- «Restou-nos a fotografia — e um filme curto — do “homem do tanque”, no qual um desconhecido segurando dois sacos de compras se posiciona calma e metodicamente em frente a uma coluna de tanques. Os tanques desviam-se, ele acompanha. Os tanques ameaçam, ele insiste. E depois os tanques param porque algum soldado lá dentro terá sentido que não conseguiria matar ali aquele homem. Houve muitas tentativas para encontrar a identidade e confirmar o seu destino, que eu saiba sempre infrutíferas. Será melhor assim; seria bom que o “dissidente desconhecido” fosse simplesmente a corporização de algo que existe em cada um dos humanos. Trata-se, quanto mais pensamos nisso, de um documento simples e muito perturbador. A realidade lembra-nos todos os dias que nós humanos estamos predispostos à obediência; e ali está a prova em contrário, contra todas as evidências mesmo, de que afinal um desobediente consegue deter um império. Coisa difícil de acreditar.
Nos anos seguintes, a China mudou muito. Ficou mais rica e poderosa; os ingénuos do capitalismo acreditaram que com o dinheiro viria a democracia, que “a China ficaria mais parecida connosco”. Afinal, foi o contrário que aconteceu. Nós é que estamos agora mais parecidos com a China, mais dispostos a trocar democracia por dinheiro — por exemplo dispostos a deslocar uma manifestação, em Lisboa, para que os dirigentes chineses possam viver no seu mundo de deferência e fantasia.
Sim, eu sei. Estamos endividados e os dirigentes chineses fazem o favor de comprar a nossa dívida. Por mim, podem comprar toda a dívida que quiserem. Isso não apagará a dívida maior, mais profunda e impossível de pagar que temos ao homem do tanque.» (Rui Tavares)
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Revista de blogues (11/11/2010)
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