Ao contrário do que acontece inevitavelmente quando há uma revolta da guarda pretoriana num país africano onde as elites falem português, na actual crise timorense ainda nenhum dos tribunos da direita se lembrou de procurar a raiz dos problemas nas acções longínquas do MFA. Devo dizer que este estado de coisas me deixa atónito. Normalmente, já se teriam escrito quilos de papel de jornal e megabytes electrónicos a culpar o MFA por mais esta crise, já se teria aproveitado para decretar pela milionésima vez que a descolonização foi um «erro criminoso», e renhonhó, e renhonhó...
Foi portanto com grande alvoroço que li os primeiros parágrafos do artigo de opinião de Maria José Nogueira Pinto no Diário de Notícias de hoje: a conversa ressabiada do costume sobre a descolonização, a bondade «paternalista» do colonialismo português, «Lisboa tinha todas as culpas no cartório» timorense, etc. Mas, quando esperava que ela concluísse que os culpados pela revolta de Reinado foram Salgueiro Maia e Melo Antunes, eis que se percebe que não o pode fazer: o CDS esteve envolvido no processo independentista de 1999, logo não se pode colocar «de fora» (em rigor, também não o pode fazer relativamente ao que se passou em 1975, mas por aquelas bandas o rigor cede à emoção...). Mesmo assim, lá vem no fim a lembrança de que devemos sentir «complexos de culpa» pelo «papel vergonhoso dos (ir)responsáveis de há 30 anos». E vem a conclusão, incrível, de que devemos deixar cair Alkatiri porque os australianos não gostam dele. Segundo a senhora, «somos "ocidentais"», logo devemos seguir sempre atrás da potência anglo-saxónica mais próxima.
(O identitarismo «civilizacionista» dá nisto...)
7 comentários :
Olá Ricardo,
O problema das ditaduras (e não só) que governam um país reside no facto de que aqueles que não fazem parte dessa cor pretenderem "lavar as mãos".
Obviamente que o MFA tem culpa na descolonização, como teve o Estado Novo. Salazar ou Vasco Gonçalves foram primeiros-ministros de Portugal, a sua política era aquela em que o País se "reconhecia".
Não sei se a Austrália é um mal em si, talvez até seja o mal menor.
Agora, os principais responsáveis do que aconteceu é dos timorenses, não vale a pena ataques de partenalismos.
Há de realçar a maturidade lusa, é que desta vez ninguém se lembrou de se maifestar à frente da embaixada dos EUA.
«Há de realçar a maturidade lusa, é que desta vez ninguém se lembrou de se maifestar à frente da embaixada dos EUA.»
Essa também é verdade, mas uma manife hostil em frente à embaixada da Austrália talvez se justificasse...
(A Nogueira Pinto já lá está, mas de bandeirinha «aussie» na mão.)
a boa malta nacionalista está fartinha de alertar contra as responsabilidades dos abrilinos, que são aliás responsáveis por todo o mal que sucede neste país, com a possível excepção dos assaltos nos semáforos. Passem por lá.
Muito cómico o texto da senhora, e muito bem desmontado.
Quanto ao comentário final, devo dizer que uma coisa é reconhecer esse identitarismo como forma de analisar a realidade, outra coisa é considerá-lo desejável.
Esse identitarismo idiota explica parcialmente o apelo da argumentação de Maria José Nogueira Pinto.
Claro que o acho indesejável...
As contas são antigas mas os australianos (i.e. os descendentes dos britânicos) resolveram o problema do racismo na Austrália de forma mais cortante que os boers na África do Sul.
E ainda hoje os autóctones se queixam daquelas contas antigas.
Temos alguma coisa a ver com o mundo anglo-saxónico e com a Austrália mas é q.b..
O "mundo anglo-saxónico" está gloriosamente nas suas tintas para as similitudes "ocidentais" que os atavistas nacionais da sua ex-colónia Portugal de quando em vez desenterram.
Pessoalmente, nada tenho que ver com esses selvagens do "mundo anglo-saxónico" e, se deus quiser, nunca terei.
E já agora, que tal perguntarem aos senhores das ilhas Fidji e das ilhas Salomão o que eles acham desse "mal menor" australiano?
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