segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Rescaldo: comentário

Cavaco Silva venceu, era e continuará a ser o meu Presidente, mesmo depois de dois discursos tragicamente maus como os que fez depois da sua vitória, e que demonstram que não é nem nunca será uma pessoa a quem eu seja capaz de apertar a mão na rua. Aqueles discursos, sobretudo o primeiro, em que se mostra incapaz de ser magnânimo na vitória, de saudar os adversários derrotados e de sarar as feridas da campanha (dele e dos outros), e depois sai sem sequer permitir perguntas dos jornalistas, são uma prova da falta de capacidade de entender a democracia como cultura, para lá da mecânica dos votos. Venceu, e o que virá a seguir não será bom nem para a esquerda nem para o país.

Manuel Alegre foi o perdedor, e também me basta o seu discurso de vitória, sem um pingo do ressabiamento que o vencedor exibiu, digno e dizendo que «em democracia não é vergonha perder; vergonha é fugir aos combates», e sublinhando com todas as letras que a responsabilidade é sua, para me orgulhar de nele ter votado e o ter apoiado (o que nem costumo fazer pelos partidos). Demonstrou, agora como em 2006, que o espaço da social-democracia de esquerda vale 20%.

Fernando Nobre, penso eu, representa a outra parte do eleitorado habitual do PS, a que se assusta com o papão da «esquerda radical» e que deu o seu voto ao mais baço dos candidatos, aquele que usou a cidadania como uma palavra oca e anti-sistema, e que conseguiu ser mais vazio do que Cavaco. O seu futuro, e dos seus surpreendentes 600 mil votos, é uma incógnita.

Francisco Lopes é outro derrotado da noite. Numa eleição em que era o único candidato à esquerda do candidato apoiado pelo PS, conseguiu perder mais de um terço dos eleitores que tinham votado em Jerónimo de Sousa em 2006. O que aconteceu ao eleitorado supostamente ultra-mobilizado do PCP?

José Manuel Coelho, como Fernando Nobre, é outro vencedor menor da noite. Tem tantos votos como  tiveram dois candidatos vistos como «de protesto» (Rosas e Garcia Pereira), divididos entre si, em 2001. Com uma candidatura não ideológica, mais de metade dos seus votos podem ter vindo (desconfio) de eleitores habituais do BE. Os seus resultados na Madeira (onde Cavaco teve o seu pior resultado fora do Alentejo) transformam-no no rosto da oposição local ao jardinismo.

Defensor Moura, um homem sério e com ideias políticas claras, tem um resultado ao nível do Garcia Pereira de 2001.

Finalmente: somando os recordistas brancos e nulos aos votos em Coelho e Nobre, temos mais de um milhão de eleitores que se deslocaram ao seu local de voto para votarem «contra o sistema». Não há comparação com o milhão de votos de Alegre em 2006: Alegre era e é um político. Nobre está fora. Algures.

8 comentários :

Filipe Moura disse...

Ricardo, usas critérios diferentes para o Alegre e o Francisco Lopes. O Francisco Lopes perdeu votos, considerando a abstenção maior. Então e o Alegre não perdeu? O Alegre "manteve" os 20% (na realidade perdeu 1%), quando era desta vez apoiado por dois partidos; o Lopes também manteve os 7/8%. Não creio que o Lopes seja vencedor. Acho que cumpriu o mínimo, sem brilho.

Ricardo Alves disse...

Filipe,
parece-me preferível olhar para o número de votos, e não tanto para as percentagens.

Em número de votos, o Alegre passou de 1,1 milhão para 830 mil; perdeu 290 mil votos.
O Francisco Lopes, dos 470 mil votos do Jerónimo, passou para 300 mil; perdeu 170 mil votos. A perda do candidato do PCP, proporcionalmente ao eleitorado de partida, é maior.

Filipe Moura disse...

Não sei se já reparaste, Ricardo, mas o número de eleitores é limitado, mesmo considerando os abstencionistas. E o total de votantes é 100%. Portanto, percentualmente (em relação aos votantes) o candidato do PCP perde menos, mas achas que perde mais só porque é um candidato menos votado (esse teu critério beneficia claramente os candidatos mais votados). Enfim, critérios.

Ricardo Alves disse...

Filipe, não entendo.
No artigo prévio a este, fiz as contas como acho que devem ser feitas: quantos votaram, quantos votaram em cada candidato, quantos votos perdeu cada candidato. E enunciei as percentagens que acho que interessam: houve 19% de votos a menos; Cavaco teve 19% de votos a menos; Alegre perdeu 26%; Lopes perdeu 36%. Estas percentagens beneficiam os candidatos com mais votos? Porquê?

Filipe Moura disse...

Se o Cavaco, o Alegre ou o Lopes perdessem 30 votos, não os afetaria praticamente nada. Se um candidato com 100 votos perdesse 30, dirias que teria perdido 30% dos seus votos. É evidente que esta forma como apresentas as coisas (que nunca vi ninguém usar tratando-se de eleitores) é descabida e prejudica os candidatos mais pequenos.

Só mesmo um ateu para vir com uma destas! (A ver se gostas.)

Ricardo Alves disse...

Filipe,
o que acho descabido é comparar os 50.5% do Cavaco de 2006 com os 52.9% do Cavaco de 2011 (por exemplo).

O dado primário é o número de votos. Depois, podem calcular-se muitas percentagens. As mais populares são as percentagens do total de votos válidos. Eu achei interessante calcular as percentagens sobre os votos que tinham tido na eleição anterior, porque um dado muito significativo desta eleição foi ter havido menos um milhão de votos em urna.

Quanto à tua objecção: perder 30 votos é sem dúvida muito mais significativo para um candidato que tinha tido 100 do que para um candidato que tinha tido 1000. Era mesmo aí que queria chegar: a abstenção não afectou de forma proporcional todos os candidatos. Afectou mais Lopes do que Cavaco, por exemplo. O que é interessante.

Filipe Moura disse...

"A abstenção não afectou de forma proporcional todos os candidatos. Afectou mais Lopes do que Cavaco, por exemplo."

Justamente tu não podes tirar conclusões como esta, Ricardo. Pode ter havido (houve) muito eleitor do Cavaco em 2006 a abster-se. Insurgentes, blasfemos... Por outro lado, o Cavaco ganhou votos (o Tomás Vasques, o Correia de Campos). O Alegre ganhou votos (o meu). São eleições muito diferentes, Ricardo (por isso não interessam os "dados primários"). Por isso a única coisa que faz sentido comparar é a percentagem de votos.

Ricardo Alves disse...

Filipe,
só agora vi este teu comentário.

O dado mais impressionante destas eleições foi entrar um milhão de votos a menos em urna (comparado com 2006). Acontece que Cavaco perdeu meio milhão. Ou seja, é lícito concluir que um em cada dois dos que se absteve desta vez tinha votado Cavaco em 2006, ou seja, a abstenção afecta tanto Cavaco como o eleitorado em geral. Já quanto a Alegre ou ao candidato do PCP, perderam muito mais proporcionalmente. Enquanto Cavaco perde um voto em cada cinco, e Alegre um em cada quatro, Lopes perdeu mais do que um em cada três. Vais responder-me que houve uns que tinham votado Cavaco e agora votaram Alegre, ou uns que tinham votado Soares e agora votaram Lopes ou Coelho, etc... Não sei. Há transferências de voto para todos os gostos. Como esses bloguistas que citas, e que não sei se serão representativos. Mas em dados brutos, o que conta para mim são esses dados que tratei no poste anterior.

http://esquerda-republicana.blogspot.com/2011/01/eleicao-presidencial-as-minhas-contas.html

Repito: as «percentagens» não são os dados. Já são um tratamento dos dados.