domingo, 18 de junho de 2006

Nacionalismo e Religião

A propósito do discurso de doutoramento honoris-causa do cardeal arcebispo de Madrid, Antonio María Rouco Varela, dado pela católica Universidade San Pablo CEU, vi mais uma vez a tendência recorrente do catolicismo em associar-se com os pensamentos nacionalistas para sua auto-defesa. A bem da verdade se trata de uma simbiose, pois o contrário, que os nacionalismos utilizem a religião e, em particular, o catolicismo, na construção dos seus discursos também é farto conhecido. Os exemplos mais óbvios, mesmo restringindo-nos somente aos mais recentes e especificamente católicos, são inúmeros e para todos os gostos: Timor, Polônia, Irlanda, etc. Mesmo em países onde a religião não é "razão de balcanização" a Igreja Católica termina colocando o pé e, às vezes, mais que isso. Neste último grupo Espanha é um caso paradigmático.
###No tal discurso de Rouco Varela sobre la cuestión ética ante el futuro del Estado democrático de Derecho, ele terá dito, a propósito de Espanha mas não só, entre outras coisas que: el destino de una España unida humana, espiritual y socialmente depende de saber volver a sus raíces cristianas; el derecho a la vida, a la libertad religiosa y de conciencia y el derecho al matrimonio y a la familia se encuentran en profunda crisis; ha reclamado la reconstrucción del idálogo "entre los dros grandes protagonistas que son el pensamiento laico y el pensamiento cristiano" con el único límite del "justo orden público" porque, dice el Cardenal, "Si se excluye este diálogo social y es el hombre, sin Dios, quien dispone lo que es bueno y malo puede acabar aniquilando a muchas personas" tal y como sucedió "con el Tercer Right o en la Unión Soviética". É preciso dizer que todo o espetáculo conservador foi montado conscientemente pela própria instituição que outorgava o prêmio, e desde o seu próprio presidente, um tal Alfonso Coronel (o nome diz tudo, que me perdoem os coronéis), que defendeu a entrega do prêmio pela luta do cardeal pelos direitos da mulher, da família e da liberdade...: por defender a la personas, por defender a la mujer y hombre con sus identificaciones distintas; que la mujer no se convierta en un hombre y que nadie le ponga un burca; la actuación de Don Antonio para decir que una España y una Europa que reniegan de sus raíces están enterrando lo mejor de sí mismas e incluso puede ser que se estén enterrando ella misma. Nada de novo no panorama árido do pensamento cristão de cariz arcaico-conservador, mas que diz muito sobre a Igreja Católica espanhola actual, e também sobre a europeia e mundial, pois estas frases são fotocópias radicalizadas, ou nem tanto, das que o próprio Papa e o Vaticano realizam em seus discursos a propósito da Europa, do laicismo, da entrada da Turquia, etc.

O catolicismo sempre soube que a sua fonte era a ignorância, e a cegueira identitária dos povos, que a sua mentira era transmitida de geração em geração no mesmo pacote dos mitos nacionais e das tradições conservadoras. Desde Constantino é assim. Por isso mesmo termina por ser natural a forma ambígua com que a Igreja Católica trata outros nacionalismos opostos locais, como é melhor exemplo o do país basco. Não há discussão sobre o problema basco sem padres bascos no meio, e os terroristas da ETA nunca mataram nenhum monge... É que o pacote é o mesmo! No entanto se a cultura, a ciência, o racionalismo em geral, foram e são capazes de desmontar as mentiras religiosas, ainda não demonstraram a mesma capacidade com relação aos mitos nacionais. Provavelmente porque os nacionalistas souberam sempre muito melhor lidar com o seu status convencional que os místicos. Sempre lhes sobrará aos nacionalistas o último reduto, perfeitamente justo, de lutar pelos direitos de uma comunidade e contra a sua opressão (até mesmo quando essas comunidades são tão ricas como podem ser a catalã ou a basca). E a verdade é que até mesmo os mais eludidados intelectuais sempre são sensíveis ao poder dos discursos defensores de algo, tão convencional por outra parte, como a língua. O poder do pacote essencial de mentiras com que nos brindam na infância, é inevitável admitir-lo, é quase infinito.

Graças ao poder de resistência da mentira nacionalista é provável que vejamos as mentiras religiosas a recuperarem as suas forças mesmo nos lugares mais inesperados, pois a mentira é como dizem ser a droga: "começa-se sempre pelas mais leves e depois termina-se agarrado ao cavalo". Por enquanto talvez só na Venezuela e no Irão vemos, agora mesmo, um chefe de Estado (nacionalista) a fazer discursos-rezas com as mãos juntas e olhos fechados, mas se nos Estados Unidos já não andamos longe, mais cedo do que pensamos terminaremos por ver coisas parecidas em França... Talvez seja apenas eu a exagerar a importância do tal fatal pacote, mas será mesmo?

4 comentários :

Anónimo disse...

Longe vá o agoiro, Ricardo.

Ricardo Alves disse...

Carlos,
este artigo não é meu, é do Rui Fernandes.

Abraço,

Se Moncho disse...

Eu sou espanhol, da Galiza, e fui educado na religião católica, quando era a única e verdadeira. Tempos esses dos que tanta saudade tem o sr. Rouco Varela.
Pois bem, uma das razões pelas que perdi a fé foi ao me aperceber que Deus, supostamente omnipotente, não sabia falar a minha língua. (Falava castelhano, mas não galego). Mais tarde aprendi que sabia sim falar a minha língua, mas só doutro lado da fronteira (em Portugal). Um deus tão bom respeitador das fronteiras políticas não pode ser, na minha opinião, mas que obra dos autores das fronteiras.

dorean paxorales disse...

"el Tercer Right" é a transcrição fonética? :)