Estamos habituados a ver a verdade como uma coisa boa, e a falsidade como uma coisa má. Assim, poderíamos pensar que parece claro a um ateu que as religiões, bem como as instuições que as promovem, são perniciosas.
Por difundirem falsidades, prejudicam o bem comum.
Mas podemos considerar a possibilidade teórica de que assim não seja. Poderão existir mentiras virtuosas? Poderá uma religião, apesar de falsa, ser uma força do bem? E na prática, isso acontece?
Queria começar esta série de textos pedindo aos leitores - sejam ateus ou crentes - as suas opiniões a respeito da seguinte pergunta:
«Se Deus não existisse, considerariam a religião em geral positiva? E a religião católica em particular?»
14 comentários :
Pois. Foi isto que tentei discutir mais abaixo. Sem êxito.
Eu acho que os méritos das nossas acções (inclusivamente das acções dos religiosos) devem ser julgados independentemente da existência (ou não) de uma divindade.
Não é a existência de «Deus» que torna uma acção boa ou má. É a acção em si e as suas consequências previsíveis.
E o mesmo se aplica à religião. A religião é «boa» ou «má» independentemente de «Deus» existir ou não.
Não considero que o 11 de Setembro seja mais aceitável se Alá existir mesmo e se Mohamed Atta e os seus companheiros estiverem mesmo, sob o olhar orgulhoso de Maomé, a degustar virgens no paraíso.
E não considero também que renunciar a bens supérfluos a favor de quem necessita mais seja melhor se «Deus» existir.
Ou é «bom», ou não. E para ajuizar disso, a existência de «Deus» é indiferente.
Eu não sou o tipo de pessoa que considera a crença religiosa uma questão de verdade científica. Quanto mais não seja porque não é ciência - nem pode ser equiparada a tal - ainda que uma religião possa ser estudada cientificamente, como em História ou Filosofia, por exemplo.
Por isso, a questão de se existem ou não divindades de um ponto de vista científico não é coisa que me tire o sono. Preocupa-me mais o comportamento individual e, pelo que tenho constatado, a diferença entre civilizado e incivilizado não se faz ao longo de linhas religiosas ou da linha que separa os religiosos dos ateus. A religião (ou a falta dela) por si só não determina se uma pessoa é boa ou má. Pode ajudar, mas há mais variáveis em jogo.
Não sei se acrescentei alguma coisa ao debate que o João está a querer iniciar...
Eua cho que a religião, como os analgésicos, pode ser uma bengala extremamente útil para os fracos (ou para os fortes, em momentos de dor insuportável). Mas é sempre uma coisa perversa porque divide as pessoas e desencoraja o pensamento crítico.
As pessoas podem melhorar através da filosofia moral, mas não melhoram através da superstição e do medo do inferno.
Para mim a questão religiosa divide-se em duas partes:
a) a crença em divindades
b) as organizações que exploram essas crenças.
Em relação à crença eu entendo que é desnecessária para se viver com correcção, obedecendo a princípios éticos genéricos. Não preciso de que alguém me esteja a "espreitar" constantemente para proceder bem (ou mal) de acordo com a moral que imponho a mim próprio. Posso, como Filipe Castro, relutantemente aceitar que a religião funcione como analgésico ( ou psicotrópico).
Em relação às organizações (igrejas, seitas) tenho asco a quem ganha a vida a enganar os outros, utilizando a seu preponderância espiritual para acumular bens e poder.
Eu poderia escrever o seguinte, exactamente com a mesma a validade:
“Estamos habituados a ver a verdade como uma coisa boa, e a falsidade como uma coisa má.
Assim, poderíamos pensar que parece claro a um crente que os ateus, bem como as instituições ateístas que as promovem, são perniciosas.
Por difundirem falsidades, prejudicam o bem comum.”
Se Deus não existisse, não existiria religião, porque nada existiria.
Como digo no blog: a competição pela supremacia religosa criou a "tasca ateista", que vê tudo como um negócio. Como não tem valores, quer explorar um sector que acha rentável.
Concordo com Ricardo Alves. É insuficiente (e perigoso)invocar Deus para saber se uma acção é boa ou má. Em seu nome e contra o seu nome foram cometidas grandes atrocidades. Por isso se em vez da sugestão inicial «se Deus não existisse» colocasse «se Deus existisse» o sentido da pergunta seria o mesmo. Melhoraria a qualidade da pergunta se eliminasse essa referência. Melhoraria mas não muito porque não sei o quer dizer «considerar a religião positiva ou negativa». Do que tenho a certeza é que um mundo sem religião (se por absurdo tal acontecesse) seria mais feio, mais vazio e com menos esperança, como, por exemplo oposto, as cerimónias de tomada de posse de Obama documentam.
(Concordo com o que o Nuno diz sobre invocar Deus para legitimar, não com o resto). Sou ateu e penso que a noção de moralidade associada à verdade não é a questão central. Pode-se ser ateu por muitas razões, em última instância pode-se ser ateu, porque "Deus não estava a ouvir".
A questão central é a falsidade psicológica, o erro interno perante si mesmo. E não a falta de moralidade da inverdade externa.
Ó anónimo, importa-se de explicar o que é isso da falsidade psicológica, do erro interno perante si mesmo e da falta de moralidade da inverdade externa? Já agora.
É a diferença entre uma pessoa pensar realmente que se vai sentar num trono, e sentar-se num espinho; e a pessoa que sabendo que tem um espinho atrás de si, defende que é um trono.
...ou uma pessoa pensar que está a conversar com uma pessoa muito inteligente por esta utilizar uma linguagem esquisita e afinal está a falar com alguém que esconde as sua limitações através das palavras. Acho que já estou a perceber, obrigado anónimo.
Se Deus não existe, todas as religiões são veículos de mentiras e enganos.
Neste caso, a posição de cada indivíduo relativamente a qualquer religião deve ser igual à sua posição relativamente à propagação colectiva de mentiras.
Se Deus existe, o ateísmo é um veículo de mentiras e enganos.
Neste caso, a posição de cada indíduo relativamente ao ateísmo deve ser igual à sua posição relativamente à propagação colectiva de mentiras
"Sou ateu. Como tal, considero que as crenças religiosas em geral - e mais ainda as teístas - são falsas."
Sem querer ser picuinhas, permita-me discordar da definição já que ela não reflecte o mínimo denominador comum de todos os ateus. Eu posso ser ateu e não ter que afirmar que dada crença é falsa, posso ser ateu apenas não acreditando nela e deixando o ónus da prova do outro lado. Tal como não me compete a mim provar a existência do bule de chá que circunda o nosso planeta.
Em suma, eu posso não acreditar (ser ateu), aceitar que não posso confirmar nem desmentir a existência de Deus (ser agnóstico) e posso até nem gostar da crença ( ser anti-teísta). Ler aqui.
Cumprimentos
«posso ser ateu apenas não acreditando nela e deixando o ónus da prova do outro lado.»
É o chamado "ateísmo implícito".
Também usei essa terminologia durante algum tempo. Agnóstico é aquele que não tem uma resposta definitiva para essa pergunta (e nesse sentido eu sou agnóstico); ateu explícito afirma que Deus não existe; ateu implícito não afirma nem desmente; ateu forte é explícito e não é agnóstico (afirma que Deus não existe com certeza absoluta).
Nesta terminologia sou ateu explícito mas não ateu forte, e aqueles que habitualmente designamos por agnósticos são chamados "ateus implícitos".
Esta terminologia e interessante, mas só tem um grande problema: é propensa a equívocos. Para 99.99% das pessoas, ateu é o "ateu explícito" e agnóstico é o "ateu implícito".
Por isso, e como não há uma terminologia que seja aceite por todos como a mais adequada, passei a utilizar novamente a terminologia comum, que apesar de menos apelativa para mim, leva a menos equívocos, e por isso permite comunicar melhor as minhas ideias - e é para isso que uso as palavras.
Mas obrigado por me ter permitido fazer este esclarecimento.
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