Em Portugal, o partido que disputa o lugar de primeiro ministro mais à direita chama-se PPD-PSD, e é conhecido como «Partido Social Democrata». O significado original do termo «Social Democracia» corresponde à crença de que uma sociedade socialista (i.e. onde não existe propriedade privada dos meios de produção) pode e deve ser alcançada gradualmente através de sucessivas reformas no contexto da democracia parlamentar, e não por via revolucionária. O significado original do termo «Social Democracia» corresponde aos actuais anseios do PCP.
É verdade que nos anos 70 o termo «Social Democracia» já não correspondia a este significado. Ao invés, a posição Social Democrata era uma posição de esquerda, na qual se acredita que deve ser mantida a economia de mercado, mas defendida uma elevada redistribuição da riqueza através dos impostos, bem como um conjunto de serviços públicos no que diz respeito à saúde, educação, segurança social, cultura, ciência, transporte, etc.
Convém repetir - o termo Social Democracia corresponde a uma corrente político ideológica da Esquerda. Vários elementos do BE e do PCP, e muitos mais do PS, podem assumir-se como Sociais Democratas sem que isso implique, a seu ver, que estejam no partido errado.
O que acontece é que os nomes dos partidos políticos em Portugal são um testemunho vivo do passado, dos poucos anos que se seguiram a 1974, e da forma como o espectro político na sociedade portuguesa (e europeia) se foi arrastando cada vez mais para a direita.
Outro testemunho vivo desse passado é o Professor Diogo Freitas do Amaral. Nos anos 80 era visto por todos como uma das personalidades mais à direita na política portuguesa, mas fez parte do governo de José Sócrates em 2006, e saiu como sendo um dos ministros mais à esquerda deste governo. Muitos acusam Freitas do Amaral de ser incoerente, de ter traído aqueles que o apoiaram, dizendo ontem uma coisa e hoje outra. No entanto, quem verificar o que é que Freitas do Amaral defendia nos anos 70 e aquilo que defende hoje, poderá confirmar que não foi Freitas do Amaral quem mudou radicalmente as suas convicções políticas, pelo contrário. Ao ter sido muito mais coerente com aquilo em que acreditava que muitos outros políticos, Freitas do Amaral é outro testemunho vivo de como o espectro político em Portugal se foi arrastando cada vez mais para a direita.
Aquilo que era indizível no discurso público nos anos 70, é hoje inegável no mesmo discurso público, ou pelo menos aquele que é mediado pela maioria dos meios de comunicação social. O espectro político, desde 74 até agora, foi-se, de forma gradual e constante, arrastando (ou sendo arrastado?) cada vez mais para a direita.
Independentemente das causas desta deriva - em Portugal, na Europa, e nos EUA - é interessante olhar para as consequências. Nestes países, quando comparamos a situação actual com o passado recente, as desigualdades estão a aumentar (aqui refiro-me aos EUA e à maioria dos países da UE), o crescimento económico está a estagnar, a qualidade de vida está a diminuir.
Por oposição, olhe-se para a América do Sul, onde a esquerda tem triunfado. Mais crescimento, mais prosperidade, menos desigualdades, mais mobilidade social, mais oportunidades, menos pobreza, menos fome, quando comparamos com o seu passado recente.
A crise internacional de 2008 trazia uma bandeirinha, e essa bandeirinha, à semelhança da crise de 1929, dizia «o sistema financeiro demasiado desregulamentado dá nisto». No entanto, quem tem mais dinheiro tem mais voz, e pouco depois - por incrível que pareça - as consequências desta crise servem, no discurso público, para dar mais força às vozes que defendem políticas de direita cada vez mais radicais. As mesmas políticas que deram origem a todo este problema. As mesmas pessoas que defenderam as políticas que o causaram.
O espectro político arrasta-se, por consequência, ainda mais para a direita. Quando vamos acordar para este desvario? Quando vamos finalmente resolver os problemas em vez de os agravar?
15 comentários :
Às vezes alguma perspectiva histórica pode ser útil.
Foi a esquerda quem lutou contra as monarquias absolutistas, em defesa da democracia - aliás, vem daí a origem histórica do termo ( http://en.wikipedia.org/wiki/Left-wing_politics ).
Foi a esquerda quem lutou ao lado das sufragistas pelo direito das mulheres ao voto. Foi a esquerda quem lutou contra a descriminação racial, na luta por direitos civis para todos, independentemente da cor da pele. Foi a esquerda quem, mais recentemente, lutou pelo fim da discriminação segundo a orientação sexual.
Foi a esquerda quem lutou, apoiando os sindicatos, por direitos dos trabalhadores que hoje consideramos básicos tais como «férias».
Foi também a esquerda quem lutou - insuficientemente - contra a proliferação de paraísos fiscais que facilitam a corrupção e o crime económico, e contra a desregulamentação radical dos mercados financeiros que deu origem à crise que se abate hoje sobre nós.
Perante esta crise, a direita vai agravá-la vendendo o património público ao desbarato (enriquecendo os compradores), dessa forma alienando ao estado receitas já actualmente insuficientes, ou diminuindo prestações sociais que vão prejudicar aqueles que mais duramente sofrem as consequências desta crise.
Bom artigo, JV.
Gostei, em particular, dos três últimos parágrafos.
Há que dizer que a direita portuguesa, também não é propriamente de direita. defendem uma política redistributiva, defendem serviços públicos (se bem que fornecidos por privados, não deixaria de ser responsabilidade do estado), têm uma visão keynesiana da economia, são em geral laicas, etc.
bom artigo. apenas acho que, neste momento, o partido mais à direita é o psd, não o cds como indicas...
Miguel,
mas há algum país da Europa ocidental onde a direita, na sua maioria, não defenda alguma forma de redistribuição (mesmo que muito mitigada), e alguma forma de serviços públicos (embora entregues a privados)?.
Quanto a serem «laicos», acho que nem a esquerda o é... ;)
Ricardo,
talvez os malucos da Polónia, e pouco mais. Mas sim, concordo contigo na Europa, a Direita tem sempre alguns desses valores de Esquerda.
Apenas queria fazer ver que não é só a Esquerda que caminhou para a Direita. A Direita, em Portugal e na Europa, abraçou muitos princípios tradicionais da Esquerda.
Miguel:
A Esquerda na Europa já teve várias e importantes vitórias, e isso aconteceu porque ela arrastou o espectro para a esquerda no passado.
Veja-se a questão do voto das mulheres, que hoje ninguém pode pôr em causa sob pena de caír no ridículo.
Veja-se a questão da igualdade perante a lei, do fim da monarquia absolutista. A esquerda já teve muitas vitórias, não está condenada a perder sempre.
Mas no passado recente, o espectro político foi caminhando para a direita.
O PSD não escolheu o nome "social democrata" apenas porque - como hoje - não põe em causa alguma forma de financiamento público à educação.
Fê-lo porque precisava de se afirmar como um partido de ESQUERDA (e o CDS um partido de centro) e isto é uma coisa que hoje não têm qualquer problema em negar. O CDS diz à boca cheia que é um partido de direita, e o PSD - julgo que não discordarás - nunca apresentou propostas tão à direita como hoje faz.
Noutro dia estava a ter uma conversa de café com umas pessoas e disse que o Política XXI era um partido social democrata. Essas pessoas concluiram portanto que esse partido era de direita (por causa do PSD). Esta confusão é testemunho do gigantesco arrastamento do espectro político (para a direita) que ocorreu nas últimas décadas.
Quando o Louçã fala em renacionalizar a GALP parece tão louco e pouco razoável, como pareceria Sá Carneiro se pretendesse privatizar os CTT, uma opção "respeitável" abraçada por PS e PSD.
Parece que está a falta alguma perspectiva histórica. Não só cá em Portugal, mas na Europa e nos EUA.
João, não percebo em que é que o que tu dizes contraria o que eu disse.
Apenas quis fazer ver que nas últimas décadas não tem sido só a esquerda a aproximar-se da direita. Também se deu o contrário.
O caso português é um caso muito particular, tal como o é vários países da Europa de Leste. O PSD é PSD porque em 74 todos tínhamos que ser, e eramos, de esquerda. Isso rapidamente passou de moda, e de um discurso a favor de uma sociedade sem classes (algo que Sá Carneiro defendeu várias vezes), rapidamente o PSD ganhou um discurso de privatizações. Mas isso tudo aconteceu muito rápido, e nunca teria acontecido se não tivessemos acabado de sair de um ditadura ultra-conservadora de direita.
Miguel,
Eu acredito que a sociedade tende a preferir soluções mais radicais em tempos de crise, e mais moderadas em tempos de abundância.
Dessa forma, os momentos de crise ou abundância alteram a dispersão do espectro político - o que determina se os partidos de esquerda e direita têm posições muito próximas ou muito distintas.
Mas isso corresponde à dispersão em torno do centro. Já aquilo que eu falo é na mudança do espectro político como um todo, incluíndo o centro.
Desde a revolução francesa que o espectro político se foi deslocando para a esquerda - basta pensar que a democracia parlamentar era uma ideia radical, e hoje renegá-la é que é uma ideia radical.
Houve recuos, mas desde o fim da segunda guerra mundial, com o nazismo derrotado, uma superpotência mundial comunista, e uma reforma estrutural nos EUA (new deal) que deu bons resultados, a esquerda foi somando vitórias, e o espectro foi-se arrastando cada vez mais para a esquerda. Hoje parece incrível que tantos tenham aceite e defendido o regime de aparteid na África do Sul, e nos EUA, por exemplo. Hoje são posições indefensáveis.
Mas, desde Reagan que a situação se inverteu. Em todo o mundo ocidental o espectro foi-se arrastanto mais para a direita.
Hoje se um candidato à presidência dos EUA propusesse os impostos mais baixos que Reagan chegou a ter, nem nas primárias do partido democrata passava.
Nestas últimas décadas o fenómeno dominante não foi uma aproximação entre a esquerda e a direita, se bem que devido à abundância e inércia isso também tenha acontecido. O fenómeno dominante foi mesmo um arrastamento de todo o espectro político para a direita.
Só em questões culturais que não envolvem dinheiro é que isso não aconteceu - e por isso é que a esquerda teve as fotes vitórias no que diz respeito aos direitos dos homossexuais. Mas em tudo quanto é política económica, na UE e nos EUA, parece-me que a direita não se aproximou da esquerda, todo o espectro foi caminhando para a direita.
Miguel,
por alguma razão eu frisei «Europa ocidental». No Leste tens direita à antiga, nostálgica do fascismo, ultra-clericalista e ultra-liberal. Na Europa ocidental têm mais cuidado.
JV,
eu creio que o aproximar da esquerda do centro nos últimos 30 anos é uma consequência directa da queda das ditaduras comunistas.
A construção do «Estado providência», depois de 1945, foi em boa medida uma tentativa de limitar o avanço dos partidos de comunista «de dentro», num contexto em que metade da Europa era «vermelha». Não esquecer que o PCF chegou aos 30% e o PCI passou disso.
Ricardo,
também me parece.
O RA sumarizou a "coisa" excelentemente.
O problema é já outro: é que a defesa da "economia de esquerda" está a ser feita pelos populistas conservadores, o que é péssimo. Em Portugal é o CDS, na Finländia (ver http://www2.hs.fi/extrat/kotimaa/puoluekentta/ mesmo em finlandês entendem-se as dimensöes) por exemplo, os "Finlandeses Comuns" säo, a bem dizer, nacional-socialistas.
Porque carga de água os partidos da "esquerda liberal" estäo a ficar para trás? É de propósito?
"Por oposição, olhe-se para a América do Sul, onde a esquerda tem triunfado"
Não penses que tudo são rosas, João Vasco
http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?sid=01521479513514824075435239&nitem=13014741
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