A seguir ao 25 de Novembro, o PCP não podia participar no governo porque era óbvio que tinha participado numa tentativa de golpe de Estado militar para instaurar em Portugal um regime de tipo soviético em plena guerra fria. Que a historiografia hoje duvide ou negue tal intenção, que aconteceria à revelia de Moscovo e após eleições livres onde o PCP tivera 12%, é irrelevante: a «guetização» do PCP durou até ao final dos anos 80, empurrando o PS para sucessivas alianças com o CDS («aliança contra natura», foi a expressão da época) e com o PSD (o «bloco central»). Depois de 1989, era também «lógico» que o PCP não podia fazer parte de qualquer governo ou sequer de coligações autárquicas sistemáticas com o PS: se por um lado o «socialismo real» acabara, e portanto deixara de haver perigo de «sovietização» de Portugal (houve muito quem levasse isto a sério), por outro lado o PCP passara a estar «ultrapassado» (o que nunca aconteceu à democracia-cristã ou à social-democracia de antanho) e logo não era coligável com forças maiores. A partir de 1991, tornou-se evidente que havia outra razão de peso: o PCP era «anti-europeísta», não votou Maastricht (nem Amesterdão, em 1996) e por conseguinte excluía-se do pacto principal do regime, a CEE-UE (e quem não era pela UE era contra a democracia, lembram-se?).
Foi neste ponto que surgiu o BE. Formado a partir de forças políticas que partilhavam quase os mesmo factores excludentes do «arco da governabilidade» (com suspeitas até mais reais de envolvimento no «aventureirismo» revolucionário de 1975, mas sem ligação a Moscovo e posições mais matizadas perante a UE), o Bloco foi visto por muitos como a «força de desbloqueio» da esquerda portuguesa. A ilusão durou uma década (1999-2009). Ao ficar a três deputados de se constituir em garante de uma maioria parlamentar de apoio ao segundo governo Sócrates, o BE tornou-se tacticamente semelhante ao PCP: «esquerda de protesto».
Este ano, nova razão de peso se apresentou para manter estes dois partidos afastados de qualquer arranjo governamental (coligação pré-eleitoral com o PS, participação no governo, ou acordo de incidência parlamentar): o FMI. A URSS já acabou, o euro vamos ver, mas o FMI permanecerá, ao que se diz, por uns anos. Até ao quadragésimo aniversário do 25 de Abril, a coisa parece estar garantida. Depois se verá o que se consegue inventar.
Entretanto, temos um país com níveis de desigualdade sociais latino-americanos, serviços públicos sofríveis, e onde alterações como a despenalização da IVG foram tiradas a ferros (já nem falo de beliscar os interesses da ICAR). São consequências de a governação ser sistematicamente à direita da votação. O que é uma disfunção da democracia. Mas que parece condenada a continuar.
Entretanto, temos um país com níveis de desigualdade sociais latino-americanos, serviços públicos sofríveis, e onde alterações como a despenalização da IVG foram tiradas a ferros (já nem falo de beliscar os interesses da ICAR). São consequências de a governação ser sistematicamente à direita da votação. O que é uma disfunção da democracia. Mas que parece condenada a continuar.
8 comentários :
E a culpa deste estado de coisas é do PCP e do BE, é isso?
O texto sugere o contrário.
Para mim, a avaliação justa é que todos - PS, PCP e BE - têm culpas no cartório.
Este texto descreve as desculpas que o PS sucessivamente foi dando para recusar alianças à esquerda.
Mas as atitudes do PCP e do BE não ajudaram nada.
claramente, a culpa é de todos. a questão que se coloca é qual dos três terá coragem ou vontade de dar o primeiro passo para desbloquear a situação. não havendo ninguém interessado, a solução terá que ser outra!
A esquerda unida jamais será fodida?
o PCP não podia participar no governo não queria o seu papel era fazer oposição
Os próprios russos negam que houvesse interesse em meter na península um regime de tipo soviético que seria desfeito pelas tropas franquistas ou pelas da Nato em alguns dias, o pessoal ameaçava ameaçava mas fugia ou rendia-se quando ouvia tiros.
aconteceria à revelia de Moscovo
e instalava-se sem tropas cubanas?
e após eleições livres onde o PCP tivera 12%, é irrelevante: e onde as sedes do PCP foram queimadas aos magotes
e os do sul que subiam ao norte eram enxotados como animais
não vendemos nada aos comunistas
e ser do sul era ser comunista
a «guetização» do PCP Soares e Cunhal eram como Sócrates e Passos Coelho ambos muito mais seguros de si e das ideias que tinham para os seus partidos
o país tal como agora era circunstancial
o PCP era «anti-europeísta»,e quem não era pela UE era contra a democracia....
Foi neste ponto que surgiu o BE. Formado a partir de retalhos o Bloco foi visto por muitos como
uma coisa talvez com possibilidade de evolução
A ilusão durou uma década (1999-2009).
o BE tornou-se tacticamente semelhante ao PCP: «esquerda de protesto»...sem interesse em participar no governo que é algo que desgasta e protestando que é algo que dá votos.
o euro vamos ver...sem euro as dívidas ao FMI tornar-se-ão incobráveis.....
e logo não vale a pena ficar por cá
Até ao quadragésimo aniversário do 25 de Abril, a coisa parece estar garantida.
Só se pagarem os acréscimos de 240 milhões para as promoções dos militares
Entretanto, temos um país com níveis de desigualdade sociais latino-americanos e que se vão esbater nos próximos anos
serviços públicos sofríveis, e onde alterações como a despenalização da IVG foram tiradas a ferros
e onde miudas de 16 ou 18 anos já fizeram uma ou duas
"A seguir ao 25 de Novembro, o PCP não podia participar no governo porque era óbvio que tinha participado numa tentativa de golpe de Estado militar para instaurar em Portugal um regime de tipo soviético em plena guerra fria."
Aqui só podes estar a brincar. O único facto é que, na hora H, do PCP não se viu nada. Tudo o resto é especulação.
"o BE. Formado a partir de forças políticas que partilhavam quase os mesmo factores excludentes do «arco da governabilidade» (com suspeitas até mais reais de envolvimento no «aventureirismo» revolucionário de 1975, mas sem ligação a Moscovo e posições mais matizadas perante a UE),"
Aqui, sim, concordo contigo.
Filipe,
«Que a historiografia hoje duvide ou negue tal intenção (...) é irrelevante».
Já foi o segundo que não percebeu a ironia do teu texto Ricardo.
Estás a ser mal interpretado :p
Excelente artigo, parabéns!
Até conseguiste que o ناطق کلنگ dissesse algo de jeito, por uma vez!!!
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