Eu acabei agora de ler um livro formidavel sobre as origens da pintura de marinhas, mas cujo primeiro capitulo argumenta contra uma teoria hipotetica que nao existe... (sobre os italianos pintarem navios antes dos holandeses...).
Cada vez tenho menos paciencia para esta malta: uns descobrem o ossuario de Jesus, os outros a Arca de Noe, o ouro um dialecto que contradiz a existencia de uma aptidao genetica para aprender linguas... outro dia um arqueologo deu uma conferencia em que se gabava de ter descoberto pirogas na China, que é como descobrir catolicos no Vaticano!
Para fazer ciencia seria nao e preciso descobrir a polvora cada vez que se vira a esquina...
12 comentários :
O Chomsky não tem que estar sempre certo. E a ciência avança justamente desafiando as teorias correntes (o trabalho linguístico parece ser sério, veja-se o último linque).
Filipe,
Eu por acaso conheço quem o tenha feito: todos os que criticaram o conceito cognitivo e representativo de normatividade. Ou seja, quem seguiu o pensamento de Wittgenstein (os seus aforismos sobre "rule following") ou/e Heidegger (Hubert Dreyfus tem uns papers sobre isto). Obviamente que ainda há quem discorde disto...por isso é que continua a haver cognitivistas a insistir na coisa e a procurar raízes não culturais para a linguagem. Enfim, manias...
Filipe,
Uma pergunta: porque é que a linguagem TEM DE SER PASSÍVEL de estudo "científico"? Já alguma vez colocou esa pergunta. Tipos como Chomsky investigam aceitando implicitamente esta questão, mas ela não é assim tão óbvia. Tem pressupostos ontológicos que foram e são criticados e há muito boa e respeitável gente que a rejeita. Só a teimosia de que tudo o que "é" é-o de maneira tal que é passível de conhecimento...
«porque é que a linguagem TEM DE SER PASSÍVEL de estudo "científico"?»
Essa é boa. Porque é que a linguagem não haveria de ser passível de estudo científico?
Porque ela não é um objecto representável ou algo reduzivel a estruturas objectificáveis que se possa estudar cientificamente (algo que Chomsky tem de rejeitar para fazer o que faz). Objectificar a linguagem distorce a nossa relação com ela. Ao cientificarmos a coisa fazemos aquilo que Heidegger chama "deworlding". Mas se a linguagem é uma realidade viva não objectiva (isto não significa que ela seja "subjectiva") e essa não objectividade é constitutiva da sua realidade, o estudo cientifico da linguagem distorce-a. Nem sempre estudar ou compreender algo foi entendido como a ciência -que pre-julga os seus objectos- o faz.
Cumprimentos,
Joao
«Porque ela não é um objecto representável»
Parece-me que estamos ambos a «representá-la» neste exacto momento, certo?
«ou algo reduzivel a estruturas objectificáveis que se possa estudar cientificamente»
Bom, se a razão para não se poder estudá-la cientificamente é não poder estudá-la cientificamente, fico na mesma. ;)
«Objectificar a linguagem distorce a nossa relação com ela.»
Talvez, mas isso não quer dizer que não se possa estudá-la. Se calhar quando estudamos o movimento dos planetas ou a vida dos ratinhos também estamos a «objectificar»...
«se a linguagem é uma realidade viva não objectiva (isto não significa que ela seja "subjectiva")»
A linguagem é uma realidade, ponto final. Mais, é um produto do cérebro. Se está «viva»? Parece-me uma palavra pouco apropriada...
«Nem sempre estudar ou compreender algo foi entendido como a ciência -que pre-julga os seus objectos- o faz.»
Com certeza, mas isso não tem qualquer consequência para aquilo que estamos a discutir.
Cumprimentos,
Ricardo,
Desculpa mas acho que tem. Repara que a circularidade de que me acusas também existe no estudo cientifico da linguagem (o que é natural: não é mais do que o circulo hermeneutico que existe em qualquer abordagem a algo).
A não objectividade da linguagem pode ser defendida criticando algo que escreveste no último comentário : a linguagem é um produto do cérebro. Pois é isto que Wittgenstein, Heidegger e muitos outros (Hegel) criticaram -a meu ver, de forma conclusiva. O subjectivismo linguistico (uma privatização da objectividade) leva ao cepticismo de significado (ilustrado pelos argumentos de Wittgenstein contra a possibilidade de uma linguagem privada. Dou-te um exemplo: o singificado das palavras depende não apenas da intenção dos falantes mas também (e sobretudo) do seu contexto (reparas como tu me podes corrigir e "saber melhor que eu" o significado de algo que eu disse). Se isto é verdade a ideia de que a linguagem é um produto do cérebro cai por terra. A linguagem é irredutivel (o percursor disto foi Herder que criticou as teorias designativas -cognitivas- da linguagem de pensadores como Hobbes, Condillac ou Locke). Outra forma de entender a critica destes senhores a perspectivas deste tipo consiste em dizer que a linguagem não é um objecto pois ela é constituida por uma relação dialectica entre palavra e linguagem (à qual nós pertencemos não como um sujeito que aborda um objecto, mas como um evento de participação social -daí o seu caracter não obnjectivo). Umja palavra só tem significado dentro de uma linguagem (não é um objecto mas uma realidade dialectica temporal -a temporalidade ontologica não é abordável de forma cientifica) e a linguagem só existe na sua relaão com as palavras particulares (o tal elemento dialectico). Esta circularidade é defendida por todos os autores que eu mencionei e todos eles criticaram abordagens cientificas dessa realidade por razões mais ou menos parecidas com aquilo que eu aqui escrevi. Uma realidade dialéctica simplesmente não é um objecto (it is always beyond itself, logo, não pode ser representável -se quiseres, viola a lógica bimodal).
Cumprimentos,
Joao
Wittgenstein tem passagens interessantissimas sobre isto no seu Investigações Filosóficas. Chomsky basicamente defende uma forma de platonismo, em que as regras são uma espécie de carril that mysteriously guide the language user...they are already there in the brain e coisas que tal. Os argumentos de Witt destroem esta imagem de regras. As regras não são coisas no cérebro ou na mente. Seguir uma regra é uma prática social, e nada mas do que isso. Um dos exemplos que ele dá é a dos sinais de trânsito. Como é que tu sabes que a seta para a direita significa "para a direita". Se invocas regras que de alguma forma determinam o seu significado entras numa regressão infinita (a rule does not apply itself, it demands aplication, but this cannot be illustrated by rules...). O problema da aplicação destroi a possibilidade de um entendimento teorico-cognitivo de regras.
João Galamba,
a linguagem é um produto do cérebro no sentido em que foi criada pelo cérebro (tanto quanto sabemos, pelo cérebro do homo sapiens em primeiro lugar, embora eu não ficasse admirado se descobríssemos um dia sobreviventes dos neanderthais a usarem uma linguagem verbal complexa - tinham capacidade cerebral para isso, sem dúvida). Quem defende, contra Chomsky, que a linguagem nada tem que ver com o cérebro humano, fica com o problema de explicar porque é que não conseguimos ensinar os cães a falar inglês. ;) A afasia provocada por lesões físicas seria outro exemplo espectacular. ;)
Que a linguagem só tenha sentido num contexto, parece-me uma trivialidade. Não há idiomas sem utilizadores. Mas isso não implica que não se possa estudar a linguagem cientificamente, e mesmo definir uma gramática mínima no sentido chomskiano. E possivelmente identificar zonas do cérebro responsáveis por funções específicas da linguagem (porque não?).
Ricardo,
Mantenho tudo o que disse. Continuo a achar que "foi o cérebro" que criou a linguagem não nos diz nada sobre a linguagem. Explicar ou entender a linguagem (na minha opinião) consiste em clarificar significados e não em fazer reducionismos causais que não nos dizem (quase) nada. E continuo a achar que uma explicação causal não consegue explicar o fenómeno semântico da linguagem (pelas razões acima descritas -que tu não rebateste)
João Galamba,
o estudo da estrutura do cérebro, das suas limitações físicas e do papel de cada área cerebral nas diversas funções linguísticas é a melhor maneira de poder estudar cientificamente a linguagem.
Isto não significa que a melhor maneira de estudar mandarim ou pirahã seja estudar neurologia, claro... ;)
Quanto aos argumentos apresentados, não tenho grandes dúvidas de que parte das regras de linguagem resultarão de constrangimentos neurológicos e cerebrais - e que portanto serão tudo menos regras sociais.
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