É possível encarar uma perspectiva que divide a sensibilidade moral das pessoas em cinco categorias, que passo a descrever:
-Magoar/Cuidar: é condenável provocar sofrimento desnecessário a terceiros; é louvável ajudar terceiros; é louvável proteger os mais fracos
-Justiça/Reciprocidade: é louvável a gratidão; é louvável castigar os que agrediram outros
-Pertença ao grupo/Lealdade: é louvável defender os interesses do grupo acima dos interesses do próprio; é condenável o abandono do grupo; é condenável criticar o grupo
-Autoridade/Respeito: é louvável obedecer à autoridade instituída; é condenável criticá-la
-Pureza/Santidade: é condenável o que nos provoca naturalmente um sentimento de repulsa, tudo o que é «contra-natura»; é condenável o hedonismo; é louvável o auto-controlo no que diz respeito aos prazeres hedonistas
Qual é a sensibilidade moral de um liberal? Quais destas dimensões deveriam ser mais salientes?
Tratando-se de um liberal, dificilmente seria mais saliente a dimensão relativa ao respeito pela autoridade instituída; ou a lealdade entre o grupo. Ou não sejam o totalitarismo e o colectivismo - duas coisas que o liberalismo vê como abejctas - o corolário da aceitação desses valores morais.
Pelo contrário, para um liberal o valor que a lei deve proteger é fundamentalmente o segundo (justiça/reciprocidade), talvez em certa medida o primeiro (magoar/cuidar), dependendo da sensibilidade moral do liberal em questão.
No entanto, quando comparamos as pessoas de Esquerda e de Direita nos EUA, repetidamente se verifica que são as que se identificam como sendo de Direita aquelas que dão mais valor à terceira e quarta componentes (e à quinta, também); sendo (em termos relativos) as pessoas de Esquerda aquelas que mais valorizam as duas primeiras.
As pessoas de esquerda nos EUA são designadas como «liberals», mas a palavra tem lá um significado diferente daquele que damos na Europa, e daquele que corresponde à sua origem etimológica.
Aquilo que é curioso é que estes estudos demonstram que, de acordo com o significado que nós (europeus) damos à palavra liberal, a esquerda nos EUA é significativamente mais liberal que a direita.
Temos alguma razão para acreditar que em Portugal acontece o oposto?
Não encontro nenhum fundamento para tal alegação.
4 comentários :
João, a tua "evidência empírica" reporta-se somente aos EUA, uma sociedade bem diferente da europeia do sul, por exemplo. Todas as conclusões a que chegas podem ser válidas para os EUA, mas não o são para outros tantos países. E não o são em geral. Continuo a achar que, em geral, a questão que levantas não tem resposta. Não faz sentido.
Filipe Moura:
Eu especulei que o mesmo fenómeno acontecesse em Portugal. A especulação baseava-se nas enormes semelhanças culturais.
O Miguel Madeira, nos comentários ao primeiro texto, disse algo que indicia que esta especulação tinha razão de ser:
«"Em Portugal não existem estudos que nos possam dar uma resposta directa."
Existe pelo menos um estudo (com resultados semelhantes aos que o João Vasco apresenta), mas vio-o num livro (tenho uma vaga ideia que do José Adelino Maltez) que folhei numa livraria - ou seja, não tenho nenhuma pista para a sua identificação. O estuda analisava uma perferencia por igualdade vs. liberdade na economia e no resto e chegaram à conclusão que a defesa da "liberdade" na economia estava associada à defesa da "igualdade" (entendida aqui como uniformidade) no resto, e vice-versa (a explicação que os autores sugeriam era que, como Portugal teve uma ditadura com grandes desigualdades de riqueza, isso levava os defensores do igualitarismo económico a serem contra ditaduras).»
Um texto que eu escrevi há uns anos sobre o assunto:
http://ventosueste.blogspot.com/2005/12/esquerda-e-direita-tentativa-de.html
Miguel Madeira,
«na economia, a esquerda tende a ser colectivista e a direita individualista; mas, em termos culturais e intelectuais, é a esquerda que valoriza mais a ideia do individuo pensar por si próprio e não ligar aos "preconceitos sociais", enquanto é a direita que valoriza mais a ideia de que uma tradição comum é o "cimento" da sociedade e que é impossivel o individuo procurar a "verdade" por sí próprio, ignorando os "ensinamentos" dos antepassados»
Pois, é a situação descrita na segunda imagem do primeiro texto.
De qualquer forma, em rigor poder-se-ia alegar que a defesa da propriedade privada é que é colectivista... afinal é a «ditadura da maioria», a gigantesca maioria que prefere abdicar de furtar para evitar o esforço constante de proteger os bens a que tem acesso (maioria na qual me incluo sem reservas).
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