domingo, 22 de agosto de 2010
Pão, sal e rótulos
Quem defende que o pão com excesso de sal pode continuar a ser vendido normalmente desde que convenientemente “rotulado”, ou só come pão de forma às fatias ou só compra pão em supermercados e há muitos anos não entra numa padaria. Claro que essa hipótese de o pão salgado ser rotulado é defensável em teoria (embora devesse ser sujeito a um imposto especial, semelhante ao tabaco). Mas não sei onde está com a cabeça quem pensa que numa padaria tradicional, que venda pão a granel, possa haver uma distinção entre pão salgado e pão com menos sal.
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15 comentários :
E que tal dois cabazes?
Realmente, é impensável como é que na minha padaria poderiam colocar o pão dito salgado ao lado do pão normal, dos bicos de pato, da broa, do pão de forma, do pão da avó, do...
Devo estar mesmo louco...
Filipe Moura:
Mal seria que fosse tal detalhe logístico que justificasse a limitação à liberdade individual que consiste em impedir o consumo de alimentos ditos "pouco saudáveis".
Para mim parece simples: impõe-se a rotulagem, e as padarias incapazes de cumprir (?) que não vendam pão salgado. Mas as que forem capazes, que o façam, se entenderem.
hum... então também se permitiriam, eg, espirituosas com mais de 60% de etanol, desde que rotuladas.
não é bom princípio.
Bom, se as bebidas com mais de 60% de etanol forem "tão" prejudiciais para a saúde como o pão que se comia habitualmente antes desta lei, então claro que a sua venda e consumo deveriam ser permitidos desde que essa informação estivesse claramente disponível para o consumidor.
Isto parece-me mero bom senso, mas eu sou mais radical. Acredito que tal como o etanol é permitido, e como o tabaco é permitido, e como os doces com açúcares refinados são permitidos, e como as gorduras saturadas, também deveria ser permitido o consumo de bebidas alcoolicas com mais de 60% de etanol. Mas já sei que vivemos numa sociedade algo paternalista e não peço tanto.
Apenas o bom senso de se poder consumir um alimento muito mais saudável que uma série de outros que são permitidos. Caramba, podemos comer um Donut, mas não pão com sal. Haja juízo...
João, não acho nada que rotular todo o pão de uma padaria tradicional seja um mero "detalhe logístico". Mas repara bem em várias coisas que escreveste.
"impõe-se a rotulagem"
Preferes impor a rotulagem a impor um limite na quantidade de sal? Impor por impor, qual é a diferença?
Pensa no ponto de vista de uma padaria: qual é a imposição que te parece preferível, mesmo de um ponto de vista logístico?
"Isto parece-me mero bom senso, mas eu sou mais radical."
Radicalismo e bom senso raramente andam de mãos dadas. Portanto, para ti, ou uma substância é totalmente proibida ou então deveria ser totalmente permitida? Sem meio termo? Que dirias então dos 0,5 g de alcoolémia por l de sangue para conduzir? Ou era 0 ou era tudo o que apetecesse?
O meio termo, o compromisso, existe para estas coisas. Perceber isto, lá está, é que é uma questão de bom senso.
Filipe:
Em primeiro lugar, é óbvio que impor a rotulagem é uma imposição menor do que proibir a venda, pois nesse caso a padaria tem a opção de rotular ou não vender, enquanto no outro caso não tem essa opção.
Em segundo lugar eu separei dois aspectos: um é uma questão de valores e outra é uma questão de coerência e bom senso.
No que diz respeito aos valores, sou firme defensor da liberdade individual, e acredito que deveriam ser permitidas bebidas alcoolicas com mais de 60% de etanol. Mas admito perfeitamente que alguém com bom senso discorde de mim, e tenha valores diferentes que não previligiem tanto a liberdade individual.
Aquilo que me parece falta de senso não é a questão dos valores, mas a falta de coerência com que são postos em prática. Um Donut faz obviamente muito pior à saúde que o antigo pão que comíamos. No entanto esse pão foi proibido e o donut não. Isto é um absurdo. É como proibir que as pessoas comam frango mais que cinco vezes por semana, visto que carne em excesso faz mal, mas deixar comer o porco e a vaca que quiserem. Já nem refiro ao desrespeito flagrante pela liberdade indivudual, falo em toda a incoerência associada.
Por fim, defendo sem hesitações os limites à quantidade de alcool para conduzir um carro. Como é evidente, aí não está em jogo a liberdade individual - proteger a pessoa que conduz nessas condições - mas sim a liberdade colectiva - proteger as vítimas inocentes da condução dessa pessoa. Ora isto é uma diferença nada irrelevante.
João, desculpa lá mas incorres no mesmo erro em que incorrem todos os "firmes defensores da liberdade individual", que é só olharem para o seu umbigo.
Há várias medidas para as coisas. Para o conjunto dos padeiros, e mesmo para a maioria dos padeiros tomados individualmente, é uma imposição muito maior a de rotularem todo o pão, toda e qualquer carcaça ou bola ou pada, que deixarem de pôr tanto sal e passarem a medi-lo rigorosamente. Isto parece-me totalmente evidente.
O que dizes sobre o pão e o donut pode ser verdade para um pão e um donut, mas uma vez mais tens de olhar para a sociedade portuguesa, onde é felizmente muito maior o consumo de pão que o consumo de donuts. Representa um perigo de saúde pública muito maior o sal do pão que o açúcar dos donuts. É isto, desculpa lá, que me parece que não estás a perceber.
João, desculpa lá mas incorres no mesmo erro em que incorrem todos os "firmes defensores da liberdade individual", que é só olharem para o seu umbigo.
Há várias medidas para as coisas. Para o conjunto dos padeiros, e mesmo para a maioria dos padeiros tomados individualmente, é uma imposição muito maior a de rotularem todo o pão, toda e qualquer carcaça ou bola ou pada, que deixarem de pôr tanto sal e passarem a medi-lo rigorosamente. Isto parece-me totalmente evidente.
O que dizes sobre o pão e o donut pode ser verdade para um pão e um donut, mas uma vez mais tens de olhar para a sociedade portuguesa, onde é felizmente muito maior o consumo de pão que o consumo de donuts. Representa um perigo de saúde pública muito maior o sal do pão que o açúcar dos donuts. É isto, desculpa lá, que me parece que não estás a perceber.
Filipe:
Em primeiro lugar, se impuseres a rotulagem no pão SALGADO dás a todos a escolha se querem rotular ou não vender; por oposição a não dares a escolha e impedires a venda simplesmente.
Neste ponto creio que tens mesmo de reconhecer que tenho razão, porque é simples e objectivo.
Quanto à avaliação subjectiva que fazes a respeito dos Donuts e do pão salgado, também estou em desacordo. O consumo de doces que existe na nossa sociedade não causa apenas obesidade como diabetes - são dois dos três maiores problemas de saúde no nosso país, sendo o terceiro a hipertensão. Com a diferença de que para quem tem tensão baixa o sal pode até ser recomendado (já dois médicos me recomendaram aumentar o consumo de sal ao medir a minha tensão), enquanto que o açúcar refinado, um Donut, dificilmente será recomendável.
Aliás, é fácil veres a irracionalidade e incoerência desta proibição em relação ao pão pela simples análise da ausência de legislação em relação ao sal em excesso em todos os outros domínios. Felizmente podemos comer rissois salgados, sopa salgada, batatas fritas salgadíssimas.
Esta entrada pelo pão aconteceu, a meu ver, não por nenhuma razão racional de saúde pública - como se o pão fosse o principal problema - mas sim por razões políticas: porque é uma forma discreta de começar a impôr limitações à nossa alimentação.
Se isto vier a ser aceite, lentamente vão limitando o açúcar nos doces, as gorduras nos salgados, o sal na sopa ou em casa.
Depois falta apenas começar a pôr a ginástica obrigatória...
Por fim, eu não olho apenas para o meu umbigo, eu acredito que devemos ajudar quem quer ser ajudado. Mas não devemos ajudar alguém contra a sua vontade.
Queres fumar? Mas eu vou-te ajudar proibindo-o. Queres beber? Eu vou-te ajudar proibindo-o. Queres comer pão salgado? Vou ajudar proibindo-o. Não te importas de ser gordo e morrer mais cedo, e por isso não queres fazer ginástica? Eu vou-te ajudar obrigando-o.
Eu acho que não temos de andar obsecados com os "umbigos" que querem viver as suas vidas fazendo escolhas que a eles os afectam, que não nos parecem as mais próprias. Temos muita gente que quer ser ajudada para ajudar, antes de nos concentrarmos em quem quer viver a sua vida em paz.
Sou capaz de aceitar taxas no tabaco, alcool, e até sal (e açúcar, por coerência), devido ao facto de existir um SNS, mas têm de ser taxas no sal como um todo, e não neste ou naquele produto salgado (ou doce), escolhidos sabe-se lá com que critério pelo legislador. Mas rejeito em absoluto uma proibição de tais produtos.
Lá vem o João Vasco com as suas liberdadezinhas burguesas... ;)
joão vasco,
os aditivos - alguns aparentemente tão inofensivos como o ácido cítrico, E330 - são rotulados.
mas nem por isso deixa de haver um limite legal para a sua parcela nos alimentos. porque é uma questão de toxicologia e não de escolha do freguês.
está aqui um artiguito interessante que, quem tiver paciência para ler até ao fim, vai encontrar uma comparação com o sal:
http://www.bbc.co.uk/news/magazine-10773893
João, sobre a rotulagem não me respondes. Quanto ao pão e ao donut, há vários aspetos. Ninguém nega que existe um problema de excesso de consumo de açúcar. A questão é que esse problema não se resolve tão facilmente. Não digo que o de sal se resolva automaticamente com esta restrição, mas isso contibuirá muito: foi identificada uma única fonte do grande consumo de sal dos portugueses, o pão. Tal fonte única não existe para o consumo de açúcar. É simples.
Além disso, esta rstrição contribui para uma maior cultura matemática por parte dos portugueses (neste caso dos padeiros), que dantes faziam tudo a olho. O grande problema de muita gente ainda há de ser ter que medir (e calcular) algo!
Ninguém está aqui a proibir nada, João. O pão com menos sal continua a ser pão e vai estar à venda. Se queres fazer pão salgado, ninguém te impede de comprares uma máquina de fazer pão (algo muito na moda) e o fazeres com todo o sal que quiseres. Trabalha!
Dorean Paxorales:
No que diz respeito ao tabaco é uma questão de escolha do freguês, sim.
Portanto se estamos a falar de algo que pode matar de uma assentada (e portanto ser usado como forma de homicídio) acho bem que seja proibido. De outra maneira poderíamos facilmente "suicidar" terceiros.
Mas se estamos a falar de algo como o tabaco que prejudica a saúde, mas resulta de uma livre escolha de quem fuma, então a proibição parece-me ilegítima e incoerente.
Pão com sal (alegadamente "em excesso") cai claramente nsta categoria.
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Filipe:
«João, sobre a rotulagem não me respondes»
Creio que respondi e fui muito claro. Neste ponto tens mesmo de me dar razão porque cometeste um equívoco qualquer.
É óbvio que ao dizer "se queres vender pão assim tens de o rotular" estás a dar mais escolha do que ao dizer "não podes vender pão assim".
Porque no primeiro caso a padaria/panificadora tem duas opções: a)rotular o pão "salgado" e vendê-lo b)não vender esse pão; enquanto que no segundo caso só têm a segunda opção. Por isso é impossível que fiquem prejudicadas pelo segundo caso face ao primeiro, porque caso considerem a etiquetagem mais dispendiosas que a ausência da venda do produto podem sempre optar por não vender pão com esse teor de sal. Não me importo que as panificadoras tenham essa escolha.
«Ninguém nega que existe um problema de excesso de consumo de açúcar. A questão é que esse problema não se resolve tão facilmente.»
Mas o problema do tabaco resolve-se facilmente proibindo-o.
Acharias isso legítimo?
«foi identificada uma única fonte do grande consumo de sal dos portugueses, o pão.»
Custa-me acreditar nisso. Onde encontraste essa informação?
Não mudarei a minha opinião, visto que não obsta aos fundamentos que apresentei para a mesma, mas vai realmente surpreender-me.
«Além disso, esta rstrição contribui para uma maior cultura matemática por parte dos portugueses (neste caso dos padeiros), que dantes faziam tudo a olho.»
Pois. Nunca pensei nos limites à velocidade - que defendo - como tendo esse efeito secundário pedagógico...
Desculpa, mas não posso levar a sério esse argumento.
«Se queres fazer pão salgado, ninguém te impede de comprares uma máquina de fazer pão (algo muito na moda) e o fazeres com todo o sal que quiseres. »
Pois, porque isso seria "muito difícil".
Mas não existe forma de fundamentar eticamente que é legítimo impedir-me de vender a um comprador informado pão salgado, mas não é legítimo impedir-me de comer pão salgado.
Como se a decisão informada de comprar pão salgado fosse menos legítima que a decisão informada de o fazer para consumo próprio.
O teu "trabalha" ajuda-me pouco porque o meu problema com esta lei não é a vontade de comer pão mais salgado. Eu como pouco pão, e dou pouca importância a isso.
Tal como o meu problema da lei do tabaco não foi eu não poder fumar nos cafés XPTO, visto que eu sou não-fumador.
E agora que até faço exercício com regularidade, não seria esse o meu problema com uma lei que nos obrigasse a fazê-lo todos os dias.
O meu problema com estas leis é estarem a impôr restrições às acções que não afectam terceiros. Como se as pessoas fossem incapazes de fazer um julgamento quanto ao que é mehor para si que o legislador.
Sou visceralmente contra esse paternalismo.
Principalmente quando manifestado de forma tão incoerente (em vez de uma lei contra o sal, contra o pão salgado, e por aí fora...).
João, sobre a questão da rotulagem continuo a dizer que falo-te em alhos e respondes-me com bugalhos. Quanto ao resto da discussão, que creio que vai longa e por agora não vale a pena continuar: aceito a tua resposta de que a alcoolémia no sangue ao conduzir não é uma mera questão de liberdade individual. No entanto, defendes que desde que não se ponha diretamente em causa terceiros ou se proíbe o consumo de uma dada substância ou se autoriza em qualquer quantidade. Em abstrato aparentemente podes ter razão; a questão é no entanto mais complicada. É preciso bom senso... E mantenho que não há aqui nenhuma proibição ao consumo (neste caso de pão salgado).
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