quarta-feira, 6 de abril de 2011

A disfunção do Ensino Superior português

No debate levantado pela manifestação da «geração à rasca», para além da questão central da precariedade, há uma questão relevante que foi levantada mas pouco discutida: a desadequação entre as licenciaturas e o mercado de trabalho. Disse-se que muitos dos recém-licenciados o são em graus académicos sem empregabilidade. O que é verdade. Mas também ocorre o exacto contrário.

Os casos extremos são dois cursos «clássicos»: Medicina e Direito. Portugal forma médicos a menos, todos o sabemos: há médicos estrangeiros em todos os hospitais, e muitos dos jovens médicos portugueses licenciaram-se em Espanha. A razão também é conhecida: as faculdades de medicina, por elitismo ou preguiça dos senhores professores, não querem abrir mais vagas. Chega-se ao paroxismo de haver 1600 candidatos para 40 vagas de um mestrado em Medicina. No outro extremo, formamos advogados a mais: somos o segundo país da Europa com mais licenciados em Direito per capita, muitos dos quais acabam por trabalhar em tarefas administrativas ou burocráticas. Teremos um advogado por cada 350 habitantes, enquanto a França e a Áustria se safam com, respectivamente, um para 1800 e um para 4200.

O «mercado» idílico dos neoliberais não resolve estas disfunções, que resultam, no primeiro caso, da casmurrice corporativa dos catedráticos de Medicina, e no segundo caso, da escolha livre (mas talvez mal informada) de jovens aspirantes a uma licenciatura.

Actualmente, a definição do número de vagas no Ensino Superior público é da exclusiva competência das Universidades, que ponderam apenas a capacidade de reacção das respectivas faculdades a pequenas alterações no número de vagas, os professores e instalações disponíveis. A capacidade de absorção pelo mercado de trabalho tem que começar a fazer parte da equação.

Os casos extremos mencionados acima apenas teriam solução com um governo mais dirigista no Ensino Superior, que chamasse a si a definição do número de vagas nestes e noutros cursos. E isso iria doer a todos: a Faculdades obrigadas a crescer (umas), e a encolher (outras), e aos jovens candidatos ao Ensino Superior, inevitavelmente frustrados ou forçados a interessarem-se mais por ciências. Mas mais dirigismo seria melhor para a sociedade como um todo.

8 comentários :

Rui Lopes disse...

Precisamente o que falei aqui há tempos: http://pensoblogoexisto.posterous.com/educacao-para-o-bem-da-nacao

Luís Lavoura disse...

"há médicos estrangeiros em todos os hospitais [portugueses]"

Sim, mas também é verdade que há médicos portugueses em muitos hospitais estrangeiros, nomedamente britânicos.

Sejamos claros: a falta de médicos não tem absolutamente nada a ver com uma qualquer insuficiente formação nas universidades portuguesas. De facto, (1) nada nos garante que médicos formados em Portugal não emigrem, (2) é sempre possível contratar médicos portugueses formados no estrangeiro, e (3) é sempre possível contratar médicos estrangeiros, por exemplo de países latino-americanos.

Luís Lavoura disse...

"O «mercado» idílico dos neoliberais não resolve estas disfunções"

O atual regime, que apresenta estas disfunções, nada tem a ver com um mercado idílico: notoriamente, o Estado oferece cursos superiores de borla, o que estimula os estudantes a tirarem cursos sem saber bem para que eles servem. Portanto, o facto de estas disfunções se verificarem em nada serve para contestar o neoliberalismo.

De qualquer forma, o neoliberalismo nunca pretendeu ser isento de disfunções. A vantagem do neoliberalismo é que, nele, quem se lixa com as disfunções não o faz à custa dos impostos de todos. Nos EUA as universidades são, em grande parte dos casos, pagas; isso não evita que haja muitos lienciados sem emprego, mas pelo menos não foi o povo quem teve que financiar as suas inúteis licenciaturas.

Luís Lavoura disse...

"A capacidade de absorção pelo mercado de trabalho tem que começar a fazer parte da equação."

Infelizmente isso é muito difícil. Veja-se por exemplo o caso da arquitetura. Há poucos anos Portugal estava num boom de construção civil, tanto pública (obras públicas) como privada (prédios de habitação), e o curso de arquitetura era um dos mais procurados (médias de entrada similares às de medicina) pelos jovens. Hoje em dia até arquitetos de topo como o Souto Moura se queixam de falta de trabalho, e arquitetos jovens estão maciçamente a trabalhar a salário mínimo e completamente à rasca. Pura e simplesmente, era muito difícil o Estado pôr-se a prever, há dez anos atrás, que hoje o boom da construção teria virado estouro.

Mais adequado, talvez, do que pôr o Estado a prever as necessidades do mercado de trabalho - o que até é ridículo, dado que o mercado de trabalho é hoje em dia global, ou pelo menos europeu, e as pessoas podem sempre emigrar ou imigrar - seria o Estado, que é quem paga os cursos superiores, exigir pelo menos que quem os frequenta tenha uma clara vocação para a matéria e que obtenha consistetemente boas notas. Assim garatiríamos, pelo menos, que estávamos a pagar a formação de bons profissionais, o que hoje em dia nem sempre é o caso.

dorean paxorales disse...

antecipaste-me, que estava no cogito de me dirigir ao tema. mas tenho outra análise para o problema, não se perde nada :)

Luís Lavoura,
a sua análise das facs. de medicina está um bocado desfasada da realidade, por um lado, por outro, fac. privadas a vender cursos de direito e gestão nunca faltaram. obviamente, pagar pelo curso não ajuda muito a decidir.

Ricardo Alves disse...

Luís Lavoura,
os dois cursos que eu discuto no texto são bastante insensíveis às variações de ciclo económico, ao contrário do caso da arquitectura. O Estado deve prever situações como a que se verifica na área da Medicina, em que se contratam médicos no estrangeiro por não haver suficientes formados em Portugal.

E o DP tem razão: não é por pagar o curso que as pessoas pensam melhor. Portanto, terá que ser o Estado a pensar por elas.

Miguel Carvalho disse...

Ricardo,
há muito que digo isto, e para mim haveria uma solução simples,até um pouco neo-liberaloíde: divulgar na época das candidaturas a empregabilidade de cada licenciatura. Estes valores são calculados pelas comissões de avaliação.
Desconheço a frequência da avaliação, mas era questão de aumentá-la.

dorean paxorales disse...

engraçado... cá fala-se de corresponder licenciatura ao mercado, lá fala-se de corresponder doutoramento ao mercado... pq será?
http://bit.ly/fowacu