segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O dia zero da República

Há cem anos, a República estava já proclamada em Loures, Grândola, Setúbal, Moita e na quase totalidade da península de Setúbal.

Ao contrário do «25 de Abril», obra de um movimento militar posteriormente apoiado pelos partidos, o «5 de Outubro» é obra de uma organização de civis, a Carbonária Portuguesa, que actuava enquadrada pelo Partido Republicano Português. Também ao contrário da Revolução de 1974, em que o MFA apresenta e realiza (em dois anos), um programa mínimo de Descolonização e Democratização, a Revolução Republicana é o triunfo de um movimento ideológico, cultural e social, que em torno do PRP tecera uma densa rede  de organizações, com os centros republicanos (que funcionavam alternadamente como escolas e centros de propaganda), as associações anticlericais (a Associação do Registo Civil, a Junta Liberal, a Associação do Livre Pensamento e outras) e mesmo as primeiras organizações feministas (como a Liga das Mulheres Republicanas).

No dia 4 de Outubro, a população dos bairros pobres de Lisboa estava na rua e nos cimos dos telhados, vitoriando e apoiando o punhado de homens que na Rotunda, liderados por Machado Santos, resistia à contra-ofensiva monárquica. Na manhã de 5, perante a iminência do desembarque dos marinheiros revoltosos na Praça do Comércio, a República triunfaria finalmente em Lisboa.

O projecto republicano de 1910 representou uma ruptura cultural e simbólica com o regime anterior. Ao contrário da 2ª República em que hoje vivemos, a 1ª República assumia sem inibições que o Estado tinha a sua cultura e a sua ideologia, e que a promovia activamente. É uma questão que permanece hoje: até que ponto é legítimo o Estado democrático promover e celebrar valores éticos e cívicos?
Os republicanos de 1910 acreditavam que a escola pública, mais do que apenas transmitir conhecimentos, seria essencial na formação do novo cidadão. Esse é também um debate presente.

A República de 1910, também ao contrário da actual, não teve contemplações na laicização do Estado, na realização da liberdade de consciência para todos e na igualdade de tratamento das confissões religiosas. Há aí muito a aprender hoje, para quem queira entender.

Finalmente: o «Bloco 5 de Outubro» não funcionou a 28 de Maio. A 1ª República perdera o entusiasmo (senão mesmo o apoio) das camadas mais pobres da população, a política parlamentar aparecia subitamente como inútil perante as dificuldades económicas, e o pós-guerra, em Portugal como em toda a Europa, viu o centro político desaparecer entre os extremos hostis de bolcheviques e fascistas. É uma parte da História que não se repetirá, mas também aí há algo a aprender.

1 comentário :

tempus fugit à pressa disse...

Os republicanos de 1910, muitos deles professores e pequenos funcionários num país com 80% de analfabetos acreditavam que a escola pública, mais do que apenas transmitir conhecimentos, seria essencial na formação do novo cidadão (leia-se doutrinação )

Esse é também um debate presente.
(esse é um debate desde 1850 pelo menos Agostinho de Campos 1907 precisamos muito em Portugal deixar de falar sobre educação e começar a praticá-la

o mesmo em 1919...precisamos de refrescar e pôr em dia a pedagogia do ensino primário
idem em 1922...porque o ensino primário ou técnico, burocratizado e centralizado pelo absolutismo sufocante em que sempre vivemos, e continuaremos a viver é incapaz de reanimar a vida local

acho que isto vindo daquele que entre 1906 e 1910 foi director-geral da Instrução Pública e tentou modernizar o ensino

posteriormente professor de Filologia Românica em Coimbra, entre 1933 e 1938, e em Lisboa de 1938 a 1941.
é esclarecedor...sobre essa sanha
educativa da república
os fundamentalistas raramente aceitam os grandes homens que provinham do anterior regime

aos 35 anos teve 4 anos apenas para tentar reformar o ensino
e a república tal como a monarquia
dificultaram-lhe o trabalho
logo elegias a sistemas moribundos
´que fizeram mais no papel que na realidade

e é vocemessê historiador?
ou similar?
espero por bem que não o seja...