A substância da democracia é a negociação. As eleições são «apenas» o rebaralhar das cartas. De pouco serve ter uma mecânica democrática impecável, eleições livres e justas com um sistema eleitoral essencialmente equilibrado (como em Portugal), se não existe uma cultura de negociação democrática.
As discussões sobre o sistema eleitoral, quer incidam sobre os recorrentes círculos uninominais ou sobre a redução do número de deputados, falham o alvo. O que falta em Portugal é, primeiro, aceitar que todos os partidos que elegem representantes para o Parlamento representam opções legítimas e portanto respeitáveis dos cidadãos. Segundo e mais importante ainda, devemos consciencializarmo-nos, nós os cidadãos e (já agora...) a classe política, de que ou temos instabilidade com governos monopartidários ou estabilidade com governos mais abrangentes (e, honestamente, a segunda alternativa parece cada vez mais preferível).
A obsessão dos líderes partidários em governarem sozinhos é compreensível: não gostam de negociar. Mas, lá está: fazer política não se resume a ganhar eleições. Deveria ser, principalmente, negociar.
Portugal teve, de 1976 a 1987, dois governos de coligação pós-eleitoral, três da mesma maioria parlamentar que resultava de uma coligação pré-eleitoral, um governo com um acordo de incidência parlamentar e um único governo monopartidário. Desconto os governos de iniciativa do Presidente Eanes, a quem creio que se deve, em boa medida, a instabilidade desse período. De 1987 para cá, tivemos seis governos monopartidários e dois de coligação pós-eleitoral. Vinte e quatro anos de fixação governamental monopartidária, com um curto interregno, em que uma única vez se negociou uma coligação pós-eleitoral (jamais um acordo permanente de incidência parlamentar).
Os governos de coligação não são raros na Europa. No momento em que escrevo, é essa a situação na Alemanha, no Reino Unido, na França e na Itália. Democracias mais antigas do que a nossa, com cidadãos talvez mais habituados à ideia de que o poder é transitório, necessariamente limitado e frequentemente partilhado.
O sentimento de «bloqueio político» que por vezes se sente em Portugal dissipar-se-ia se aceitássemos que as eleições não se destinam a eleger um Primeiro Ministro, nem sequer a escolher uma maioria, mas apenas a designar representantes. E se os políticos aceitassem que a sua obrigação é negociar com quem está.
[Publicado originalmente no Delito de Opinião.]
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