sexta-feira, 18 de maio de 2007

O touro é sagrado (ou é a vaca?)

A minha curta reflexão sobre as touradas provocou um número inusitado de comentários. São tantos («grande tourada»...) que, excepcionalmente, respondo em artigo.
  1. Não gosto de touradas. É um espectáculo que não me agrada e que portanto não frequento. Lá por isso, não tenciono proibi-lo, como não tenciono proibir muitos outros espectáculos de que não gosto. (Esta minha preferência deveria ser irrelevante para o debate, mas alguns dos comentadores não sabem discutir sem pessoalizar.)
  2. A verdade, que alguns dos comentadores parecem ignorar, é que os movimentos «animalistas», para além de serem anti-touradas, defendem também o fim dos jardins zoológicos, dos circos com animais, da experimentação em animais, do uso de peles para vestuário, do foie gras e ainda a libertação das galinhas poedeiras. Quanto ao vegetarianismo, por enquanto limitam-se a recomendá-lo...
  3. Não escrevi que os animais não devem ter «direitos». Notei apenas que não podem ser sujeitos de Direito. Quaisquer «direitos» que se atribuam aos animais não humanos resultam do nosso desejo (legítimo) de nos sentirmos melhor com as nossas acções, e não de qualquer relação de reciprocidade com os animais não humanos que seria absurda (por impossível). Nesse sentido, não me repugna que se ilegalizem determinadas formas de crueldade sobre os animais, mas choca-me que se faça do «bem estar animal» um valor absoluto ou sequer comparável ao bem estar das pessoas.
  4. É um facto que alguns dos movimentos «animalistas» têm o mau gosto de comparar a abolição da escravatura à luta pelos «direitos» dos animais. Também comparam o genocídio de judeus com a morte de animais para alimentação. Em termos humanistas, isto diz tudo sobre o grau de desorientação e alienação de quem perdeu de vista o essencial: o ser humano.
  5. A ala terrorista do movimento animalista (a Frente de Libertação Animal) não se limita a destruir talhos e a incendiar lojas de roupas de pele, mas também se empenha em destruir laboratórios e fábricas, causando milhões de euros em danos. Este grupo já considera normal ameaçar pessoas que fazem experiências científicas com animais. Falta matar alguém em nome dos animais, um passo que os mais extremistas (a Animal Rights Militia) se aproximaram de dar quando enviaram cartas armadilhadas a pessoas que praticam a vivissecção de animais. Quando isso acontecer, tudo ficará mais claro.

25 comentários :

Anónimo disse...

Concordo com o Ricardo Alves.

«Quaisquer «direitos» que se atribuam aos animais não humanos resultam do nosso desejo (legítimo) de nos sentirmos melhor com as nossas acções, e não de qualquer relação de reciprocidade com os animais não humanos que seria absurda»

Esta é a questão. Ilegalizar maus tratos a animais, nomeadamente na indústria pecuária, prende-se com o facto de a população viver mal com essa realidade. Os produtores têm assim maneiras idóneas de provar aos consumidores que os animais que abatem são tratados de determinada maneira, mais ou menos aceitável para este ou aquele grupo, para que haja transparência. É mais por nós do que pelos animais.

Os debates televisivos anti/pró-touradas são os debates que mais me cansam... É que não consigo concordar com ninguém! Nem com os defensores dos animais pelas razões que o Ricardo aponta nem com os defensores das touradas pelos falaciosos apelos à tradição e a caricata negação da violência.

Anónimo disse...

Os pontos, 1,2,4e 5 são irrelevantes para o assunto em discussão e servem apenas para deitar poeira para o ar.


No ponto 3 dizes:

"Nesse sentido, não me repugna que se ilegalizem determinadas formas de crueldade sobre os animais" - Certo, e a tourada é um desses casos de crueldade que se impõe ilegalizar. É aceite unanimemente que casos de crueldade equivalente devem ser ilegais porque não são éticos (exemplo: amputar um cão por diversão). A tourada parece ser uma excepção por haver uma pequena minoria de aficionados com cargos de poder.

Tudo o resto que vais buscar, desde vegetarianismo à experimentação animal, passando por terrorismo é querer evitar de propósito a discussão séria sobre a tourada.

É o equivalente a eu dizer que há grupos socialistas que não se limitam a protestar contra o neoliberalismo, mas cometem assassinatos e que põem o socialismo/ideais socialistas à frente dos direitos à vida e integridade física das vítimas. E usar este argumento para atacar, por exemplo, a existência de um sistema público de educação.
Ou seja, em vez de discutires o assunto original optaste por: http://en.wikipedia.org/wiki/Association_fallacy

Neste caso, tu:

1 falas de um tópico do qual não tinhas razão

2 és confrontado com as falhas óbvias e evidentes do teu raciocínio

3 não refutas o raciocínio lógico de quem apontou as tuas falácias, preferindo imputar aos teus detractores fundamentalismo sobre ideias das quais eles não se pronunciaram

4 Pensas assim, através dessa imputação, seguida de ataque ad-hominem , validar a tua ideia inicial.

Onde é que eu já vi isto ? Ah, já me lembro:
1 - Os laicistas querem tirar as cruzes das salas de aulas
2 - Há laicistas que mataram padres.
3 - Logo os laicistas são fundamentalistas. (falácia da associação)
3 - Logo, tirar as cruzes das salas de aulas é errado. (ataque ad hominem)

Anónimo disse...

O segundo comentário (de um anónimo) toca exactamente no ponto: o post limita-se a atacar sem contra-argumentar, descendo ao mais reles tipo de debate.
Por haver ALGUNS (ou mesmo que fossem todos) movimentos que defendem X ou Y, isso não belisca os seus argumentos quanto ao assunto Z.
Há republicanos de esquerda que foram terroristas. Há republicanos de esquerda que são pela abolição de todas as práticas religiosas, etc.. etc..

Tal como não gostarias de ver os teus argumentos sobre a guerra do Iraque (p.ex.) desprezados pelo simples facto de seres pela despenalização do aborto (p.ex.), não faz sentido NÃO QUERER RESPONDER AOS ARGUMENTOS LÓGICOS E RACIONAIS que foram apresentados contra o post anterior, limitando-se para isso a atacar por assuntos laterais.

ass. um republicano de esquerda ferrenho

Anónimo disse...

Seria de esperar muito mais do Ricardo Alves.

Aonde está o meio termo? Aonde estão as associações e pessoas comuns que ajudam os animais, que comem carne, tomam medicamentos experimentados em animais, mas que são contra as touradas?

O Ricardo Alves não conhece o meio e a situação e atira postas de pescada.

Arrisco a dizer que o único contacto com animais que teve foi a matança do porco lá de casa, onde espetou e sangrou o porco na jugular, enquanto ele berrava e se cagava de medo, para orgulho e brio da família.

Só espero que não tenham apanhado hepatite ou encefalopatias pelo animal não ter passado por um veterinário...

Anónimo disse...

Curta reflexão?? Ou bocas debochadas? Este repto parece uma tirada neocon americana.

Substituam «animalistas» e vegetarianos pelo eixo do mal e já se vê o que a casa gasta...

Já agora: Porque não a vivissecação e biópsias de condenados submetidos a testes médicos em troca de amnistias?

A ciência NÃO DEVE parar!!!

Ricardo Alves disse...

Caro anónimo das 2:44,

«Os pontos, 1,2,4e 5 são irrelevantes para o assunto em discussão e servem apenas para deitar poeira para o ar»

vossa excelência será o mesmo anónimo que me acusou de frequentar touradas? É que, se for, perde toda a razão em me criticar pelo ponto 1, que era uma resposta a argumentos de alguém que usou a mesma identificação que vossemecê: «anónimo».

Quanto ao resto, é evidente que ultrapassa em muito a discussão sobre as touradas. Justamente porque me interessa discutir mais amplamente o movimento «animalista».

Finalmente, e se não for muito incómodo, gostaria que identificasse esses «laicistas que mataram padres»: quem, onde e quando? Nem tudo o que a propaganda católica diz é verdade, sabe?

Ricardo Alves disse...

«Há republicanos de esquerda que são pela abolição de todas as práticas religiosas»

Nesse caso, poderão ser de esquerda mas não serão republicanos: serão autoritários e totalitários, e portanto anti-laicistas. O ateísmo de Estado é o contrário da laicidade de Estado.

Ricardo Alves disse...

«O Ricardo Alves não conhece o meio e a situação»

Sabes lá, anónimo cobardola das 3:38PM, sabes lá... ;)

Ricardo Alves disse...

«É mais por nós do que pelos animais»

Justamente, Francisco. As touradas não ferem os direitos de um único ser humano. Proibi-las teria o único efeito de nos «sentirmos melhor»: tornaria invisível o sofrimento dos animais. Por não ferir direitos fundamentais, a questão das touradas é de regulamentação de um espectáculo. E aí confesso que tenho pouco entusiasmo em policiar como os outros se divertem ou não.

E claro que também me interessa discutir os objectivos mais vastos dos «animalistas». Mas parece que eles não querem entrar nisso, ou defender as práticas terroristas da FLA... ;)

David Cameira disse...

Ricardo Alves,

ÁS práticas de terrorismo selvagem da FLA responde-se na mm e exata " moeda "

Camarelli disse...

Ricardo

este post fez-me reler o outro anterior e admito que me escapou o que para mim me parece agora essencial: a proibição ou não da tourada. é que quando fui pelo link ler a convocação da manifestação, não li lá nada nesse sentido. de facto, se for para manifestar porque me repugna a tourada, concordo com a convocatória; outra coisa é dizer que se apela à proibição, o que, havendo quem o defenda, não parece ser o fito da manif.

pegando no que disse o francisco burnay acerca da indústria pecuária, devo dizer que há muita gente que se está a borrifar para o que fazem aos porcos, pelo que dizer que a população vive mal com essa realidade não é de todo exacto nem motivação suficiente para que se legisle no sentido de minimizar o sofrimento dos porcos. o que acontece é que ninguém contesta o direito de massacrar os porcos antes de os comer, pelo que tal se pode evitar sem ter que enfrentar a vontade das pessoas.

agora quando a coisa vem com a roupagem de uma tradição, está tudo estragado. se calhar, na noruega (por exemplo) -- onde não há touradas -- seria fácil ilegalizá-las que provavelmente seria encarado com naturalidade e eventualmente recebido com satisfação.

no aspecto legal, eu preferia que fosse proibido, mas não contra a vontade das populações, pelo mesmo motivo que seria de mau gosto os indianos quererem que em portugal deixássemos de comer carne de vaca, por mais que eles pudessem ter toda a razão do mundo. quando há regiões inteiras que apoiam a tourada, é irrealista e contraproducente querer proibir, mas se fosse só meia dúzia de gajos, que se lixasse o direito de eles se divertirem como bem entendessem.

eu prefiro que as pessoas se manifestem, que opinem, e que o façam cada vez mais frequentemente, a ver se as futuras gerações abandonam gradualmente a prática. talvez por ouvirem tantas vezes serem chamados de bárbaros sanguinários venham a sentir um pouco de vergonha. ou por outro lado, se a educação primária incutisse uma maior sensibilização nas crianças talvez elas mesmo rejeitassem assistir ao sofrimento do animal. é pouco provável, mas enfim.

Camarelli disse...

quanto aos extremismos de algumas associações, estamos de acordo, simplesmente não tenho muita pachorra para os aturar, pois muita da argumentação usada é fátua e os comportamentos de uma infantilidade comprometedora.

Anónimo disse...

«devo dizer que há muita gente que se está a borrifar para o que fazem aos porcos, pelo que dizer que a população vive mal com essa realidade não é de todo exacto nem motivação suficiente para que se legisle no sentido de minimizar o sofrimento dos porcos. o que acontece é que ninguém contesta o direito de massacrar os porcos antes de os comer, pelo que tal se pode evitar sem ter que enfrentar a vontade das pessoas.»

Por acaso até conheço bastantes pessoas que se preocupam. E basta haver alguns que se preocupem e condições para os produtores o fazerem. Quando se põe um selo num lombo de novilho que diz que o animal foi "bem tratado", há que eliminar a relatividade da coisa definindo padrões reconhecidos pela sociedade. Saber que os ovos de aviário foram produzidos em condições degradantes do ponto de vista higiénico é importante para mim, sem que eu me tenha de preocupar com os direitos dos galináceos. Um aviário industrial impressiona, pelo cheiro, pela sujidade, não pelas violações dos direitos das aves. Quem acha aquilo uma porcaria pode não querer comer ovos vindos dali. Como é que eu sei o que é que estou a comer? Com normas e fiscalização. Normas definidas pelo Estado, possivelmente com consertação com a indústria e com movimentos zoófilos, e fiscalização independente.

O mesmo em relação aos trangénicos. Acho-os completamente inofensivos e nada imorais. Mas há quem prefira não os comer, seja lá porque razões for. E essas pessoas têm o direito de não comerem trangénicos se acharem que isso é bom para elas.

De resto, acho a propaganda anti-trangénicos para a sua proibição completamente desprezível.

Anónimo disse...

O que se passa aqui toca um fio condutor comum a vários temas de discussão na sociedade.

Quando se discute liberdade de expressão acontece o mesmo. As pessoas confundem a liberdade de expressão com a expressão.

Eu acho as touradas um espectáculo infantil, de exaltação de valores primários, violência desnecessária, uma pantomina folclórica em que pessoas com idade para ter juízo se prestam a um exibicionismo adolescente sob a forma de uma suposta arte, de uma suposta manifestação de bravura.

Mas há pessoas que fazem disso a sua vida e não me compreendem nem acham que eu tenha razão. E pesando os eventuais direitos dos animais contra a possível diminuição de liberdades de pessoas adultas, prefiro optar pelas últimas.

Anónimo disse...

Digo, prefiro não arriscar diminuir as liberdades das pessoas.

Ricardo Alves disse...

matarbustos,

«se for para manifestar porque me repugna a tourada, concordo com a convocatória; outra coisa é dizer que se apela à proibição»

...era justamente aqui que queria chegar. Uma coisa é manifestar repúdio pela tourada; outra, é apelar à sua proibição. Os movimentos animalistas querem mesmo a proibição, como querem proibir certos abates ou transportes de animais. Noutro blogue, o Diógenes de Roterdão disse-me abertamente que «todos deveríamos ser vegetarianos», o que é a sequência lógica da valoração (no meu entender, excessiva) do sofrimento dos animais.

A minha posição é muito parecida com a do Francisco Burnay. Acho a tourada um espectáculo pueril, mas proibi-lo destruiria o modo de vida de pessoas. E, para mim, os animais humanos são mais importantes do que os animais não humanos.

Max Mortner disse...

Meus caros,

A maioria dos manifestantes anti-tourada são uns hipocritas...E não difícil saber porquê...

Anónimo disse...

Ricardo,

também eu sou da opinião que este deve ser um assunto discutido sem demagogias e com abertura suficiente para se perceber os problemas em questão, coisa que muitas vezes não existe nem do lado dos defensores dos direitos dos animais nem daqueles que se opõem, pois baseiam a discussão em caprichos meramente pessoais.
Antes de mais, e sem me querer desviar muito dos seus pontos, não considero que o que apresentou tenha sido uma reflexão, pois não se dignou a apresentar argumentos não falaciosos para a discussão, nem tão pouco a contra-argumentar as objecções apresentadas. Compreendo perfeitamente o facto de contestar a forma como se usa a palavra “direito” aplicada aos animais, mas parece-me dum preciosismo pouco rigoroso. Os animais têm direitos reconhecidos e defendo que lhes devem ser reconhecidos ainda mais direitos. Isto é um dado incontornável, não porque eu assim o considero, mas porque a evolução da nossa própria consciência tende a caminhar nesse sentido e também porque essa mesma direcção deriva do nosso afastamento dos moralismos podres que a religião nos incutiu durante séculos. Uma ressalva apenas para o seu uso da palavra “animalistas”, pois os animalistas são indivíduos que se dedicam à pintura e escultura de animais ou então indivíduos que possuem relações com animais.

Agora em relação aos seus pontos:

1- A relevância de uma manifestação, como deve imaginar, é meramente simbólica. Qualquer manifestante pode verbalizar e desejar a proibição das touradas, no entanto, numa manifestação isso apenas serve para exteriorizar uma forma de pressão ou para trazer para a discussão pública um dado assunto. O facto de um indivíduo se manifestar pela proibição ou legalização seja do que for, não implica que a sua vontade seja imediatamente correspondida. Se houver um debate lúcido e rigoroso em torno de determinada questão, sem necessidade de demagogias ou nenhum tipo de coerção, certamente que essa discussão caminhará para uma conclusão lógica ou legítima. Eu sou a favor da proibição das touradas, mas sou a favor da proibição das touradas através de uma imposição inconsequente. Não considero que um toureiro ou defensor das touradas seja um criminoso e deva ser tratado como tal, nem considero que qualquer indivíduo que defenda as touradas seja um bárbaro insensível. Por isso, desejo que seja discutida abertamente a validade da sua prática e desejo também que alguém que considere legitimo usar um animal, seja para que fim for, deve justificar esse seu desejo. Isto respeita não só aos direitos dos animais mas também ao direito humano.
Além disso, no que toca às touradas, a discussão já atingiu um ponto tal que a sua defesa se sustenta apenas em interesses meramente pessoais. Já não há nada, eticamente aceitável, que consiga justificar a tortura de um animal para fins meramente recreativos, e estou certo de que reconhecerá isto. Caso contrário, apresente-me algo que o refute.
A diversão não me parece um argumento razoável, mas se justificar o uso de um animal para a sua sobrevivência, por uma questão de saúde ou alimentação, então parece-me que o direito do ser humano se sobrepõe. E qualquer defensor dos direitos dos animais minimamente razoável defenderá isto, até porque se reconhece que um animal tem tanto direito à vida como um ser humano, cada um jogará pelos seus interesses e de forma a sustentar a sua própria sobrevivência.

2 – Tudo o que apresentou neste tópico merece igualmente ser debatido. Mas o argumento assenta num erro que já aqui foi exposto: não se pode pôr a questão em termos de “tudo” ou de “nada”, pois há sempre algo ou alguém que não é tudo nem é nada, i.e., que se situa no meio termo. Logo parece-me bastante incorrecto enfiar todos aqueles que se opõe às touradas no mesmo saco dos que defendem a libertação das galinhas poedeiras. Até porque o fim das touradas é a questão mais consensual em torno dos direitos dos animais. Basta olhar para as estatísticas e verificar que a grande maioria da população é contra a tourada. De resto, não demonstra porque que é ilegítimo defender o fim dos circos com animais, dos jardins zoológicos, da experimentação animal, do foie gras ou do sacrifício de animais para a obtenção de peles. E olhe que seria interessante, pois estes assuntos têm tanto por onde pegar que me parece bastante redutor tomá-los como caprichos ingénuos ou infantis. O Ricardo age como muitos dos defensores dos direitos dos animais que dogmaticamente e sem pensarem muito no assunto exigem que tudo isso acabe de um dia para o outro, sem perceberem que, mais uma vez, as coisas não funcionam em termos de “tudo” ou de “nada”.
Eu também sou pelo fim desse tipo de actividades que apresentou, mas isso não tem que ser, obrigatoriamente, de forma absolutista. Por exemplo, os jardins zoológicos podem ter muita legitimidade para existir, tendo em conta que vemos cada vez mais espécies em extinção e essa é muitas vezes a forma de evitar o seu desaparecimento. Mas as condições em que os animais geralmente são mantidos, mostram como a sua existência, como a conhecemos, tem um fim unicamente caprichoso. Logo, o que me parece importante discutir, não é a abolição dos jardins zoológicos, mas os termos em que estes funcionam. De outra forma, parece-me muito mais coerente acabar com os mesmos, pois continuo a não conseguir aceitar o facto de os animais serem usados para fins lúdicos. Também eu gosto muito de ver animais exóticos, também eu guardo fortes recordações de quando fui ao jardim zoológico em pequenino, mas não posso justificar a sua existência por um prazer totalmente acessório e sem o qual eu viveria perfeitamente. Por outro lado, dificilmente me conseguirá apontar uma razão eticamente válida para a fabricação do Foie Gras. Mas se tiver, é claro que ouvirei com muito interesse.

3 – A este tópico acabei por responder nos pontos anteriores.

4 – Em relação a essas comparações feitas pelos defensores dos direitos dos animais, por muito que compreenda o que querem transmitir, também eu considero que elas são contraproducentes e, por vezes, absurdas. Mas é escusado levar ao extremo de dizer que se tornaram indivíduos desumanizados por apenas comparem coisas incomparáveis. Como bem sabemos são campanhas de marketing mal sucedidas, fruto, mais uma vez, desse extremar entre “tudo” ou “nada”.

5 – Agora este tópico sensível que julga que não há ninguém disposto a abordá-lo. Pois eu tenho vontade de o fazer, pelas mesmas razões que me levaram a abordar os tópicos anteriores e porque considero que recorreu a uma argumentação falaciosa ou pouco informada.
Em primeiro, a Animal Liberation Front não pode ser simplesmente arrumada como a ala extremista dos direitos animais que destrói talhos. Sabe que nos nossos dias quando se quer descreditar algo basta colar-lhe o rótulo de terrorista. Tudo o que é indesejado é terrorista, tudo o que foge aos parâmetros estabelecidos é encostado à parede e interpretado em termos de “tudo” ou “nada”: ou ages como nós e és dos bons, ou nos contrarias e és terrorista.
Portanto, se conhecermos minimamente os propósitos que a Animal Liberation Front estabeleceu para as acções reivindicadas em seu nome, poderemos concluir, mesmo que não concordemos, que eles não são propriamente indivíduos acéfalos que agem inconsequentemente como membros de uma seita. Mas para isso é preciso esclarecer uma coisa: a Animal Liberation Front não é um grupo nem nenhuma organização. Qualquer pessoa que faça qualquer coisa, segundo esse código de conduta (que implica não infligir dano a qualquer ser vivo), poderá publicitar a sua acção em nome da Animal Liberation Front. O que vai parar aos media, em nome da organização, muitas vezes não passa de deturpações infantis e usurpações do que a ALF representa, e é numa tentativa de mediar essa informação que existe um ALF Supporters Group.
Como já viu, nenhuma acção em que tinha sido infligido dano a qualquer ser senciente pode ser reivindicado em nome da ALF. Esta dedica-se unicamente à sabotagem económica ou ao resgate de animais em condições indignas. É certo que destruiu laboratórios de experimentação animal, mas deixe-me dizer-lhe que a experimentação animal não é apenas feita com o intuito de testar medicamentos; a grande maioria é feita para testar cosméticos.
Além disso, o objectivo é mesmo esse: sendo contra qualquer prática violenta que atinja um ser humano ou um animal, o que pretendem é causar prejuízo económico àqueles que sustentam as suas vidas na exploração animal gratuita e injustificada. E quer acredite quer não, é o que acontece em 95% dos casos de experimentação para usos farmacêuticos. Não é difícil concluir isto com um pequena pesquisa e filtrando a informação. Não precisa de ver nem a argumentação deturpada dos defensores dos direitos dos animais, nem a argumentação igualmente deturpada dos que defendem a experimentação animal. De qualquer forma, volto a sublinhar que é lógico que caso a experimentação animal se justifique, no sentido de alguma vida humana poder depender disso, esta se torna legítima, a meu ver.
Portanto, não misture acções de extremistas, completamente cegos, que procuram atingir vidas humanas para alcançar os seus propósitos. Nunca a ALF o fez ou defendeu tais acções. Quando isso acontecer, eu próprio repudiarei a ALF, mas enquanto continuarem a agir no sentido de denunciar maus tratos e de assegurar condições dignas para os animais que se encontrem em situações extremas da sua existência, eu estarei do lado deles.

Há muito mais a dizer, mas considero que me alonguei demasiado. Se o fiz, foi porque percebi o seu interesse em debater o assunto e por também considerar esta uma discussão muito relevante. Espero que procure compreender os pontos de vista apresentados e, já agora, deixo uma sugestão de leitura de um dos maiores filósofos contemporâneos, no campo da ética, chamado Peter Singer. Aborda com frequência estas questões, com argumentos racionais e lógicos e não com aquele sentimentalismo que costuma afectar os dois lados da discussão. Por muito que discorde dele em muita coisa, não posso deixar de admirar o facto de procurar discutir esse assunto com rigor.

Pedro Morgado disse...

Eu não gosto de touradas. Acho um espectáculo degradante e medieval.

Quem gosta que aplauda.

Ricardo Alves disse...

Pedro Morgado,
há quem não goste de futebol. Que o ache um espectáculo degradante e medieval... etc.

Unknown disse...

Gostei de ambos as postas, Ricardo, especialemente da rotundância da primeira.

Uma adenda: o Animal Liberation Front no Reino Unido não se limitou a aterrorizar/atacar fisicamente cientistas. Como das suas actividades resultou o aumento de medidas de segurança nos institutos de investigalção, passaram a atacar os fornecedores e respectivas famílias.

Justificadamente, o ALF tem o orgulho de figurar hoje em dia na listagem de organizações terroristas do governo daquele país, a par das al-caedas e outros.

Unknown disse...

Mas isto sou eu que, não sendo fanático, até gosto das pegas de caras.

Ricardo Alves disse...

«Gostei de ambos as postas, Ricardo, especialemente da rotundância da primeira»

Ainda bem, finalmente estamos de acordo em algo de polémico. ;)

Unknown disse...

Não me parece que a recente questão do aborto fosse pouco polémica...

Abraço

VladDark disse...

"E pesando os eventuais direitos dos animais contra a possível diminuição de liberdades de pessoas adultas, prefiro não arriscar diminuir as liberdades das pessoas."

http://www.youtube.com/v/5ZThhB13MNI

Suponho que não devemos dar direito aos animais não humanos. Podemos estar a diminuir a liberdade de uma animal "humano" e como tu próprio disseste... pelo seguro... é melhor não arriscar diminuir essa liberdade e continuar a tolerar isto.