Mas convém ter cuidado, e não ser inconsistente. Aqueles que lutam para que se faça uma auditoria, que tenha como resultado não pagar a dívida integralmente, fazem-no acreditando que terão alguma possibilidade de sucesso. Pois essa possibilidade estar menos distante da realidade resultaria precisamente num maior risco para quem adquire dívida portuguesa em «segunda mão» - pode ser que depois não seja paga.
Assim, não podemos lutar pelo proveito, e indignarmo-nos com a fama.
Ou bem que acreditamos que temos de pagar tudo até ao último cêntimo, e vamos pagar tudo até ao último cêntimo, e não existe nenhuma razão sólida para imaginar que o contrário é mais que um cenário delirante - caso em que a indignação pode ser justificável.
Ou bem que acreditamos que não, que a dívida deve ser renegociada, que o default (parcial ou total) deve ser um cenário em cima da mesa, e queremos lutar nesse sentido, caso em que não podemos ficar indignados com a hipótese de alguém acreditar que esses cenários serão realidade.
O que não faz sentido é a esquizofrenia de gritar «Não pagamos!!» e depois vociferar «Aquelas bestas estão a dizer que não vou pagar!».
Eu sugiro o oposto. Em vez de lutar pelo proveito e nos indignarmos com a fama, aceitar a fama e exigir também o proveito. O principal problema de renegociar a dívida seria mesmo este: isso implicaria uma diminuição dos ratings, o que acarretaria um aumento dos juros. Mas os ratings já estão num nível tão reduzido (lixo), que os ganhos associados à renegociação superam possíveis perdas devidas a uma pior «reputação». Com os juros menores associados a uma renegociação, a economia teria mais recursos para crescer, e de futuro as possibilidades de pagar iriam aumentar em vez de minguar. A prazo isso implicaria um aumento das classificações. Pelo contrário, evitar a renegociação com medo do impacto que isso teria na nossa reputação quando o mercado já «internalizou» esse risco, faz pouco sentido. Acabaremos por renegociar à mesma mas em condições piores.
Ainda assim, concordo com José Gomes Ferreira na sugestão que faz relativa à alteração do funcionamento do BCE, e da influência que as agências têm a esse respeito. O BCE não é uma instituição privada, deveria reger-se por critérios objectivos, e não por critérios opacos que poderão ser - pelo menos em princípio, e a história prova que não apenas... - manipuláveis por interesses inconfessáveis.
26 comentários :
Ou então,
"Sim, nós podemos pagar a dívida, mas não necessariamente apenas à custa de cortes salariais."
«A prazo isso implicaria um aumento das classificações.»
E quem é que nos garante que a Moody's não vai continuar a considerar a nossa dívida lixo?
A questão é essa. Há empenho em destruir o euro, seja lá de que forma for.
«"Sim, nós podemos pagar a dívida, mas não necessariamente apenas à custa de cortes salariais."»
Mas não é a Moody's que faz os cortes, é o governo.
Se acreditas que devemos, podemos e vamos pagar a dívida, sem qualquer renegociação ou incumprimento, a indignação com a classificação já pode ser mais defensável.
Mas para quem acredita que não, isso não ocorre. E são estes - nos quais me incluo - os que mais têm reagido contra estas mudanças de classificação. E isso é esquizofrénico.
«A questão é essa. Há empenho em destruir o euro, seja lá de que forma for.»
Mas nota que eu não estou aqui a pôr as minhas mãos no fogo pelas intenções impolutas das agências. Apenas digo que, independentemente das intenções delas, se justifica esta variação da classificação. Precisamente pelas razões que os defensores da renegociação alegam: sem renegociação é impossível pagar.
Viva, não li os comentários.
Ninguém esteve esquizofrénico. O PSD sempre disse "Pagaremos e honraremos a dívida" seguido de "isto foi um murro no estômago". Eu sempre gritei "Não pagamos!" e acrescentei "O que eles querem é comprar mais barato a EDP, a TAP, a REN -esperemos que não se venda a REN-, a GALP, a PT, etc...". O PCP e o BE também estão do lado da reestruturação da dívida que é um "não pagamos (tudo)!"; ou melhor, que é uma nova calendarização dos pagamentos...
Bem sei que é o Governo que faz os cortes. Percebo a contradição que apontas, mas há um 3º grupo de pessoas que não se está a contradizer.
Mas há duas questões separadas.
1) O Governo actual diz que é possível pagar as dívidas e pretende fazê-lo contando com os que menos podem e com a alienação de património a terceiros de forma pouco transparente.
Eu não quero que a dívida seja paga desta forma.
2) A Moody's desceu a classificação de Portugal.
Se isso frustrar as intenções do Governo de alienar o património aos abutres que o andam a rondar há anos, são dois males que se cancelam.
Mas a questão é que a descida da classificação pouco ou nada tem a ver com isso. Tem simplesmente a ver com subir juros, depreciar o euro face ao dólar.
Há quem diga, segundo percebi, que a decisão se justifica uma vez que UE/Merkel estão a criar condições para que o crédito privado possa suster a crise grega, e que no futuro não estará disponível para Portugal. E se eu não conhecesse o historial da Moody's, daria mais peso a essa explicação.
Daí a minha posição:
Não quero que os mais pobres paguem o crédito dos remediados e não quero que a Moody's manipule a Economia portuguesa.
«Eu sempre gritei "Não pagamos!" e acrescentei "O que eles querem é comprar mais barato a EDP, a TAP, a REN -esperemos que não se venda a REN-, a GALP, a PT, etc...". O PCP e o BE também estão do lado da reestruturação da dívida que é um "não pagamos (tudo)!"; ou melhor, que é uma nova calendarização dos pagamentos...»
Então não faz sentido qualquer indignação com a Moody's, que apenas encara a hipótese de reestruturação como mais plausível.
Quanto ao PSD, diziam que as queixas do PS contra as agências de rating e ataques especulativos eram «vitimização», e que o país estava «falido», coisa que repetiram vezes sem conta, como que justificando as sucessivas desvalorizações das agências.
Agora estão do outro lado, o discurso é o oposto.
E portanto concordo com a contradição que apontas a alguns, crendo no entanto que é ainda assim possível não estar em contradição.
Para além de que a renegociação podia ser sustentada com uma descida de rating bem menos acentuada...
«Mas a questão é que a descida da classificação pouco ou nada tem a ver com isso. Tem simplesmente a ver com subir juros, depreciar o euro face ao dólar.»
Isso são consequências da decisão.
Mas o fundamento da decisão é a alegação de que, nos moldes actuais, existe um risco maior de Portugal entrar em incumprimento.
Ora isto é precisamente o que todos os partidos à excepção do PS alegavam.
A direita queria, em nome dessa alegação ir por um caminho, e a esquerda (sem contar com o PS) queria ir pelo caminho oposto.
Pois óptimo! Esta classificação deu-lhes razão. Caso se indignem, são inconsistentes.
Só (alguma) malta do PS pode indignar-se com esta classificação sem ser inconsistente.
Mas se quiseres defender a tua posição de forma honesta, como é que vais pegar num rating desonesto e dizer que te dá razão?
Talvez para um populista isso não interesse muito. Mas para um populista também não custa ir atrás do comboio de indignação.
«Mas se quiseres defender a tua posição de forma honesta, como é que vais pegar num rating desonesto e dizer que te dá razão?»
Mas se a posição defendida assenta na mesma premissa que o rating («por este caminho Portugal difilmente conseguirá cumprir os contratos»), é incoerente considerares essa posição honesta e o rating desonesto.
Mas para isso há que aceitar a idoneidade da Moody's à partida.
Se ontem algumas pessoas aceitavam a idoneidade da agências de rating, mudar de opinião hoje é ridículo e contraditório.
Mas se desde a falência do Lehman, das perdas do Credit Suisse e na perspectiva do incumprimento americano que se põe em causa essa idoneidade, não vejo porque terá de haver contradição...
Se um mentiroso te dá razão num debate, tu agradeces-lhe?
"Se um mentiroso te dá razão num debate, tu agradeces-lhe?"
Provavelmente não, mas de certeza que não me vou zangar com ele por causa disso.
Querem anotar uma solução?
Vivem 5 milhões de portugueses no estrangeiro (descendentes devem ser várias vezes mais) . Basta uma campanha patriótica de venda directa de obrigações do Tesouro, 20000 Euros a cada um, aí a uns 6% ao ano, e estarão aí 100 mil milhões de euros para arrumar a casa. Agradecemos ao FMI a disponibilidade e pintamos um pirete na cauda dos aviões da TAP com uma dedicatória às agências de rating.
acho que já aqui referi este ponto: a atitude "não pagamos", no que diz respeito à dívida líquida, não só me parece irresponsável em qualquer cenário (de rating ou do que seja), como me parece revelar uma atitude muito pouco séria. aquilo que se pode referenciar como "não pagável" diz respeito, não à dívida líquida, mas aos juros da dívida. por exemplo, recalcular toda a dívida pública a juros de 3%, fazer as contas ao que já se pagou em excesso, descontar o que se deve acima desse valor, será a única medida séria e razoável a discutir.
Ricardo Schiappa,
É justamente esse agravar da situação que temo que muitas pessoas vão acabar por pagar injustamente.
Acho que a irresponsabilidade do "não pagamos" que se ouve na rua se deve ao completo alheamento da situação.
Mas depois do downgrade de Portugal veio também o downgrade de algumas empresas públicas que vão ser privatizadas. Não creio que seja um acaso.
João Vasco,
realmente há uma terceira via: criticar as agências de notação independentemente de considerarmos que têm razão ou não. Pessoalmente, é nesse grupo que me incluo, até porque estou convencido que foi o sistema financeiro global e a arquitectura do euro que nos trouxeram a esta situação. Portanto, para mim, o importante é reduzirmos o poder das agências de notação. Porque enquanto elas tiverem poder para agravarem a nossa situação, não podemos pensar seriamente em sair do atoleiro em que estamos, pagando ou não.
Nuno Gaspar,
os «5 milhões» de cidadãos portugueses a residir no estrangeiro são um mito urbano. Existe cerca de um milhão, duvido que dois. E não creio que tenham a disponibilidade económica com que sonha, até porque poucos vivem em países com moeda tão cara como a nossa.
Ricardo,
Concordo que é importante reduzir o poder das agências sobre organismos oficiais, e nesse sentido a recente a decisão do BCE é uma boa notícia.
E não nego que a crítica às agências possa fazer sentido, até pela história passada.
O que não faz sentido é a crítica a propósito da recente decisão, pelo menos se feita pelos mesmos que defendem a mesma ideia - que estas políticas falharam na Grécia não deveríamos tentar a mesma receita falhada em Portugal.
Mito urbano?
Não têm disponibilidade económica?
Acha mesmo, Ricardo Alves?
Dois exemplos:
A Votorantim, um dos maiores grupos económicos do Brasil, fundada por descendentes de emigrantes de Baltar, Paredes, apresenta 2 mil milhões de euros de lucros por ano.
A Luis Bettencourt Dairies é a maior exploração leiteira do mundo, fundada e gerida por um açoriano de São Jorge, ordenha 6000 vacas, cerca de 30% do efectivo de Portugal.
Duvido que alguém que fale português e tenha olhado o Tejo no Terreiro do Paço, vivendo em qualquer parte do mundo, não sinta vontade de contribuir para o fim do enxovalho em que vê o seu país metido.
Bolas, 60000 vacas!
A maior parte desse milhões nunca "olharam o Tejo no Terreiro do Paço" (nem sequer o Arade no Largo Manuel Teixeira Gomes) - são os netos e bisnetos desses, mais os filhos do casamento em segundas núpcias de uma venezuelana que antes tinha estrado casada com um português.
OK, Nuno. Duas boas empresas. Uma delas fundada por «descendentes» (3ª ou 4ª geração?) de portugueses. Mantenho o que escrevi:
1) não há cinco milhões de cidadãos portugueses a viver no estrangeiro;
2) mesmo os que são empresários de sucesso, não acho que emprestem dinheiro ao país dos tetravós.
"não acho que emprestem dinheiro ao país dos tetravós"
Só sabe isso depois de lhes pedir, Ricardo.
Nuno, eles podem dirigir-se ao banco mais próximo e dizerem que querem investir em dívida portuguesa...
Ricardo,
Podem.
Mas se você quer vender um produto tem de o promover. Tem de despertar no seu cliente o desejo de o comprar. E acções avulsas e dispersas dificilmente dão resultados palpáveis. Isto é válido não só para os portugueses da diáspora como também para os residentes. Com as taxas de remuneração que se têm praticado nos certificados de aforro só um tonto é que lá mete o dinheiro.
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