quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Religião e sociedade - III

Muitos dos que defendem a virtude da religião independentemente da existência de Deus referem a acção social desenvolvida por diferentes Igrejas.
Alegam que os laços comunitários promovidos pela religião, os preceitos por elas defendidos ou a mera acção do clero levam a que os mais desfavorecidos encontrem uma ajuda à qual não teriam acesso de outra forma.

Nas sociedades onde uma determinada instituição religiosa tem muito poder, não há dúvida que isto se verifica. Parece que as diferentes formas de solidariedade entre desconhecidos são mediadas pela crença religiosa, e as instituições religiosas mais poderosas parecem monopolizar a acção social.

No entanto, não observamos que exista menos solidariedade entre estranhos nas sociedades menos religiosas. Como referido no texto anterior, verifica-se o contrário: regra geral, as sociedades mais solidárias são as menos religiosas.

É mais fácil perceber esta relação se assumirmos que é solidariedade laica que diminui o apelo da religião, do que se assumirmos que é a diminuição do papel da religião que incentiva a solidariedade laica ao ponto desta superar aquela que a antecedeu. Mas os dados mostram claramente que a diminuição da religiosidade não acarrecta, por si, uma diminuição das prestações sociais aos mais desfavorecidos.

Devo acrescentar que as expressões de solidariedade laicas me parecem mais positivas que as suas análogas religiosas. No geral, ambas são positivas: partem em grande medida de sentimentos altruistas e generosos, revelam aquilo que de melhor existe nas pessoas, e têm geralmente consequências que encaro como globalmente positivas.

Mas a expressão de solidariedade laica, desperdícios à parte, tenderá a concentrar os esforços na mitigação do problema social no qual se propôs trabalhar.
Já a expressão de solidariedade religiosa, muitas vezes com a melhor das intenções, irá canalizar parte dos esforços para o proselitismo religioso. Assumindo que a ajuda espiritual é a mais importante das ajudas - assunção que creio ser comum na generalidade das religiões teístas - aqueles que procuram ajudar dedicam parte significativa dos seus esforços a que estes tenham reflexo nas convicções religiosas daquele que é ajudado.

Se eu considerasse que a religião em questão é verdadeira, aplaudiria tal ordenamento de prioridades. Vendo-a como uma superstição, lamento-a. Vejo-a aliás como um desperdício de esforço e de recursos algo contra-producente. Assim, mesmo vendo algo de positivo numa expressão de solidariedade mediada pela religião, considero menos positivo do que essa mesma expressão de solidariedade sem superstições pelo meio.

7 comentários :

Héliocoptero disse...

No que à solidariedade como veículo proselitismo diz respeito, estamos de acordo. Aliás, nunca mais me esqueci de, há decada e meia atrás, ter visto um documentário onde um dentista evangélico americano terminava uma consulta de uma rapariga algures na Ásia central perguntando-lhe sobre Jesus e a Biblia. Na altura a coisa soou-me a oportunismo e hoje continuo a ter a mesma opinião.

E diria exactamente o mesmo se o dentista tivesse perguntado sobre qualquer divindade europeia antiga.

Anónimo disse...

Você tem graça João Vasco.
Escreve uma série de «coisas» intituladas «religião e sociedade» e, depois de não falar de outra coisa, comenta que não está a falar de religião;
exige fundamentar as suas as suas opiniões com «dados empíricos» e atira para o ar «Se eu considerasse que a religião em questão é verdadeira, aplaudiria tal ordenamento de prioridades. Vendo-a como uma superstição, lamento-a.».
Já agora, tenho curiosidade em conhecer a lista de instituições de solidadriedade social de raiz ateísta que tem para apresentar.
Já percebi que não vale a pena responder a este tipo de opiniôes (não vou dizer demências, frustrações, palermices, picardias...). Tenho esperança que a neurologia explicará um dia o que se passa no cérebro de quem escreve assim.

João Vasco disse...

Nuno Gaspar:

Está a falar de um texto sobre o qual afirmou que não iria discutir mais.
Se quiser, terei todo o gosto em responder-lhe ponto por ponto - sem comentar os insultos próprios de quem se apercebe da fraqueza das suas razões.

Disse que não tinha escrito quase textos nenhuns sobre religião até à data. Isto pode confirmar, todos os textos que escrevi estão nos arquivos deste blogue. Religião foi um tema que neste espaço praticamente não abordei.
Falei sobre salário mínimo, demografia, publicidade, propriedade, eleições norte-americanas, sondagens várias, pobreza, redistribuição, governação, etc...
Pesem embora as dificuldades que parece ter com os factos que não encaixam na sua visão do mundo, isto é algo objectivo.

«exige fundamentar as suas as suas opiniões com dados empíricos»?
Eu não exigi nada.
Tenho a opinião - pelos vistos bárbara - de que os dados empíricos são úteis à discussão.
Mas cuidado com as correlações! Para não arriscar convém deixar a realidade à porta do debate.

Quanto ao que eu "atiro para o ar" segue do primeiro texto desta série em que eu proponho precisamente este exercício: assumindo que Deus não existe, discutir a influência da religião na sociedade. Pode discordar da assunção, mas no contexto destes textos não passa disso.

«Já agora, tenho curiosidade em conhecer a lista de instituições de solidadriedade social de raiz ateísta que tem para apresentar.»

Se existir, não quero fazer parte.

As razões estão explicadas neste texto. As instituições de solidariedade devem estar centradas na ajuda, e não nas convicções religiosas (ou falta delas) do ajudado.

Por essa razão concluo que o modelo que prefiro para realizar a ajuda ao próximo é a instituição de solidariedade laica, em que a religião (ou falta dela) fica à porta.

E se quiser uma lista de instituições deste tipo laicas, lembro-me de umas tantas...


«Já percebi que não vale a pena responder»
Aquilo que a neurologia poderia começar por explicar é porque é que alguém conclui que não vale a pena responder, e vai daí responde.
No sítio errado, ainda por cima.

E eu que pensei que a conversa até podia ser agradável... Há pessoas que não se conseguem centrar nos argumentos. E às vezes tenho dificuldade em deixar de lhes responder na mesma moeda. É uma chatice.

no name disse...

solidariedade com os mais desfavorecidos por parte das religiões?... hmmmmm... joão, já estiveste no vaticano a contemplar o display de luxo e de dinheiro ali guardado? batatas!!

JDC disse...

Sr. Ricardo Carvalho

É evidente o luxo e dinheiro guardados no Vaticano, de forma contraditória e até imoral. Mas também são evidentes o sem número de instituições de caridade católicas espalhadas por todo o mundo...

Ricardo Alves disse...

JDC,
essas instituições de caridade são, em grande parte, financiadas pelos Estados. Em Portugal, não haveria «caridade católica» sem o dinheiro do Estado.

JDC disse...

Ricardo Alves,

Então já estou como diz o outro: se por ser financiado pelo Estado, a caridade da ICAR perde valor, que apareçam as instituições laicas para tomar o seu lugar...