quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Revista de blogues (4/11/2010)

  • «Em Portugal existem duas instituições das quais é como que interdito dizer mal. Qualquer crítica que lhes seja endereçada é refutada com o mesmo tipo de argumentos, que, na verdade, se resumem a um: a pessoa que critica deve ter (tem de ter) “um problema qualquer” com a instituição em causa, assim a modos que um trauma, uma mania persecutória, um complexo, uma fobia. (...) Não é pequena ironia que as duas instituições em causa sejam historicamente consideradas como arqui-inimigas, porque o tipo de reacção que partilham em relação às críticas está longe de ser a única característica em comum. Na verdade, são praticamente gémeas. Da inquestionabilidade dos dogmas à declaração da infalibilidade dos respectivos líderes e modelos; da capacidade de negar a realidade e funcionar em universos paralelos à apologia da vitimização; da forma como lidam com as diferenças de opinião e com a liberdade de expressão (que não a sua de declarar as outras inexprimíveis, ou blasfemas) à cega obediência hierárquica e ao esmagar das dissensões; da monótona reprodução da doutrina à apresentação de um devir paradisíaco como justificação de todas as agruras e malfeitorias presentes, passadas e futuras. (...) Se o vocábulo anti, colocado antes de racista, de fascista ou nazi acrescenta valor, já antes de comunista ou clerical pretende, pois, dar ares de doideira. O que nos leva à conclusão de que a percepção geral do clericalismo e do comunismo deverá ser, por qualquer motivo, favorável. Ora, clericalismo significa “corrente de opinião que pretende submeter a vida social, para além do aspecto religioso, à influência do clero; sistema de apoio incondicional ao clero” (assim uma coisa do tipo do que se passa no Irão); e o comunismo dos partidos comunistas, nomeadamente o português, é, até prova em contrário – ou seja, abjuração até hoje inexistente – aquilo que se passava na belíssima União Soviética, mais o que se passa nas insuperáveis Coreia do Norte e China. Parece pois mais ou menos óbvio – básico, mesmo – que qualquer pessoa que preze a liberdade só poderá ser resoluta e inquebrantavelmente contra semelhantes regimes ou ideologias.» (Fernanda Câncio)

6 comentários :

João Vasco disse...

Um excelente texto.

Filipe Moura disse...

Concordo perfeitamente que o PCP e a Igreja Católica têm muito em comum, mas não acho que a Igreja Católica tenha só defeitos, pelo que isso não é necessariamente mau. (Quem achar que a Igreja Católica só tem defeitos incorre numa posição religiosa.)
Dito isto, é justo transcrever aqui o comentário do Vìtor Dias.

"Calculo que a Fernanda Câncio não tenha tido a pretensão de ser original para sempre quero lembrar aos leitores que esta equiparação do PCP à Igreja Católica é só um pouco mais nova que a Sé de Braga.

Depois, quero dar o meu testemunho pessoal de que eu, como comunista, do que me queixo é de, pelo menos desde há 36 anos, me ter fartado de escrever, quase sempre com montes de argumentos e bastas citações dos meus interlucotores em polémicas e receber, em retribuição, não argumentos mas desqualificações de adversário tipo «lá vem o comunista». Mesmo na blogosfera, agora menos, mas durante dois anos, sempre achei significativo que, não sendo eu um desconhecido, tantos bloggers precisassem sempre de escrever «o comunista Vítor Dias» antes mesmo de adiantarem qualquer argumento.

ACRESCE QUE A SUA IDEIA DE QUE É INTERDITO DIZER MAL DO PCP (única liberdade já existente antes do 25 de Abril) é uma pura e perdoe, delirante fantasia. Como calculará, as hemerotecas estão cheias de milhares de recortes que provam o contrário. E só eu, quando arrumei o meu gabinete na SPG, tive de olhar para muitas centenas desses recortes, abrangendo cerca de 20 anos..


DEPOIS QUANTO AO USO E ABUSO DO «ANTI-» , SE FIZERMOS UM ESFORÇO DE MEMÓRIA, ENTÃO - E DISTO SABE A FERNANDA CÂNCIO - NÃO FORAM NEM O PCP NEM A IGREJA CATÓLICA QUE NOS ÚLTIMOS ANOS MAIS BATERAM A TECLA DA SUA «PERSEGUIÇÃO» OU MAIS SISTEMÁTICAMENTE TRANSFORMARAM CRÍTICAS OU DISCORDÂNCIAS EM «CAMPANHAS» DE «ASSASSINATO DE CARÁCTER» E OUTRAS COISAS."

Ricardo Alves disse...

Filipe,
«achar que A só tem defeitos» não é necessariamente uma posição religiosa. Poderá ser uma posição dogmática, ou simplista.

E o PCP tem semelhanças consideráveis com a ICAR:
-estrutura hierárquica e não democrática;
-posições dogmáticas (eles dirão coerentes);
-preocupação com a igualdade formal;
-desprezo pela liberdade individual;
-dificuldade em lidar com a crítica;
-têm uma escatologia.

Quanto ao comentário do Vítor Dias, parece-me que ele esquece que quem está no governo é sempre criticado com violência; daí às queixas de perseguição é um passo. Mas não é comparável a organizações que se queixam sempre de ser perseguidas/silenciadas, quer estejam no poder ou não...

Filipe Moura disse...

Ricardo,
concordo com todas as comparações que fazes entre o PCP e a Igreja Católica, exceto a última. Não é garantido que todos os comunistas tenham uma escatologia. O comunismo não a tem, ou pelo menos não a deve ter.

É curioso que essa "acusação" de ter uma escatologia também é feita, no contexto da física, à teoria das cordas. Eu discordo totalmente de tal "acusação", e trabalho orgulhosamente nesse assunto. Essa é uma das várias semelhanças entre a teoria das cordas e o comunismo, um assunto que talvez desenvolva um dia.

Quanto a todas as outras acusações, nenhuma delas me dá dores de cabeça exceto a primeira. E a penúltima, mas a penúltima está longe de ser exclusiva de comunistas e católicos. Encontra-se também, por exempolo, em ateus, republicanos, etc.

Ricardo Alves disse...

Filipe,
e a mim o que me preocupa é a tua indiferença à liberdade individual. Que é uma semelhança importante entre a ICAR e o PCP - ambas as organizações erigem em virtude não se divergir do colectivo/comunidade, e quando tiveram poder para isso perseguiram os dissidentes.

A escatalogia comunista é conhecida: um dia será atingida a sociedade comunista, sem classes, em que estaremos libertos da necessidade, e em que todos seremos felizes. Por aí também se entende que, de um ponto de vista comunista, quem os critica só possa ser um mal intencionado ou alguém que não «entende» que os comunistas têm uma receita para a felicidade de todos.

Quanto a lidar com a crítica, os ateus com quem me dou fazem questão de lidar com ela (e têm das caixas de comentários mais animadas da blogo-esfera). E acho que nunca me viste fugir à discussão com os monárquicos que muitas vezes aparecem por aqui, mesmo quando se escudam num anonimato cobarde...

Filipe Moura disse...

Ricardo, quando eu falei em ateus e republicanos não me referia especificamente a ti nem a ninguém em particular.