O futebol é das poucas actividades em que se pode fazer um herói de quem dá cabeçadas maldosas no adversário, exagera ou até simula faltas, ou recusa-se a dar a bola ao oponente. Geralmente, assume-se que os valores éticos são universais. No futebol, considera-se que são relativos ao comportamento do adversário. Em vez de ser uma escola de carácter, o futebol é o seu contrário, sem que isso impeça os media de glorificarem os jogadores, os publicitários de lhes pagarem anúncios, a Carris de apoiar a selecção da FPF, e os políticos de lhes darem importância.
Depois do jogo de ontem, nenhum jornal criticará a equipa de Scolari, dita «de todos nós», comentador algum deixará de desculpar as faltas e os cartões dos portugueses, e todas as bandeiras permanecerão nas janelas e varandas. Em Portugal, o défice de crítica ao futebol é quase pior do que o défice de crítica à religião.
11 comentários :
Ricardo,
Depois de uma noite de euforia um texto destes.
Não sei o que dizer.
É que o texto está excelente.
Bem haja!
ricardo, compreendo-te, mas discordo.
apesar de tudo, o futebol tem uma função social importante.
as pessoas precisam de escapes, faz-lhes bem terem algo em comum compessoas com as quais nada teriam em comum, se não existisse o futebol.
o futebol pode ser usado para fins políticos autoritários, bem sei, e isso é um problema grave.
mas não considero que seja em si mesmo alienante, pelo contrário, permite as pessoas descontrair e extravazar emoções, esquecer a rotina por uns instantes ou por umas horas.
não deve ser lavado demasiado a sério, para que não sirva de veículo a forças anti-democráticas.
em 78 a argentina foi campeã do mundo. nessa noite, o povo saiu à rua. foi a única vez em muito tempo que as pessoas tiveram, colectivamente, um motivo de festa. vivia-se a ditadura militar. nessa noite, muitos opositores aproveitaram para sair dos esconderihos e se encontrar. outros para fugir. foi uma noite de liberdade.
tenho um post sobre isso, chamado a erosão da função social do futebol.
"Em Portugal, o défice de crítica ao futebol é quase pior do que o défice de crítica à religião."
"Quase"??? Em Portugal nao se mata pela religiao mas, se for preciso, ha' secessao por causa do futebol.
«Cãorafeiro»,
o problema não é nem o escapismo nem a «comunhão» (mais ou menos) universal. É o levarem aquilo a sério e, mais importante, serem incapazes de criticar comportamentos anti-desportivos quando um dos ídolos da bola os tem. Pior, promovem-nos como se fossem heróis e toda a gente fecha os olhos quando fazem disparates. E a cultura de violência, algumas vezes, propaga-se do campo para as bancadas e para fora dos estádios...
Antes haxixe do que ópio.
Eu nunca me interesso por futebol, mas em mundiais e europeus, enquanto Portugal não perde, o meu interesse esá bem desperto.
Foi por isso que lamentei imenso o jogo de ontem. O jogo pode ter sido mal arbitrado, e os jogadores Holandeses não foram melhores que os nossos, mas isso não desculpa a nossa selecção: houve falta de fair play.
Que pena...
Os valores éticos serão universais, mas só no ponto de vista de uma ética secular que rejeite os particularismos e os pessimismos "à Platão" das religiões.
ricardo, certo, mas o futebol não é para ser um chá de caridade entre tias.
sinceramente, dadas as inúmeras provocações dos holandeses, e a estratégia deles de por logo fora de jogo os melhores jogadores portugueses recorrendo a agressões, acho que fiizeram muito bem em reagir.
e concordo com o scolari quando diz que o figo não é jesus cristo...
o problema não está aí, está noutr lado. está numa campanha insidiosa que procura usar o futebol para incutir um nacionalismo que não existia em Portugal...
como apreciadora de futebol, e mesmo do futebol dito mais «viril» )expressão que detesto por ser machista e além disso porque os desportos praticados por mulheres terem o mesmo nível de agressividade), essa situação preocupa-me.
mas mantenho que o futebol tem uma função social importante e que deve ser preservada.
essa função social é prejudicada pelo exagero mediático e pelas usurpação para fins políticos. mas ainda assim é importante.
Temos esta capacidade fantástica de fazer de uma dúzia de mal-educados uns génios heróicos!
Se tivessem tido o azar dos holandeses, a esta hora já os tínhamos degolado a todos, não sem antes os tratarmos de crápulas, arrogantes, e outras coisas muito piores.
Criticar objectivamente foi coisa que nunca soubemos fazer.Aprender com os erros, também não. Por isso é que não passamos da cepa torta.
Costuma-se dizer que o pior cego é o que não quer ver...
«Criticar objectivamente foi coisa que nunca soubemos fazer.Aprender com os erros, também não.»
Ora aí está!
O Futebol espelha um pouco quem somos, para o bem e para o mal.
Em todo o caso vive-se mais o ambiente de festa no Mundial de Selecções do que nosso Campeonato Nacional.
É essa tirania do conceito de "selecção de todos nós" que me irrita. Não há hipótese de escolha, não há saída para simpatias diferentes. Bandeirinha na minha janela? Só se for a de Espanha!
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