segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A devolução do IVA e a laicidade

Pelo Facebook e alhures, andam algumas discussões um bocado estranhas sobre a revogação da isenção de IVA às comunidades religiosas não católicas (mas só às radicadas). A título pessoal, quero acrescentar o seguinte.
  1. A Constituição actual não preconiza a igualdade de tratamento das confissões religiosas, mas sim dos cidadãos. Pode argumentar-se que a primeira decorre da segunda (ou não...), mas eu sou favorável ao princípio de igualdade de tratamento das confissões religiosas (a que os constitucionalistas da Católica aderiram agora), como aliás a Constituição de 1911 estatuía: «o Estado reconhece a igualdade politica e civil de todos os cultos».
  2. Igualdade não é discriminar positivamente as confissões religiosas, como acontecia em consequência do artigo 65 da Lei de Liberdade Religiosa, que estendia às não católicas (mas só às «radicadas»...) o privilégio de devolução do IVA que o Decreto-Lei 20/90 tinha concedido à ICAR (e o 20/90 tem uma longa história, que inclui um processo da Comissão Europeia instaurado a Portugal por sonegação de fundos...).
  3. Igualdade será não haver discriminações positivas para as confissões religiosas, e portanto revogar quer o artigo 65 da LLR quer a parte do Decreto-Lei 20/90 aplicável à ICAR. E laicidade é não reconhecer à religião um papel de «utilidade pública» que permita benefícios fiscais como a devolução do IVA.
Adenda: comunicado da Associação República e Laicidade.

    2 comentários :

    Luís Lavoura disse...

    Concordo com o ponto 1 do post. A atual Constituição da República não prevê a igualdade entre as religiões, pelo que um tratamento discriminatório a favor da religião católica não é inconstitucional. Admira-me que constitucionalistas pretendam o contrário.

    Tal como o Ricardo, sou a favor da igualdade de tratamento de todas as religiões, a qual deveria ser inscrita na Constituição.

    Quanto às isenções de IVA, trata-se de uma longa história, que não abrange apenas as religiões, mas também múltiplas outras instituições. Constitui uma forma de o Estado distorcer a concorrência, permitindo a algumas instituições concorrer de forma desleal com outras. Por exemplo, as associações ambientalistas a as universidades gozam de isenção do IVA, que utilizam para concorrer deslealmente contra empresas que o têm que cobrar. Penso que a isenção de IVA às religiões deveria acabar, mas no quadro do fim da isenção de IVA a muitas outras instituições, e não como forma de desprestigiar as religiões.

    Ricardo Alves disse...

    Luís Lavoura,
    será inconstitucional se aceitarmos que a igualdade das confissões religiosas decorre da igualdade dos cidadãos. Passo que, curiosamente, desta vez é avançado por constitucionalistas da Universidade Católica...

    Quanto às isenções de IVA, as universidades têm uma utilidade pública que deve ser reconhecida, por exemplo através de isenções como esta. As confissões religiosas é que não devem ter esse estatuto de utilidade pública. Porque não é um serviço para todos: é um serviço só para os seguidores daquela religião.