quarta-feira, 1 de abril de 2009

A Europa não existe

A primeira vez que se falou da «Europa» em Portugal foi com Mário Soares. A organização internacional actualmente conhecida como «União Europeia» foi, à época, apresentada como o reconhecimento de que Portugal era uma democracia.

Voltou-se a falar da então CEE durante o período mais populista do cavaquismo. Disse-se que viria dinheiro sob a forma de subsídios, parte a fundo perdido, e que em 1992 (lembram-se do «desafio de 92»?) Portugal assumiria a presidência rotativa da coisa. O que seria um reconhecimento da nossa capacidade tecnocrática.

Entretanto, a instituição transformava-se. A partir da queda das ditaduras do leste da Europa, a CEE acelerou em Maastricht na direcção de uma federação sui generis de Estados. O «europeísmo» passou a ser a nova utopia, uma utopia pós-socialista, pós-nacionalista, fundada no mercado livre e na livre circulação das elites.

Os portugueses provavelmente nunca se aperceberam de que o impulso inicial fora prevenir as guerras que tinham desgraçado o centro e leste da Europa durante a primeira metade do século 20. Mais concretamente, criar um novo equilíbrio entre a Alemanha e a França, arbitrado (quando necessário) pelos países do Benelux. Em Portugal, continuou a encarar-se a «Europa» como pouco mais do que uma burocracia que distribui subsídios e que será necessariamente democrática. O défice de reflexão sobre a «Europa», em Portugal, é tremendo. O que gera imensos equívocos.

A União Europeia de hoje, alargada a quase toda a Europa geográfica à excepção da Rússia e dos seus satélites, é demasiadamente grande e diversa para se poder imaginar um futuro coerente. É uma instituição internacional em que as decisões são tomadas pelo Conselho Europeu, nas reuniões sazonais dos Primeiros Ministros do continente, sempre à porta fechada, e onde é o peso populacional de cada Estado que manda.

O Parlamento Europeu é a fachada democrática da União Europeia. Confere a aparência de uma proto-federação democrática de Estados. Mas não se trata de um Parlamento no sentido de uma câmara legislativa: os grupos parlamentares não podem iniciar legislação. E nenhum «governo europeu» (Comissão Europeia) alguma vez caiu em consequência de eleições para o Parlamento Europeu.

A União Europeia tem um problema grave para resolver: a inexistência de um demos europeu. Não é tanto não existir nem povo nem nação europeia: é mais não existir sequer um «espaço público europeu» no sentido de media comuns, com debate público alargado e participação directa dos cidadãos. É duvidoso que venha a existir, quanto mais não seja porque as razões que levaram alemães, portugueses, britânicos, checos e estónios a juntarem-se nesta empresa são mais divergentes do que parecem à primeira vista.

8 comentários :

Nuno Gaspar disse...

Neste blog, os disparates que se dizem sobre religião são compensados pela coerência do que se escreve sobre política europeia. Bom texto.

dorean paxorales disse...

"O «europeísmo» passou a ser a nova utopia, uma utopia pós-socialista, pós-nacionalista, fundada no mercado livre e na livre circulação das elites."

E da 'arraia-miúda', em muito maior número e com uma facilidade nunca antes experimentada.
Mas isto é sempre menos lembrado dado que não contribui para a tal imagem de sucesso.

João Moutinho disse...

Ora, o Nuno Gaspar tirou-me as palavras do teclado.
Embora no que diz respeito à Religião também são ditas algumas coisas (e só isso) bastante a propósito - e falo como crente.

Ricardo Alves disse...

«Neste blog, os disparates que se dizem sobre religião são compensados pela coerência do que se escreve sobre política europeia»

Haverá quem diga o contrário: que os disparates que se escrevem sobre política europeia são compensados pela coerência do que se escreve sobre religião. ;)

A vida é assim: somos multidimensionais... ;)

Ricardo Alves disse...

Dorean,
livre circulação da «arraia-miúda» europeia. A extra-europeia vê as portas fecharem-se cada vez mais.

dorean paxorales disse...

i stand corrected (era o que eu queria dizer).

dorean paxorales disse...

eu diria mesmo mais: os disparates que se escrevem sobre a 1ª república são compensados pela coerência com que se escreve sobre religião e política europeia. ;)

(e como a dita acima já se finou há muito, graças a teus, por mim está tudo bem...)

Anónimo disse...

Pelo menos que a "Esquerda Republicana" se mantenha.
"Antes o diparate dos mortais que o despotismo dos iluminados".

João Moutinho