quarta-feira, 21 de junho de 2006

Ratzinger foi a Auschwitz

Consegui finalmente ler o discurso de Joseph Ratzinger em Auschwitz. Seguem os destaques. Como não tenho tempo para comentá-los, intercalei-os com excertos das respostas escritas pelo historiador português Rui Tavares e pelo filósofo francês Michel Onfray. Assim, ficamos com um diálogo interessante...
  • «O Papa João Paulo II veio aqui como um filho do povo polaco. Hoje eu vim aqui como um filho do povo alemão, e precisamente por isto devo e posso dizer como ele: não podia deixar de vir aqui. (...) Era e é um dever (...) estar aqui como sucessor de João Paulo II e como filho do povo alemão, filho daquele povo sobre o qual um grupo de criminosos alcançou o poder com promessas falsas, em nome de perspectivas de grandeza, de recuperação da honra da nação e da sua relevância, com previsões de bem-estar e também com a força do terror e da intimidação, e assim o nosso povo pôde ser usado e abusado como instrumento da sua vontade de destruição e de domínio.» (Joseph Ratzinger)
  • «É uma explicação muitíssimo insatisfatória, bem típica da geração do imediato pós-guerra na Alemanha e na Áustria. Caso a ouvíssemos de outra boca, é bem provável que desse origem a acusações de revisionismo e de ocultação de responsabilidades. O estado nazi foi um “bando de criminosos” e os alemães da época as suas vítimas? Seja, mas vítimas que sobreviveram obedecendo.» (Rui Tavares)
  • «Certes, on dira que le jeune garçon n’a pas choisi, comme des millions de gens à l’époque. Comme Eichmann, de fait, il s’est contenté d’obéir, de ne pas se rebeller, d’accepter, de consentir, de verser son obole au parti nazi. Comme Eichmann, il n’a pas tué de ses propres mains. Comme Eichmann il a prétendu qu’il n’avait pas le choix.» (Michel Onfray)

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  • «Quantas perguntas surgem neste lugar! Sobressai sempre de novo a pergunta: Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele silenciou? Como pôde tolerar este excesso de destruição, este triunfo do mal?» (Joseph Ratzinger)
  • «Eis uma questão muito perturbante, desde logo para a doutrina de um Deus omnipresente e omnisciente. Um agnóstico poderia responder que Deus estava exactamente onde se encontra hoje em dia — e não é no Darfur a impedir a matança. Vinda de um papa, esta pergunta aproxima-se perigosamente de considerar Deus como uma ficção conveniente.» (Rui Tavares)
  • «No fundo, aqueles criminosos violentos, com a aniquilação deste povo, pretendiam matar aquele Deus que chamou Abraão, que falando no Sinai estabeleceu os critérios orientadores da humanidade que permanecem válidos para sempre.» (Joseph Ratzinger)
  • «Em vez de reescrever a história dos nazis, fazendo-os passar por movimento contra Deus (quando estes, pelo contrário, se afirmavam defensores do cristianismo contra o materialismo judeu-bolchevista), poderia dizer-nos algo sobre onde estava a sua católica Baviera quando nela cresceu o partido Nazi e por que razão Hitler morreu católico uma vez que ninguém no Vaticano se lembrou de o excomungar.» (Rui Tavares)
  • «Rappelons que Pie XII a signé un concordat avec le nazisme; que le Vatican n’a jamais mis Mein Kampf à l’index, au contraire de Montaigne, Descartes, Sartre, Bergson et mille autres; qu’aucun nazi n’a été excommunié à cause de son appartenance à une idéologie criminelle - au contraire des communistes qui le furent, eux, en bloc; que le Vatican a permis, avec ses passeports diplomatiques et sa filière d’évasion via les monastères allemands, suisses et italiens, d’exfiltrer des criminels de guerre ainsi soustraits à la justice; que Hitler n’était pas païen, mais déiste sûrement pas antichrétien; que son livre fait l’éloge de Jésus chassant les marchands du temple - juifs...; qu’il célèbre la grandeur de la machine impériale chrétienne - donc du Vatican; que les ceinturons de ses militaires arboraient «Dieu avec nous» - slogan assez peu athée...; qu’au contraire de l’étoile jaune, du triangle violet ou rose qui stigmatisent juifs, témoins de Jéhovah et homosexuels, aucun signe n’a été retenu contre les chrétiens qui n’ont jamais été poursuivis en tant que tels...» (Michel Onfray)

4 comentários :

João Moutinho disse...

Ricardo,
Vivi ano e meio em Israel no Centro Mundial Bahá'í e posso afirmar que, mesmo nas gerações mais jovens, o holocausto está bem vivo na memória dos judeus. Ainda me lembro de que quando se falava na Alemanha havia um sentimento de raiva e temor.
O nazismo chegou onde chegou, de entre outras razões, porque inicialmente pouca gente o levava suficientemente a sério. Isso não justifica que hoje não se assuma a História.
Para os nazis a culpa era de Hitler, para os alemães dos nazis, para os austrícos dos alemães e assim sucessivamente.
Os judeus perseguidos na Ucrânia, Polónia, França, Hungria forma vítimas não só dos alemães mas também dos seus compatriotas.
A fundação do Estado de Israel está intimamente ligada ao Holocausto e aquele povo teme que se perder a primeira guerra, esta pode ser a última.

cãorafeiro disse...

Ricardo:

acompanho este assumto com bastante interesse, e vou tentar dentro de alguns dias escrever algo sobre isto.

para já, apenas quanto ao facto de ratzinger ser na altura um adolescente:

li recentemente uma história passada durante a 2ª Guerra Mundial na Alemanha. Um grupo de adolescentes, rapazes e raparigas, começaram a falar uns com os outros e chegaram à conclusão de que o regime nazi era absolutamente monstruoso. não suportando a ideia de que, pelo seu silêncio, estavam a ser na realidade cúmplices, escreveram uma série de panfletos a denunciar a situação, que depois distribuiram.

claro que foram presos. durante o o julgamento reafirmaram tudo o que pensavem. foram enforcados.

mas para eles era melhor morrer do que viver com o sentimento de que estavam a ser cúmplices.

conheço também a história de um jovem alemão que desertou várias vezes do exército, e acabou por ir parar ao campode concentração por causa disso (sobreviveu), e que depois escreveu um livro contando como se recusou sempre a dobrar-se ao sistema totalitário. tratava-se e um marginal, de um miúdo problema daqueles que acabam por ir parar a casas de correcção...
mas resistiu sempre.

naturalmente que nem todas as pessoas nasceram para ser heróis. mas o facto de haver meia-dúzia de alemães que resistiram ao nazismo prova que era possível ter resistido.

finalmente, fica sempre bem lembrar que Willi Brandt lutou com os aliados na guerra contra o nazismo, e anos mais tarde, chegado ao poder, assumiu que o povo alemão era responsável por todas as desgraças provocadas pelos nazis. ele que pessoalmente não partilhava da culpa, que resistiu e lutou contra o nazismo, disse ao Mundo, e sobretudo às vítimas do nazismo que também ele carregava o peso da responsabilidade moral por todo o mal causado pelos nazis.

ratzinger procura apresentar o povo alemão como tendo sido também ele uma vítima dpo nazismo... é revoltante.

Anónimo disse...

(...) Opondo-se à afirmação de que tudo o que havia a dizer sobre ética já fora dito, afirma que, até há bastante pouco tempo, o estudo da ética foi realizado à luz de um contexto religioso. O número de pessoas não religiosas que fizeram da ética o trabalho da sua vida é notavelmente reduzido. (...) Durante grande parte do século XX, quando, pela primeira vez, muitos filósofos morais profissionais foram ateus, não era usual os filósofos tratarem as questões do que devemos fazer. Em vez disso, estudavam significados de termos morais e discutiam se a ética era subjectiva ou objectiva (...) Assim, Parfit termina o livro com uma nota de esperança:
A Terra permanecerá habitável durante pelo menos outro milhar de milhões de anos. A civilização começou apenas há poucos milhares de anos. Se não destruirmos a humanidade, estes poucos milhares de anos poderão ser apenas uma fracção ínfima da totalidade da história humana civilizada (...) a crença em Deus, ou em muitos deuses, impediu o desenvolvimento livre do raciocínio moral. A descrença em Deus, abertamente admitida por uma maioria, é uma realidade muito recente, ainda inconclusa. Porque isto é tão recente, a Ética Não Religiosa encontra-se numa fase muito incipiente. Não podemos prever já se, como na Matemática, chegaremos a acordo. Uma vez que não podemos saber como a Ética se desenvolverá, não é irracional ter grandes esperanças.

Peter Singer, "Como Havemos de Viver? - a ética numa época de individualismo"

Anónimo disse...

Um bom post para o DA.