse isso numa convenção. Lembro-me que arrefeci a sala quando disse que não sou marxista tal como a esmagadora maioria do eleitorado do BE. Mas vou mais longe, essa já é uma realidade entre os próprios aderentes. Neste momento é a direcção e a mesa do BE que constituem o núcleo mais agarrado aos marxismos.

JDC disse...

Mas alguém realmente conhece o programa do PAN? Vão lá ver, é um absurdo pegado: Homem e animais em igualdade de direitos?

João Vasco disse...

Já se escreveu neste blogue sobre esse assunto:

http://esquerda-republicana.blogspot.com/2010/09/o-partido-dos-animais-nao-humanos.html

Miguel Madeira disse...

"Já o eleitorado preferiria votar num partido de esquerda com menor carga marxista e maior capacidade de assumir responsabilidades governamentais"

Convém notar que "menor carga marxista" e "maior capacidade de assumir responsabilidades governamentais" são duas dimansões distintas.

Ricardo Alves disse...

Miguel Madeira,
não são. Quantos partidos marxistas assumiram o poder na UE depois de Maastricht?

Ricardo Alves disse...

Rui,
não é essa a minha percepção (de que a maioria dos aderentes do BE não são marxistas). Mas, evidentemente, tens maior conhecimento de causa do que eu. E os desenvolvimentos das últimas horas parecem dar razão à tua leitura. Resta saber se o BE terá plasticidade para mudar.

Júlio de Matos disse...

Ridículo. Os dirigentes do PRD disseram o mesmo em 87 (os 18% de votos era bom demais, mais valem os 5%, blá, blá, blá)... O Bloco falhou, ponto final. E o problema não é só o marxismo, nem a incapacidade de ousar querer participar na responsabilidade da governação. É ainda pior do que isso: é a absoluta falta de cultura democrática dos dirigentes do Bloco. E quanto a isso já não há remédio, nem reciclagem que funcione. Uma pandemónia, como dizia o outro, é o que é...


Acordai, homens (de Esquerda) que dormis. Não haverá soluções de Esquerda sem a aceitação da moldura democrática ocidental. Essa mesma, a que vocês preguiçosamente ainda chamam "burguesa", como o outro, mas que ainda não tem alternativa civilizada em lugar nenhum do Planeta azul.

Arrancar a flor que dorme na raíz, por mais que vos custe e vos doa.