A lógica do jogo político implica que aqueles que se apoiavam nas agências de notação agora as ataquem. Faz parte da política politiqueira. Mas é necessário olhar um pouco mais longe.
A questão de fundo é saber como se combate o poder das ditas agências. É positivo que os afectados pelas decisões comecem a revogar contratos. Como é positivo que o BCE faça o contrário do que elas recomendam. São pequenos passos, quase simbólicos, na direcção da recuperação da soberania democrática. Quanto a passos maiores, nas últimas horas tem-se formado um consenso europeísta pela criação de uma agência de notação europeia. O que não resolve nada: é atirar combustível para o fogo. A crise actual poderá ser uma batalha de uma guerra dólar-euro. Mas criar outra agência (igualmente inimputável?) é aceitar a lógica das democracias governadas pelos mercados. (E duvido, honestamente, que a UE ganhe qualquer tipo de guerra financeira com os EUA.) O que é necessário é limitar o poder dessas agências, e devolver o poder a responsáveis eleitos. Nesse sentido, a proposta que apoio é a de que as agências de notação deixem de avaliar Estados. Já brincaram demasiado connosco e com as nossas vidas. Democracia é o governo pelo povo, não é o povo no lixo.
11 comentários :
Uma das razões para esta catástrofe de andar com súbitas e intensas mudanças de direcção nos mercados (moedas, obrigações, acções, commodities, derivados) é ter-se deixado transferir o cepticismo das áreas onde ele mais era necessário, e a sua ausência perigosa, como as ciências sociais, para outras onde ele se torna irrelevante, como a religião. E as casas que você frequenta, Ricardo, têm dado o seu contributo para isso. Como as próprias agências de rating alegam em sua defesa, limitam-se a dar opiniões. E devem ser tratadas como tal - emitentes de opiniões. Capacidade de predizer o futuro - zero.
Como é que se impede alguém de avaliar Estados?
«Uma das razões para esta catástrofe de andar com súbitas e intensas mudanças de direcção nos mercados (moedas, obrigações, acções, commodities, derivados) é ter-se deixado transferir o cepticismo das áreas onde ele mais era necessário, e a sua ausência perigosa, como as ciências sociais, para outras onde ele se torna irrelevante, como a religião.»
É precisamente o contrário, a falta de espírito crítico que justifica a popularidade tão elevada da religião, da astrologia e tudo o mais, também tem consequências nefastas no que diz respeito à participação política dos cidadãos.
Obrigado pela ilustração com as palavras de caldeirada do costume, João Vasco.
democracia é dar ao povo a ilusão que tem o poder
como dizia o velho Otto dê-lhes um parlamento que isso acalma-os
João Vasco disse...
É precisamente o contrário, a falta de espírito crítico
que se mascara de sentido crítico...
quando é o oposto
numa sociedade mecanizada ou se criam serviços e produtos imateriais em barda ou...
entendido?
não?
não faz mal
poucos chegarão ao apocalipse vivos
e o futuro não tem preditores
a futurologia tem vistas curtas
«a futurologia tem vistas curtas»
O problema é justamente a capacidade das agências de notação de confirmarem as suas próprias previsões.
Nuno Gaspar,
o cepticismo não se transfere nem se compartimenta. Se se é céptico com a religião também se é com a economia e a política. A inversa é que é mais rara.
«Como é que se impede alguém de avaliar Estados?»
Boa pergunta. Por lei, acho eu. As alternativas são deixar de ligar ao que dizem e deixar de lhes pagar.
Ricardo,
"o cepticismo não se transfere nem se compartimenta."
Talvez. Mas, normalmente, quem dá murros na parede agastado com a infalibilidade papal mostra grande doçura com a falibilidade dos profetas da economia.
Nuno Gaspar,
não deve estar a pensar nos autores deste blogue...
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