No final de 2010, a Presseurop desafiou 10 intelectuais europeus a escrever sobre a Europa. A crónica do Gonçalo M. Tavares é deliciosa, no seu habitual estilo irónico. Obviamente que a interessante ideia de confusão do signo com a coisa deve-se mais a um seguidismo da Europa ao outro lado do Atlântico, mas não deixa de ser uma interpretação certeira de uma das facetas da crise. O exemplo do sector imobiliário - o terreno ou o apartamento cujo valor multiplica 10 ou por 20 depois de mudar várias vezes de mãos - seria melhor ilustração da ideia do Gonçalo Tavares.
Destaco:
"A já velha separação entre o signo e a coisa. A célebre frase “a palavra CÃO não morde”: se pusermos os dedos no C no A ou no O não corremos qualquer risco, os nossos dedos ficarão intactos, o C e o A não mordem – velha lição de linguística. E foi esta separação que inaugurou a modernidade. Os primitivos não acreditavam nisso, não acreditavam em dois mundos separados. Para os primitivos o signo era já uma coisa. O desenho de veado não era o desenho de um veado, era o veado. Não havia diferença.
De certa maneira, a Europa – desde há décadas – que acentuou o seu lado primitivo. Voltou a acreditar na magia. Quase toda a economia está hoje instalada no mundo abstrato, no mundo das letras e dos números – e não no mundo das matérias com volume. Porque a velha economia era isto: duas vacas que se trocavam por mil galinhas; fábricas e máquinas, árvores que se vendiam ou compravam. Pouco a pouco, no entanto, os elementos vivos e os metros quadrados foram desaparecendo de cena. Ficaram papéis com signos e números e a Europa transformou-se assim num Novo Continente Primitivo, em que as pessoas assumem comportamentos idênticos aos das tribos da Amazónia que confundiam signos com o real e acreditavam que a letra A ou um desenho os podia esmagar ou amaldiçoar"
Destaco:
"A já velha separação entre o signo e a coisa. A célebre frase “a palavra CÃO não morde”: se pusermos os dedos no C no A ou no O não corremos qualquer risco, os nossos dedos ficarão intactos, o C e o A não mordem – velha lição de linguística. E foi esta separação que inaugurou a modernidade. Os primitivos não acreditavam nisso, não acreditavam em dois mundos separados. Para os primitivos o signo era já uma coisa. O desenho de veado não era o desenho de um veado, era o veado. Não havia diferença.
De certa maneira, a Europa – desde há décadas – que acentuou o seu lado primitivo. Voltou a acreditar na magia. Quase toda a economia está hoje instalada no mundo abstrato, no mundo das letras e dos números – e não no mundo das matérias com volume. Porque a velha economia era isto: duas vacas que se trocavam por mil galinhas; fábricas e máquinas, árvores que se vendiam ou compravam. Pouco a pouco, no entanto, os elementos vivos e os metros quadrados foram desaparecendo de cena. Ficaram papéis com signos e números e a Europa transformou-se assim num Novo Continente Primitivo, em que as pessoas assumem comportamentos idênticos aos das tribos da Amazónia que confundiam signos com o real e acreditavam que a letra A ou um desenho os podia esmagar ou amaldiçoar"
Sem comentários :
Enviar um comentário