sexta-feira, 9 de junho de 2006

A terra que mais cansa

Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, em um movimento de clara lucidez anunciou um referendo para finais de Julho em que se confirmaria ou não a vontade popular de fixar as fronteiras de um Estado Palestino Independente de acordo com as fronteiras prévias a 1967. A ideia partiria do "Documento de Acordo Nacional", ou "Documento dos Prisioneiros", assinado recentemente por prisioneiros palestinos em Israel. O interessante aqui é que a aceitação popular da proposta significaria na práctica um reconhecimento palestino popular oficial e com bases democráticas do Estado de Israel, ou seja, tudo que o Hamas, e todos os sectores palestinos mais radicais que advogam pela destruição de Israel, não querem.
###A coragem de Abbas é ao mesmo tempo clarividência. Apesar de os fundamentalistas de Hamas terem sido os vencedores das últimas eleições democráticas palestinas, esta organização, como todas as organizações fundamentalistas, é essencialmente anti-democrática. Prova disso foi a oposição de Hamas (aliás secundados também por Ayman al-Zawahiri, número dois de Al Qaeda) à realização de um tal referendo. Pois realmente uma tal consulta popular poderia servir de mecanismo para o início do processo de desmistificação da organização do Hamas internamente na Palestina, repensando parte do seu estatuto actual de representantes democráticos do povo palestino. Para isto houvesse sido fundamental que Olmert, primeiro-ministro de Israel, tivesse ajudado e percebido o alcance exacto do movimento de Abbas. Não percebeu e manteve a sua "política de paz unilateral", e mais do que isso demonstrou autêntico desprezo pela proposta de Abbas, considerando-a apenas como mais uma "jogada palestina interna sem sentido". Provavelmente isto é consequência de não haver já em Israel, à luz da história política recente, qualquer patrimônio de credibilidade como interlocutor por parte dos representantes da Fatah. Ainda assim foi um erro. O problema da desconfiança e da falta de esperança é que são muitas vezes apenas sintomas de preguiça e cansaço, e a verdade é que Olmert e Israel não ganham nada tornando as coisas ainda mais difíceis a Abbas e a todos palestinos moderados.

Se a táctica de Abbas já era de dificíl consecução mesmo com todas as ajudas que nunca chegou realmente a ter, a matança de civis por parte da artilharia naval isarelita em uma praia do norte de Gaza, que haverá resultado em mais de uma dezena de mortos e várias dezenas de feridos, poderá provavelmente haver condenado todo o projecto ao definitivo fracasso. Será inevitável que muitos comparem, uma vez mais, as posturas do Estado de Israel e dos terroristas palestinos fundamentalistas. No entanto estas não são comparáveis. Israel reconheceu imediatamente a tragédia e suspendeu os ataques a terroristas em Gaza. Não é possível comparar honestamente este tipo de posturas que com maior ou menor sucesso buscam não cair na barbárie absoluta com a barbárie militante dos líderes do Hamas, que não só protegem os seus assassinos de inocentes como os promocionam publicamente como heróis nacionais literalmente sagrados. De qualquer forma é inevitável pensarmos quantas vidas se haveriam poupado, e quanto futuro se poderia haver ganhado para todos, se o governo de Israel tivesse demonstrado a sensatez de suspender os ataques à Gaza antes da tragédia ocorrer, e em reposta à proposta inicial de referendo de Abbas...

Na verdade no entanto é que, em muitos aspectos importantes, Olmert se parece cada vez mais com o seu desprezado interlocutor Abbas. De facto, neste momento as sondagens em Israel já dão maioria absoluta aos opositores do seu plano de retirada unilateral dos territórios do West Bank, ao mesmo tempo que lhe deixam com apenas metade de apoio popular em relação ao seu governo como primeiro-ministro em geral. Uma das maiores tristezas desta zona do mundo é que não está claro que ainda reste capacidade de sacrificío e tolerância por parte dos dois povos para alcançar os acordos necessários para construir um verdadeiro processo de paz. De qualquer forma tanto Abbas como Olmert, e cada um a sua maneira, não parecem decididos a desistir. Seria então importante que ambos percebessem, e aqui falamos acima de tudo de Olmert, quanto necessitam apoiar-se um no outro para que não terminem finalmente, como todos os demais, forçados a desistir. É que aquelas terras, já está provado, que são capazes de esgotar ou matar, em geral em sentido não figurado, as forças de qualquer ser humano.

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13 comentários :

Anónimo disse...

Os palestinos defendem-se com ataques "terroristas" porque não estão "autorizados" a estarem armados para defenderem a sua terra. E fazem-no como podem e quanto a mim muito bem.
Basta recordar a génese de Israel e se tiver a mesma grelha analitica, chegará á conclusão que é um estado terrorista.
Um estado qualquer para existir não tem que se submeter á vontade de outro estado, nem tem que o aceitar.
O que pessoas como você não vêm é a humilhação continua que aquelas gentes vivem há decadas que não lhes permite
aceitar soluções que não contenham em si um minimo de dignidade.
O referendo o que vai fazer é reforçar
a não aceitação do estado de israel.Aliás o ocidente e em especial a UE, contribuirá enormemente para o resultado final, com a sua politica criminosa de cortar as ajudas ao palestinos para forçar o governo a aceitar o estado israelita. Isto é chantagem, do mais baixo que há, e funciona ao contrario, porque os palestinos não funcionam como as opiniões publicas ocidentais, estupidificadas e manipuladas pela comunicação social.
Se puder vá á Palestina, e veja. Não escreva á distância sobre o que não conhece,o povo palestino não merece tamanha falta de respeito. Vá lá e conheça aquele enorme campo de concentração, que repugna qualquer um, com condições de vida inadmissiveis, vigiados noite e dia, alvejados e humilhados. Vá lá e depois diga-me se queria que o seu País vivesse assim um dia que fosse.

Rui Fernandes disse...

Anónimo, o tipo de pensamento que circulas no teu comentário, infelismente nada minoritário e que também já previa como respota ao post e, em geral, aos acontecimentos nele discutidos, apenas serve para prolongar a violência e o beco sem saída da situação palestina e israelita como consequência. Por trás das boas intenções e superioridade moral apenas há a vertigem da autodestruição. Que seja dificíl para a população palestina possuir o discernimento para compreender-lo eu entendo, e me entristeço com isso. Que não o haja da tua parte, confortável cidadão ocidental, apenas me provoca repulsa.

Anónimo disse...

O que pessoas como você querem é submissão e lei do mais forte. Eu confortavel cidadão ocidental já lá fui, e o sr.democrata pragmático foi onde? já lá esteve?
E depois como a situação está num beco sem saída, os palestinos que recuem, como escolheram o Hamas em eleições livres, tem que haver referendo. Mas que merda de democracia é que você defende?
No seu post não existe o minimo pedido de contenção a Israel que pratica um genocídio há decadas com aquelas gentes.
Mas diga-me lá sr. Rui fernandes quando é que foi á Palestina ou a Israel, pela ultima vez?
Esquerda revolucionaria? Bahh!!

Anónimo disse...

Sr. Rui Fernandes já pensou em escrever para a atlântico? Sinceramente não percebo a ideia do Ricardo ao convidá-lo para um blogue que pretende ser de ESQUERDA Republicana.

Democrata

Anónimo disse...

Por muito que lhe custe Sr. Jordão, é realmente a verdadeira esquerda que luta pela paz. A outra, a pragmática que abraçou o neoliberalismo e defende na mesma medida BUSH e Netanyahu, seja apoiando a política expansionista do petróleo de Bush, seja abrindo o espaço aéreo e sacrificando a segurança dos seus cidadãos em nome da colaboração com a CIA. Bem sei que o pensamento em voga, publicado e publicitado, o aclamado pensamento único, aquele do final da História, demoniza toda e qualquer "esquerda" que se afaste da 3ª via de Blair.

Fique sabendo que em matéria da defesa da Paz, da Igualdade, da Liberdade e da Fraternidade, aquela a que chama sarcásticamente de "verdadeira" esquerda, não recebe ensinamentos nem lições de ninguém.

Quanto a tentativas de aniquilação de adversários políticos, bem pode olhar para a História e ver que a sua direita se tivesse um miligrama de vergonha, não viria agora acusar a Esquerda de tentativas de aniquilação e extremínio do pensamento político alheio.

E não me venha falar em gulags, que essa é uma carapuça que não me serve.

Defensores como o Sr. apenas vêm confirmar aquilo que afirmei em relação ao Rui Fernandes.

Democrata

Rui Fernandes disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Rui Fernandes disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Rui Fernandes disse...

O título do blog não fui eu que escolhi e a minha posição política a expliquei em seu devido momento ao Ricardo Alves. Não pertenço à direita do Atlântico, e sem nenhuma vergonha digo-lhe que ainda menos à sua esquerda senhor anônimo, o que aliás muito me orgulha. A bem da verdade duvido que algum dos membros deste blog pertença à "esquerda do senhor anônimo" e, por isso, também me orgulho de pertencer a ele. Tão pouco pertencerão à minha, que em grande parte é só e muito minha, mas isso é muito menos importante que a primeira questão.

Anónimo disse...

Exmo. Rui Fernandes

Não o conheçendo sugiro que não tome as críticas como pessoais. Apenas tenha em conta que quando se publica opiniões num espaço aberto a comentários, como é o caso, será natural que surja o famoso contraditório. Continuarei a visitar este blogue com o maior gosto e, enquanto tiver oportunidade, continuarei a comentar quando assim o entender.

Quanto à sua orientação política e a natureza das suas opiniões serem ou não compatíveis com as dos outros membros deste blogue ou com o seu título, são assuntos que não me dirão directamente respeito. Simplesmente constatei e nesse sentido comentei, que os posts dos outros autores do blogue costumam reflectir as preocupações gerais da Esquerda, ao contrário dos seus que raramente constituem uma crítica à direita. Parece que a sua crítica política é invariavelmente dirigida à Esquerda e poderia perfeitamente, como referi acima, ser publicada na atlântico onde receberia certamente os maiores elogios. Mas esse é um facto que não é original nem supreendente - não seria o primeiro blogue de esquerda a sentir necessidade de ter o seu Rodigo Moita de Deus.

Quanto ao anonimato, se reparar, apesar de não estar registado no Blogger.com assinei sempre os meus comentários.

Democrata.

Rui Fernandes disse...

Olá senhor anônimo antes de mais nada lhe chamo assim, por senhor anônimo, já que sem dúvida o é, enquanto que não me sentiria à vontade de lhe chamar por senhor demcrata por não haver até agora nada que me assegure que o seja. Quanto aos seus comentários são sempre bem vindos, mesmo quando me provoquem repulsa, pois neste aspecto sou bastante democrático defendendo o direito de me provocarem repulsa, dentro dos limites que a lei impõe claro. Posso até lhe dizer que fui sempre um defensor dos comentários anônimos, ousarei dizer até que sou o maior defensor deles neste blog, dando sempre a minha opinião em contra de sua proibição. Continuarei a fazer-lo e fico contente que siga visitando este blog e comentando-o. Acredite. O facto de lhe chamar senhor anônimo a partir de dada altura vem de haveres passado a me chamar por senhor Rui Fernandes, assim que por questão de educação passei a usar a mesma forma... Se ler o primeiro comentário lhe chamo por Anônimo a secas, utilizando a segunda pessoa do singular, apenas por ter alguma forma de dirigir-me a si. Nunca pretendi que o facto de designar-te por anônimo fosse tomado por ofensivo se bem que possa ter imaginado que algumas pessoas assim o achassem. O facto de passares a assinar por Pedro, ou José, ou o que fosse não te tornaria menos anônimo que, para mim, és. Como vês ao contrário do que pensas tens em mim um amigo, ou pelo menos, um defensor do teu anonimato. Quanto a pessoalidade da discussão nunca a tomei como tal, creio já ter deixado claro que penso e quis que só estivessemos aqui falando de opiniões, tu das minhas e eu das suas. Certo? Já falarei da outra questão...

Rui Fernandes disse...

Sobre os meus posts neste blog, aproveitarei a tua deixa para fazer-lhes uma, para mim, agradável revisão.

1)São Paulo na sua Folha; Segunda-feira, Maio 15, 2006
Trata-se de uma compilação de três entrevistas na Folha de São Paulo, um jornal paulista em geral considerado de esquerda sobre o problema da criminalidade no Brasil e a propósito dos ataques violentos do PCC. Não considero que se possa considerar como de esquerda ou direita o post em si.

2)Autênticos Bloggers
Mais que um post é uma anedota de outro comentarista deste blog. Tão pouco se pode incluir na divisão em discussão.

3)Turquia, Europa e Conflito de Civilizações
Trata-se da defesa da entrada de Turquia na Comunidade Europeia ou pelo menos da defesa de uma atitude mais aberta e positiva desta em relação com aquela. Não creio que alguém seja capa de dizer que se trate de uma opinião de direita, pelo contrário. Encontrarás a oposição da entrada de Turquia em toda a extrema direita e não a encontras em toda a extrema esquerda por exemplo. Mas posso dizer-te que a minha defesa da sua entrada tem muito que ver com aquilo que eu considero a minha esquerda assim como daquilo que considero o bom senso e a sensibilidade, aliás a minha esquerda é consequência destas duas últimas, e que são portanto para mim mais fundamentais que ser de esquerda.

4)VIDA (com V maiúsculo)
Trata de um post que aproveita e apoia um post anterior do Filipe de defesa do direito ao aborto. Considero este post muito de esquerda, até da sua senhor anônimo. E considero que é um tema muito caro "às esquerdas", não sendo isso por si mesmo nem bom nem mau.

5)O Código da Vinci
Trata-se de um post em que ridicularizo a crítica religiosa ao livro de dan Brown. Seguramente é mnais de esquerda que de direita não acha?

6)Iran's Shoah?
Trata-se de um post em que informo sobre um falso rumor que teria circulado sobre perseguição de minorias religiosas no Irão ao mesmo tempo que critico o regime iraninao pela sua perseguição à liberdade das mulheres. Considero outra vez muito de esquerdas e sobre um tema também caro às esquerdas.

7)Desencantamento Turco
Outra vez um post sobre a Turquia.

8)Polícia para quem precisa de polícia
Um post sobre a defesa do direito dos mais pobres à segurança policial. Considero um post muito de esquerda, da minha esquerda se bem que saiba que haverá uma esquerda, para mim meio confusa, que eventualmente discorde.

9)A tontice do orgulho nacional
Um post de ridicularização do uso do futebol como ópio nacionalista. Outro post de esquerda sore um tema também caro à esquerda. Não acha?

10)É assim que morrem as democracias
Um post polêmico em que referencio com aprovação outro post de outro blog que critica correctamente a meu ver a autocratização em curso em parte da América Latina que por trás de um discurso populista de esquerda faz passar muitas coisas que são absolutamente perigosas. Se não é um post de esquerda e se não é um tema caro à esquerda, será um problem da esquerda não meu.

11)Quem vai a Teerão?
Um post que não tem nada que ver com ideologia escrito em um momento de falta de inspiração. :)

12)Da Coerência e da Inteligência de Chávez
Outra vez um post no mesmo sentido que o numero 10.

13)Directamente do pasquim sem intermediários (Uma outra posta mirandesa do alto para quem goste)
Um post que citando um artigo do The Economist é uma defesa da social democracia europeia, e em particular nórdica, em oposição com o sistema político-econômico-social americano. Um post de esquerda onde quer que seja.

14)Guerra às drogas
Um post que defende a legalização das drogas ao mesmo tempo que fala dos problemas que toda a questão levanta, através da citação de outro artigo da Folha. Outro post de esquerda onde quer que seja.

15)Políticos portugueses
Um post de critica a politização do mundo cultural, artistico e cientifico português. Não creio que seja de esquerda ou de direita.

16)Sobre o novo estatuto da carreira docente
Um post sobre o sistema de ensino português e não só. Não creio que seja de esquerda ou de direita.

17)Michael Bloomberg
Um post com o texto progressista do mayor de Nova Yorque de apoio a ciência e crítica a direita cristão bushista americana. Eu acho que é um post de esquerda, mas mais importante que isso é um post de defesa do bom senso.

18)Padre nuestro que estás en los cielos...
Um post em que ridicularizo o catolicismo populista de Chavez. Outro post de esquerda em minha opinião.

19)O luto do Hamas
Um post em que ridicularizo apenas citando a Reuters a loucura terrorista do Hamas que o leva a defender e sacralizar Al Zarqawi. Eu creio que é um post muito de esquerda, e a esquerda que não o ache é um problema para a esquerda.

20)A terra que mais cansa
Um post no mesmo caminho que o anterior, que pretende ser construtivo, honesto e minimamente imparcial sobre o conflito palestino. A esquerda e a direita que toma partido cegamente sobre este conflito é também um problema para o próprio conflito, e no caso da esquerda que é o caso que me incomoda, outra vez um problema sobre a esquerda.

Obrigado senhor anônimo por me ter dado a deixa para justificar a oportunidade de revisar os meus primeiros 20 posts no Esquerda Republicana. Provavelmente em um post individual teria sido demasiada vaidade, assim que aqui meio escondido nos comentarios fica sem ficar demasiado, mas fica que era o importante.

Um abraço e continue nos lendo e comentando. E a mim também se fizer o favor.

Rui Fernandes disse...

Perdoem-me os erros de construção de frases, ortográficos, tipográficos, etc. Principalmente nos comentários muito longos não há pachorra para estar cuidando demasiado a linguagem. Mas de qualquer forma peço perdão pelo facto.

Anónimo disse...

A palestina é uma questão de decência e de direitos humanos.Simplesmente.