quarta-feira, 6 de junho de 2012

As declarações de Januário são de louvar?

Pelo pouco que conheço, simpatizo pessoalmente com a figura de Januário Torgal (a ausência do termo reverencial «Dom» deve-se ao fim dos títulos nobiliárquicos em Portugal, faz já mais de cem anos). Parece-me um indivíduo com empatia pelos mais desfavorecidos, e com vontade de afrontar as injustiças e abusos dos poderosos.
Portanto, quando faz críticas severas a este terrível Governo, e estas terríveis políticas, desde as mais recentes («No fim ainda aparece um senhor, que pelos vistos ocupa as funções de primeiro-ministro, dizendo um obrigado à profunda resignação de um povo tão dócil e tão bem amestrado que até merecia estar no Jardim Zoológico.») até às muitas outras que tem vindo a fazer, apelando à mobilização cívica, à defesa da Democracia, a minha primeira reacção é de aplauso.

Mas depois percebo o meu erro. Pelo papel que tem, Januário não deveria fazer esse tipo de declarações. Eu não gosto quando o Bispo da Madeira fala no «Dragão do Comunismo», tentando condicionar os votos dos madeirenses usando para tal o seu papel de autoridade religiosa. E esta situação é uma de muitas, reais ou hipotéticas. A lei actual limita a liberdade de expressão dos sacerdotes para se imiscuírem nas questões político-partidárias. Pelos vistos considerou-se que o poder de dizer, de forma credível para muitos devotos, «se votas no partido X vais para o Inferno, se votas no Z Deus recompensar-te-á», é um poder excessivo e que a lei tem de proibir o seu abuso. É um debate interessante saber se a lei deveria ser desta forma ou não.
Mas enquanto for, creio que não deveria aplaudir quem a viola, mesmo que concorde com as suas palavras e as considere bem intencionadas.

21 comentários :

Filipe Moura disse...

Eu acho que a igreja deve tomar posições políticas. Acho muito bem que o bispo da Madeira fale no "dragão do comunismo". Acho muito bem que eles mostrem quem são. Agora quando um indivíduo faz críticas justíssimas e tu preferes que ele fique calado só porque é da igreja, não sei o que te hei de dizer, a não ser que o teu anticlericalismo cega-te. És muito coerente. Este teu texto prova quer a tua coerência, quer a tua cegueira anticlerical. Fazes lembrar os tipos do PCP, que também são muito coerentes e muito cegos. Agora, se me dás licença, acho que o país deve muito mais ao PCP que aos cegos anticlericais, pelo que lhes desculpo muito mais depressa as cegueiras.

João Vasco disse...

Filipe Moura,

A tua vontade de me chamar anti-clericalista é que pelos vistos te cegou para esta parte do texto:

«É um debate interessante saber se a lei deveria ser desta forma ou não.

Mas enquanto for, creio que não deveria aplaudir quem a viola, mesmo que concorde com as suas palavras e as considere bem intencionadas.»


Para mim não é nada óbvio que a lei deva ser dessa forma. Realmente é daquelas questões que me põe na dúvida.
Mas há limitações à liberdade de expressão que podemos defender que desapareçam mas não devemos violar enquanto existem, como o dia da reflexão antes das eleições. Mesmo quem considera que esse dia não faz sentido, que a reflexão não deve ser separada do debate, não o deve desrespeitar (até porque isso constituiria uma vantagem injusta).


Aliás, se eu fosse «cego» pelo anti-clericalista a minha primeira reacção não teria sido aplaudir, de forma inconsistente, as palavras de Januário. Não é cegueira, é acreditar que há leis que, enquanto existem, devem ser respeitadas sempre e não apenas quando convêm.

NG disse...

«se votas no partido X vais para o Inferno, se votas no Z Deus recompensar-te-á»

Ai JV, JV...
É evidente que a Fé pode ter, entre outras, implicações políticas. Os documentos relativos à Doutrina Social da Igreja ou os textos ligados à teologia da libertação,por exemplo, conduzem, no seu contexto, a consequências políticas. A instituição apela a que os fiéis se empenhem activamente na participação política. Mais próximo de alguma condenação estará o alheamento ao governo da Cidade do que o interesse pelas escolhas que podem decidir o seu futuro. Agora, o que não se pode é confundir escolhas pessoais com a a adesão institucional da Igreja a este ou àquele partido. Conheço pessoas que vão à missa, e que se dão bem, desde a extrema direita à extrema esquerda. E assim está bem.
Tu é que, se não tomas cuidado, e como bem diz o Filipe, deixas de olhar para a realidade que te cerca senão com uma grelha de apreciação: O/1, penso que tem a ver com religião/penso que não tem a ver com religião. São opções...

NG disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
NG disse...

Ainda há lugares onde as instituições religiosas se confundem com o poder político, JV. Será isso que defendes? A muitos deles, até aqui se bateram palmas.
http://www.spectator.co.uk/coffeehouse/blogs/douglas-murray/2012/june/the-arab-winter-continued

Ricardo Alves disse...

Filipe Moura,
aconselho-te a reflectir na razão de o legislador ter escrito isto nas leis eleitorais:

«Artigo 153º – ( Abuso de funções públicas ou equiparadas )
O cidadão investido de poder público, o funcionário ou agente do Estado ou de
outra pessoa colectiva pública e o ministro de qualquer culto que, abusando das
suas funções ou no exercício das mesmas, se servir delas para constranger ou
induzir os eleitores a votar em determinada ou determinadas listas, ou abster-se
de votar nelas, será punido com prisão de seis meses a dois anos e multa de
10.000$ a 100.000$.»

http://www.laicidade.org/wp-content/uploads/2007/01/lei-14-79-lei-eleitoral-ar.pdf

Januário Torgal Ferreira, acrescente-se, é um caso especial: está equiparado a oficial das forças armadas. Recebe um salário do Estado para ser... padre. Mas aos *verdadeiros* oficias das FA´s, não os deixam falar com esta liberdade. Nem aos funcionários públicos, em geral.

Ricardo Alves disse...

Quem aplaudiu o quê e onde?

NG disse...

Ó Ricardo,
E quais são as listas em que D. Januário induz os eleitores a votar?
Não consegues separar declarações no exercício das suas funções e o direito a expressar uma opinião?
Se todos os funcionário públicos não pudessem expressar as suas opiniões políticas se calhar até de ti próprio se poderiam sacar umas boas multas.
Vocês estão a falar disso apenas e só porque é um bispo da Igreja Católica (note-se que eu nem simpatizo com o estilo) e porque nos querem lembrar que ainda há gente encalhada numa mentalidade mata-frades típica do século XIX. Ok, já nos lembramos.

NG disse...

Já falamos disso. Fiquemo-nos por este exemplo:
http://esquerda-republicana.blogspot.com.br/2011/02/as-revolucoes-no-magrebe.html
"As revoltas em curso não foram desencadeadas por forças islamistas organizadas". Nadinha mesmo. Nem foram empolgadas pela esquerdalha que vai do Jugular ao Bloco de Esquerda. Só os comunas é que as toparam logo.

João Vasco disse...

Induz a votar nas listas de oposição a este Governo PSD-CDS.

João Vasco disse...

Aliás, entra no campo do «constranger», em relação ao PSD-CDS.

João Vasco disse...

Nuno Gaspar,

Vou repetir o mesmo que disse ao Filipe Moura:

«É um debate interessante saber se a lei [o Artigo 153º que o Ricardo citou] deveria ser desta forma ou não.

Mas enquanto for, creio que não deveria aplaudir quem a viola, mesmo que concorde com as suas palavras e as considere bem intencionadas.»

E reforcei:

«Para mim não é nada óbvio que a lei deva ser dessa forma. Realmente é daquelas questões que me põe na dúvida.»

Portanto, entendo que a Fé pode ter implicações políticas. É natural que a Igreja defenda o «não» no referendo do aborto, ou que está contra esta lei específica ou aquela.

Mas a acertividade deste ataque ao Governo vai muito além disso. Quem me dera que muitas outras pessoas dissessem aquilo que Januário disse. Só que realmente ele ao dizê-lo está a desrespeitar a lei...

Mea Culpa Mea Maxima Culpa Miserere Dominus Meo disse...

acho muito bem que o pé azarath curreia e ademais pÁROCUS militares façam o babádé...se resultou com os sipaios durante o império

Mas a acertividade deste ataque ao Governo(,) vai muito além disso....ahi vai? dura lex sed lex...a lei que é a cartilha do estado novo já velho...

NG disse...

Obviamente não desrespeitou a lei. A menos que se considere qualquer opinião política de professores, médicos, juízes, magistrados, ... um desrespeito à lei. Ou esses não são "funcionários do Estado"? Parem com essa imbecilidade.

João Vasco disse...

Agora cito o Ricardo Alves, porque concordo com a avaliação dele:

«Mas aos *verdadeiros* oficias das FA´s, não os deixam falar com esta liberdade. Nem aos funcionários públicos, em geral.»

NG disse...

Hã?!

Filipe Castro disse...

Eu acho que é imoral a ICAR ter o estatuto que tem na republica em 2012. Os papas, os cardeais e os bispos deviam ter direito a dizer o que lhes apetecesse, a viverem em palácios e a andarem todos de sapatinhos Prada encarnados, em carros com vidros com 10 cm de espessura, lavarem dinheiro no Banco Ambrosiano, fazerem negócios com a Camorra, tudo. Mas deviam pagar impostos e ganhar a vida com o trabalho próprio, como nós, em vez de serem constantemente subsidiados pelos contribuintes.

Ou então devíamos subsidiar os astrólogos e os homeopatas e as santas da ladeira e os economistas da Católica e o professor Karma...

Anónimo disse...

Caro Filipe Castro,

Nós já subsidiamos os economistas da Católica, que é financiada pelo Estado...

Ricardo Alves disse...

Nuno Gaspar,
não sou funcionário público.

E sim, isto induz os eleitores a votarem contra o PSD/CDS.

Ricardo Alves disse...

Nuno Gaspar,
truncar uma citação é distorcê-la.

O que eu escrevi foi o seguinte.

«As revoltas em curso não foram desencadeadas por forças islamistas organizadas (que, todavia, existem), e muito menos por partidos marxistas clássicos (mas há sindicatos). São, em grande parte, a obra de jovens socializados e politizados pela internet (incluindo o twitter e o facebook), que partilham a cultura política libertária globalizada. Dificilmente se imagina estes jovens voltados para Meca, mas o final de uma revolução não se descortina facilmente no seu início.»

E escrevi isto em Fevereiro de 2011. Já tinha dúvidas.

bruno disse...

Mas pode realmente aqui dizer-se que ele "abusou das suas funções" ou proferiu aquela opinião "no exercício das mesmas"? Quer dizer, ele não estava numa missa, nem tão pouco invocou Deus ou a Bíblia ou a Igreja.

Sem perceber nada de direito, parece-me que a lei inclui esta premissa deliberadamente para que todos os cidadãos possam ter e discutir a sua opinião. E de facto não faz sentido excluir funcionários públicos do debate político, desde que eles não andem a dar panfletos políticos lá na repartição de finanças...