sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Sobre o panfletismo de Rui Ramos

Há militantes políticos que passam por historiadores. O caso mais notório será Vasco Pulido Valente, autor de um romance («O poder e o povo»), que passa por ser uma história dos dois primeiros anos da República de 1910-1926 (e, para os mais ingénuos, como uma caracterização fiel da totalidade desses dezasseis anos).

Rui Ramos é um caso ainda mais extremo. É portanto refrescante ler uma desmistificação do seu militantismo. Palavra a António Rego Chaves:
  • «Assim, sustentar que «o confronto entre liberais e miguelistas tem uma dimensão fundamentalmente religiosa», que o regime nascido em 1910 e que durou até 1926, «pelos padrões do princípio do século XXI, não foi democrático nem pluralista», ou que «Portugal passou o século XX a pagar a factura do 5 de Outubro» é, no mínimo, demasiado subjectivo para se poder falar de um interpretação rigorosa do que ocorreu nas épocas em causa. Pouco importará se Rui Ramos «gosta» mais dos miguelistas ou dos liberais, dos monárquicos ou dos republicanos, dos salazaristas ou dos antifascistas. A verdade é que nos brinda com «pérolas» como estas: «A ‘democracia’ [as aspas são do autor] contra a qual Salazar fez doutrina na década de 1930 não significava um estado de direito e representativo, como hoje, mas o domínio exclusivista e sectário da esquerda republicana.» (…) «Salazar chegou ao governo depois de cem anos de hegemonia política das esquerdas, primeiro em versão liberal e depois republicana.» (…) «Em 1945, na hora da derrota do fascismo, as esquerdas exigiram eleições em Portugal. Salazar fez eleições. Nem ele nem as oposições estavam de boa fé.» Todas estas arbitrariedades falam por si e dispensam quaisquer comentários de ordem «científica»: situam-se à margem da História. (...) Classificando o dia 25 de Abril de 1974 como «carnaval esquerdista do Largo do Carmo», dizendo que «Salazar, ao contrário do general Franco em Espanha, fez sempre eleições» ou não disfarçando o seu entusiasmo perante a contra-revolução de Julho e Agosto de 1975, o autor renuncia às suas funções de historiador tanto quanto possível isento e adopta o tom do propagandista. Está no seu pleno direito, desde que não venda gato por lebre e se assuma como aquilo que de facto se revela – um panfletista.» 
(Agradeço a dica à Joana Lopes.)