- «O que atravessamos actualmente é uma crise política que resulta do desmoronamento de um projecto político: a união monetária sem união política. Nunca na história do capitalismo existiu uma moeda sem um Estado que sirva como árbitro dos conflituantes interesses dos grupos económicos. (...)
A União Europeia a 25 é, desde logo, um espaço político desigual. Apesar das transferências dos Fundos de Coesão e outros fundos comunitários, as desigualdades profundas no nível de vida, no desenvolvimento tecnológico, no acesso à educação e na produtividade do trabalho, para dar alguns exemplos, são, ainda hoje, gritantes. (...) A UE-27 é também um espaço político pouco democrático. Apesar de o Parlamento Europeu (PE) ser eleito directamente pelos cidadãos, o seu poder é limitado pelas interferências da Comissão Europeia e, em menor grau, do Conselho Europeu, órgãos não eleitos. (...) O sustentáculo da moeda única acaba por ser, então, o Banco Central Europeu (BCE), uma instituição que goza de uma inédita independência face ao poder político. Em última instância, tudo isto implica que muitas das decisões que determinam a política económica e, logo, variáveis como a taxa de desemprego ou as desigualdades de rendimentos, são tomadas por um grupo fechado e centrípeto de burocratas que não prestam contas a ninguém.
A loucura de toda esta construção política feita à medida dos delírios neoliberais é evidente neste momento em que atravessamos mais uma crise capitalista. O BCE que não empresta dinheiro aos Estados Membros para preservar a sua independência empresta dinheiro aos bancos privados a taxas de juro baixas, que depois vão emprestar aos governos a taxas de juro altas. (...) Mas a crise do euro é sobretudo uma crise de solidariedade. Quando a Alemanha se recusa a contribuir para a salvação da Grécia, depois de ter conseguido importantes ganhos nas suas exportações à custa da relativa contenção salarial, sabemos que o projecto de uma Europa unificada morreu. Seria inconcebível ver um estado rico a negar ajudar um estado pobre durante um momento de crise nos EUA ou no Brasil, por exemplo. Se é concebível este cenário na Europa é porque o ideal de coesão territorial nunca foi mais do que um sonho.
O problema de fundo é, portanto, o de que temos uma moeda única sem um estado, sem uma união política e sem mecanismos de redistribuição de rendimento entre estados. (...)» (Ricardo Coelho, Esquerda.net) - «Os países têm dificuldade em adoptar políticas económicas racionais, porque os políticos cedem continuamente às pressões das massas para aumentarem a despesa pública e baixarem os impostos. Já Aristóteles nos ensinou que a democracia conduz infalivelmente ao triunfo do populismo e da demagogia. (...)
Sucede, porém, que a suspensão da democracia país a país defrontar-se-ia com resistências - algumas sentimentais, outras reflexo dos interesses instalados. (...) Felizmente, há uma solução melhor, que está a ser paciente e meticulosamente aplicada. A parte mais difícil foi convencer os países a aderirem à Zona Euro. "Ipso facto", eles cederam voluntariamente ao Banco Central Europeu a sua soberania em matéria de política monetária e cambial. Anexado ao Euro veio o PEC, invocando com indiscutível razoabilidade a necessidade de proteger a zona monetária do comportamento fiscal eventualmente irresponsável dos seus membros. Resultou daí uma limitação adicional da política económica, esta ao nível orçamental.
O Banco Central Europeu é uma instituição "sui generis": muito mais independente em relação aos poderes políticos do que qualquer banco central; menos transparente nas suas decisões; e, por último, estatutariamente vinculado a preocupar-se apenas com a inflação e não com o desemprego ou o crescimento. (...) Eis, pois, a janela de oportunidade que qualquer cidadão europeu consciente e responsável aguardava. Liquidada a réstia de margem de actuação que sobrava aos estados nacionais europeus, todo o poder efectivo de governação económica está hoje de facto concentrado no BCE e em instituições europeias não responsáveis perante o voto popular como a Presidência Europeia, a Comissão Europeia e o Ecofin.
Aproveitando o estado de debilidade das finanças públicas dos países-membros (principalmente os da periferia económica), trata-se agora de incumbir a Comissão de realizar avaliações regulares da situação e de criar um mecanismo eficiente de governação. Accionado um alerta, a Comissão emitirá recomendações sobre a forma de corrigir os desequilíbrios. Em casos considerados graves, a Comissão poderá declarar o país-membro em "situação de desequilíbrio excessivo", determinando "medidas correctivas" propostas por um "painel de peritos" com "um profundo conhecimento técnico sobre a realidade económica do país". Quem não cumprir à risca essas medidas estará sujeito a penalizações, indo até à perda do direito de voto nas instituições comunitárias. Por uma feliz coincidência, a larga maioria dos actuais governos da Europa apoia esta transformação. É claro que amanhã poderão ser derrubados e substituídos por outros, mas então, com o Tratado da União alterado, será já tarde para voltar atrás.
Aprovado o novo regime de governação económica da UE, os contestatários poderão espernear, manifestar-se, promover motins; decretar greve geral por 6 meses; ou trocar de governo dia sim, dia não, que isso em nada modificará as circunstâncias.» (João Pinto e Castro, Negócios Online)
sábado, 23 de outubro de 2010
Revista de imprensa (22/10/2010)
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