sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O sistema partidário implantado pelo 25 de Novembro

Portugal vive no regime político implantado pela revolução de 25 de Abril de 1974 (e pelas eleições constituintes de 25 de Abril de 1975), e no sistema partidário resultante do 25 de Novembro de 1975.


Explico-me. Do 25 de Novembro de 1975 resultou a assunção (correcta ou não, já pouco importa...) de que os partidos políticos à esquerda do PS eram irremediavelmente antidemocráticos, como o «comprovava» o seu alegado envolvimento numa tentativa de tomada de poder pela força. Deste mito fundador do sistema partidário português pouco resta hoje: as «provas» de uma tentativa de tomada de poder partidariamente organizada a 25 de Novembro de 1975 são escassas, para não dizer risíveis. No entanto, o PCP e outros partidos da esquerda radical (incluindo, na última década, o BE) ficaram definitivamente afastados do poder governamental, e mesmo de simples coligações locais com o partido maioritário da esquerda, o PS. Ao contrário do que se passa na França, na Itália ou até na Espanha, em Portugal as convergências globais das forças de esquerda, em trinta e três anos, resumiram-se a três eleições presidenciais (1980, 1986 e 1995, no segundo caso só na segunda volta) e a uma única câmara municipal (a de Lisboa, entre 1989 e 2001). A divisória funcional fundamental não é entre esquerda e direita, mas entre o bloco CDS-PSD-PS e os partidos à esquerda do PS. Esta é uma situação anómala, e que só prejudica o conjunto da esquerda.


Manuel Alegre identificou certeiramente este bloqueio da esquerda portuguesa, como tem referido em discursos e entrevistas. É à amputação da esquerda do espaço de poder que se deve o desequilíbrio à direita da política portuguesa, particularmente a «direitização» do PS, com as consequências conhecidas de o PS governar sempre à direita da sua base de apoio e da maioria dos seus militantes. Construir uma força política que permitisse romper este bloqueio (uma «força de desbloqueio»?) poria fim ao sistema partidário que dura desde o 25 de Novembro. E já é mais que tempo.

21 comentários :

João Vasco disse...

Eu vejo riscos complicados...

A esquerda ficaria bastante fragmentada - 4 partidos com presumível representação parlamentar (excluindo o PEV por razões óbvias) ao invés dos 2 da direita.

Parece-me previsível que o partido do Sócrates fosse então deixar o centro para se tornar, ainda com menos receios, de direita. Então uma situação de maioria eleitoral de esquerda passaria à situação oposta.

É verdade que a situação actual tem problemas, parece-me que no geral a tua nálise é certeira. Mas será que essa solução os ajudaria? Tenho alguns receios.

Ricardo Alves disse...

JV,
há a possibilidade de o partido de Alegre (se vier a existir...) concorrer autonamente às eleições europeias, que serão as primeiras de 2009 e se disputam num círculo nacional, e se coligar com o BE para Outubro de 2009. Nesse caso, só haveria três forças de esquerda (parlamentares) nas legislativas. E a nova força, teoricamente, poderia coligar-se com o PS(?).

Há uma série de variáveis (e de incógnitas) neste cenário. A maior, na minha opinião, é mesmo saber se Alegre seria a única figura de peso da ala esquerda do PS a apoiar a cisão. Até agora, não é claro, embora haja insatisfação nessa área:

http://dn.sapo.pt/2008/12/16/nacional/esquerda_ps_afastase_socrates_e_pede.html

no name disse...

o cenário ideal (no sentido de criar uma lufada de ar fresco no panorama eleitoral) envolveria não só esta cisão, mas também a sempre anunciada cisão do PPD/PSD com mfl e afins pseudo-intelectuais para um lado e menezes e santana e afins populistas para outro. teríamos assim 3 partidos à direita e 4 à esquerda (esquece os verdes), onde nenhum teria hipótese de atingir maioria absoluta sózinho e todos teriam que (também à esquerda!!) aprender a fazer coligaçõs governativas estáveis... aí sim, a coisa ficava interessante!

Anónimo disse...

Mas com o Pateta Alegre não! Por amor de Deus!

Anónimo disse...

Os Senhores são todos varridos da cuca, ou antes, as vossas previsões são tão credíveis e convincentes como a possibilidade de vir a ser presenteado pelo Pai Natal.

Anónimo disse...

Antes de mais, registo que, como já foi diversas vezes aqui dito, este blog saiu claramente da sua esfera ideológica, para a do BE! Pior que isto só o que o Eanes e o Alegre fizeram ao PS (entre um e outro caso, só muda o timing).
Em primeiro lugar, o que aqui está em causa é o facto do Manuel Alegre, mais uma vez se servir do PS para depois "cuspir no prato em que come". E toda a atenção que tem desde 2005 se deve ao facto de ser uma personalidade velha do PS a combater o PS. Ele, que como sempre foi um preguiçoso incompetente, fartou-se de fazer asneiras e dar facadas, ficou isolado, ao ponto de nem sequer as bases o quererem: Manuel Alegre não é eleito por Coimbra à 20 anos! Tem que entrar pela quota do Secretário-Geral...
Donde, a questão dos partidos à esquerda do PS surge mais uma vez sob a égide de que este se vai ter que aliar, e que é inaceitável aliar-se com o CDS. Porém, o PS pode ter maioria absoluta e se não tiver não será certamente Sócrates a Governar.
Assim, um debate que começa com um problema inexistente é já de si, sem sentido.
No entanto, se se quer discutir a divisão dos partidos parlamentares da nossa democracia com base na sua presença ou não no Governo (esquecendo um breve trecho de Governo comunista do Sr. "bardamerda"), então deve-se perguntar porque é que é assim.
Mas antes disso, outra nota, o BE e o PCP já se coligaram com outros partidos múltiplas vezes além da CML, inclusivamente o PSD-PCP-PEV, em várias autarquias (a Junta de Freguesia da área onde trabalho, por exemplo!), no Ensino Superior as Associações de estudantes nos anos 90 eram dominadas por coligações PSD-PCP.
Ou seja, se não há coligações governamentais do PS com os partidos sentados sua à esquerda isso talvez tenha, como penso, as sua raízes na falta de credibilidade desses partidos. Esses partidos não têm um programa de Governo, e ainda está para nascer o dia em que a misturangada do BE consegue suprimir as suas divisões ideológicas gritantes e acordar fazer um programa de Governo. A especialização desses partidos é dizerem que concordam em determinados pontos e pessoas, e depois quando esse acordo é posto à prova falham sempre e traem vilmente a outra parte. (O mais recente exemplo disso foi o que o BE fez a Sá Fernandes).
A meu ver, o PCP e o BE não são escolhas preferenciais de coligações com o PS porque têm uma estratégia de contrapoder; que os faz defender pontos que não podem ser realizados, pelo que se fossem Governo deixariam inevitavelmente ficar mal a sua base de apoio: quer por arruinar o país, quer por trair as suas bandeiras.
O BE e o PCP são partidos nos quais está na essência ser contrapoder. Por isso, a sua estratégia e intenção é provocar e criar instabilidade, no sentido de defender os seus interesses profundos que são uma mudança no sistema democrático.
O 25 de Novembro são só os "bons velhos tempos" em que acharam que estava chegada a hora de implantarem a ditadura do proletária do em Portugal. Uma coisa é certa na altura assumiam-no; hoje defendem-no?!

Filipe Brás Almeida disse...

Está bem documentado (como alias, também está, ao contrário do que afirma, a tentativa de tomada de poder dos radicais, a 25 de Novembro de 1975), que o que impediu em grande parte, as revoluções e tomadas de poder da Esquerda Radical na Europa ocidental, foi a sua fragmentação em esquerda radical e moderada vulgo social-democrata.

Sendo a liberdade e legitimidade democrática coisas dignas de serem prezadas, ainda bem para todos nós que assim foi. Mais razão ainda para apoiar o actual PS, e para responder à Poesia Política Alegrista, com o devido escárnio e desprezo.

Filipe Castro disse...

Concordo com o Filipe BA, excepto no que diz respeito a votar PS. Acho que o parlamento ganhava muito em ter quatro ou cinco deputados humanistas, laicos e social-democratas, que levantassem questões pertinentes de forma credível e serena. Sem a hipocrisia sinistra do PC e a sombra de maoismo histérico do BE (quando voto, voto BE, mas sem entusiasmo nenhum).

Acho que Portugal deve continuar sociologicamente dividido a meio, entre esquerda e direita, como há 100 anos, mas as organizações políticas de esquerda não têm muita credibilidade (o BE podia ter, mas Louçã falhou a mensagem: ninguém o imagina ministro) e a direita aproveita (com o apoio da ICAR) para abusar e vender uma imagem de "seriedade" e "competência".

Ricardo Alves disse...

Filipe Brás Almeida,
concordo que estaríamos pior se o PCP ou uma coligação PCP+qq coisa tivesse tomado o poder em 1975. Mas não estou convencido de que tenha realmente existido essa tentativa de tomada de poder em 1975 (e estudei esse período com algum cuidado). Concretamente, no dia 25 de Novembro de 1975 a esquerda radical poderia ter controlado as ruas do Alentejo e da cintura industrial de Lisboa. No entanto, salvo raras excepções, não saíram à rua.

Mas tudo isso deveria hoje ser secundário. A construção de Repúblicas laicas, do Estado-providência e de democracias saudáveis só foi possível na Europa ocidental com o concurso da esquerda radical (sempre como parceiro menor, é evidente). Em Portugal, a esquerda tem funcionado sempre amputada. E isso tem tido consequências, desde os atrasos em questões como a despenalização da IVG ou os casamentos entre homossexuais, até à definição dos serviços públicos.

Ricardo Alves disse...

Anónimo das 1:42,
fico sempre comovido quando vejo pessoas (sobretudo «anónimos») aparecerem por aqui preocupados com a linha política deste blogue. Acho que realmente transparece de tudo o que escrevemos um grande cuidado em atacar o partido A, defender o partido B e enaltecer o C. ;)

Pelo menos é isso que temos combinado cuidadosamente na lista de discussão interna. ;)

Mas adiante. Eu referi no texto as coligações eleitorais no período de vigência constitucional. É evidente que houve governos provisórios com ministros do PCP e do MDP/CDE, e que em juntas de freguesia há acordos pós-eleitorais incríveis. Eu referia-me a coligações pré-eleitorais em eleições que realmente contassem.

A questão fundamental, para mim, é que hoje já ninguém sabe se o PCP e o BE nunca foram poder por serem «contra-poder», ou se são «contra-poder» por nunca terem sido poder. É essa a pescadinha de rabo na boca que bloqueia a esquerda portuguesa. Nos outros países latinos, não existe este bloqueio, o que tem permitido aos partidos social-democratas governar mais descomplexadamente à esquerda.

Filipe Brás Almeida disse...

A esquerda radical, longe de ter sido um parceiro menor na construção do modelo social europeu, foi na verdade em grande parte irrelevante para o caso. O modelo social europeu, encontra as suas raízes num conjunto de factores específicos do cenário pós-apocalíptico da 2ª guerra mundial, como a ausência de grandes fardos orçamentais militares graças ao escudo nuclear americano, mas sobretudo como resultado de uma serie de governos Gaullistas na França, centro-direita na Alemanha e centro-esquerda no norte da Europa.

Os atrasos nas causas que enumera, não são a meu ver, imputáveis a uma amputação da esquerda. Para já porque não as reconheço como causas de esquerda, e sim como questões básicas de liberdade e cidadania.

A união da esquerda não é a resposta. Uma espreitadela pelos estados mais bem sucedidos da Europa, e não vejo como se pode concluir para o panorama português, que uma união ou convergência da esquerda seria benéfica.

Anónimo disse...

O parlamento tem muitos deputados laicos, humanistas e republicanos. Quanto a sociais-democratas há alguns no PS e alguns no PSD.
Porém, não vejo uma só dessas virtudes no BE.

Ricardo Alves disse...

«O parlamento tem muitos deputados laicos, humanistas e republicanos.»

Diga-me o nome de dez! ;)

Ricardo Alves disse...

Filipe Brás Almeida,
o modelo social europeu foi construído como defesa contra o «inimigo externo» (o comunismo soviético da Europa de leste) e o «inimigo interno» (a esquerda radical da Europa ocidental). Sem estes dois factores de pressão, não teria sido possível conseguir um consenso tão alargado.

Quanto às causas que enumerei, a verdade é que não encontra muita gente à direita disposta a defendê-las.

Luis Grave Rodrigues disse...

Oi Ricardo:

Já pensaste que a fragmentação da esquerda (leve ou não a uma bipolarização à direita) pode muito bem não vir do PS mas dos próprios partidos à sua esquerda?

O Bloco de Esquerda demonstra que nunca ultrapassará a fase de "esquerda caviar" que faz propostas infundamentadas desde que soem bem e passem por politicamente correctas.
Porque sabe - e até expressamente optou e até o disse - que nunca chegará ao poder.

Até já afirmou que NUNCA avalizaria um Governo PS - mesmo que isso significasse uma alternativa PSD/CDS.

Quanto ao PCP, é mau demais para ser verdade.

Basta leres isto:

http://rprecision.blogspot.com/2008/12/os-comunistas-que-temos.html


*

Um abraço e votos de um bom Solstício.


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Ricardo Alves disse...

Caro Luís,
sinceramente, já não me interessa saber se a culpa será mais dos comunistas, dos socialistas ou dos bloquistas. Como não me interessa saber se é por o BE dizer que prefere um governo PSD/CDS a um PS/BE, ou se é por o PS dizer que prefere o CDS ao BE.

O que me interessa é que esses antagonismos têm a sua origem em acontecimentos históricos que hoje, depois da entrada na UE, da queda do muro de Berlim e da guerra do Iraque, deveriam ser pouco relevantes. O que me preocupa é que esse antagonismo PS/PSD/CDS versus PCP/BE seja mais actuante em Portugal do que o esquerda versus direita.

Feliz solstício para ti também. ;)

Filipe Castro disse...

Eu acho que a esquerda radical teve (e tem, nos países mais civilizados) um papel importantíssimo na formação das democracias. Os pequenos partidos radicais são frequentemente uma consciência moral e uma fonte de energia crítica e criativa. A Holanda é um bom exemplo disto. O Maio de 68 outro.

Por princípio, gosto muito de partidos pequenos.

Zeca Portuga disse...

“Os pequenos partidos radicais são frequentemente uma consciência moral e uma fonte de energia crítica e criativa.”

Então não são!...
Basta ver a bons exemplos: Le Pen, Jörg Haider, Vladimir Jirinovski… etc, etc.

Esta certo que o actual PS do guru sócrates, situa-se algures entre o “nacional-socialismo” do sr. Adolf e o “radicalismo” do sr, Ióssif Dzhugashvili, mais conhecido por Stalin, numa zona de penumbra ideológica de que ninguém conhece as balizas.

Filipe Castro disse...

Acho que mesmo a extrema-direita mais odiosa meree ser ouvida, e se houver um número suficiente de desgraçados, esquecidos e humilhados, em qualquer país, acho que eles têm o direito de serem representados num parlamento.

Eu sou a favor de penas excepcionalmente pesadas para os crimes de ódio, mas acho que as minorias têm o direito a serem ouvidas e representadas.

Em Portugal, como no resto do mundo, a extrema-direita é o reduto dos infelizes. E os infelizes têm direitos.

Anónimo disse...

Como eu percebo a indecisão de Manuel Alegre...também eu estou indeciso e pelos mesmos motivos.
Mas penso que neste momento o único que presta é o BE.

Unknown disse...

O Alegre é o exemplo do Aristocrata para quem o liberalismo é uma afronta.