domingo, 29 de agosto de 2010

A rose is a rose is a rose

Há muitos anos, a propósito de um comentário ordinário e anti-semita de um político qualquer, o jornalista Miguel Esteves Cardoso escreveu que muitos fascistas, capazes das piores atrocidades se devidamente enquadrados, viviam e morriam sem nunca se darem conta disso pelo simples facto de terem vivido numa democracia.

Os meus amigos acham todos que eu sou um pessimista, provavelmente com razão, mas eu acredito que a barreira entre as democracias em que a minha geração cresceu e as ditaduras em que cresceu a geração dos meus pais é tremendamente frágil. A história demonstra que a maioria das pessoas não tem ideias: escolhe-as na televisão, em grupo, através dum processo emotimo. Quem simpatiza com Cavaco Silva e Durão Barroso provavelmente aceitará a extinção do SNS, como aceitou a invasão do Iraque, sem pensar nas consequências.

A esquerda tem acreditado que "a verdade liberta" e que basta educar as pessoas para que elas façam as escolhas certas. Mas a história demonstra que não é assim. A força da democracia reside na energia com que as pessoas que acreditam nela se baterem contra os que a querem destruir. César das Neves precisa de ser desmontado e explicado, seja dele ou não texto que aparece na internet, exista ou não o Dr. Oitke.

Os textos dele são consistentes: as pessoas são más e promíscuas e imorais, e o mundo está em decadência por falta de valores e de religião; a busca do prazer corrompe e a erosão natural dos valores do século XIX está a tornar o mundo pior. Queiramos ou não, isto são ideias fascistas, que pressupõem um autoritarismo qualquer, que ele não define, mas que se justifica algures à volta dos valores da religião. Quando César das Neves se queixa de que há informação demais, é natural perguntarmos quem definiria, segundo ele, o nível óptimo de informação, ou quem regularia o seu fuxo justo? A informação é o inimigo. Mas de quem e de quê?

César das Neves, como o improvável Dr. Arroja, não está sozinho. Este mês a Intel comprou a McAfee por 7.7 milhares de milhões de dólares, a BHP Billiton está a negociar a compra da Potash por 40 mil milhões, a Dell a preparar a compra da 3PAR por 1.2 mil milhões, e o First Niagara Finantial Group vai comprar a NewAlliance Bancshares por 1.5 milhares de milhões. A concentração da riqueza nas mãos de uma minoria continua, apesar das promessas de Obama, e a destruição da classe média com ela.

As declarações dos gangsters da Wall Street durante os anos Bush não deixam dúvidas sobre as intenções dos oligarcas: se a classe média tiver acesso à informação completa e crua, a primeira consequência é que passem a votar nos candidatos que proponham uma distribuição mais justa da riqueza. A informação crua, antes de ser editada pelos media, é o maior e mais perigoso inimigo do capitalismo selvagem.

1 comentário :

Ricardo Alves disse...

Excelente.

Gostei em particular deste bocado:

«A esquerda tem acreditado que "a verdade liberta" e que basta educar as pessoas para que elas façam as escolhas certas. Mas a história demonstra que não é assim. A força da democracia reside na energia com que as pessoas que acreditam nela se baterem contra os que a querem destruir.»