terça-feira, 4 de setembro de 2007

Criacionismo nas escolas públicas portuguesas

Conforme os leitores mais antigos do Diário Ateísta talvez se recordem, o criacionismo é ensinado nas escolas públicas portuguesas na disciplina de Educação Moral e Religiosa Evangélica. No novo programa de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC), o criacionismo aparece, a par da «evolução das espécies», nos «conteúdos» do «ensino secundário» (página 159 do programa de EMRC):
  • «A origem do ser humano e a evolução das espécies vs o criacionismo, numa visão literal da Bíblia; A visão científica sobre a origem do universo; Is 64,7: Deus é o criador do ser humano; Sl 136(135),1-9; Jr 10,6.10a.11-13.16 A origem do universo e a doutrina da criação».

Temos assim que nas aulas de biologia e física se ensinam (espero eu) teorias comprováveis sobre a origem do universo e da humanidade, e uma hora depois, nas mesmas salas, pessoas investidas pelo Estado de idêntica autoridade escolar colocam mitos inventados por uns pastores do Médio Oriente a par de teorias revisíveis, quantificáveis e corroboradas pela observação. Assim se mergulha os alunos no pior relativismo epistemológico, convencendo-os de que a relatividade geral e a narrativa do génesis são abordagens igualmente válidas da realidade.

O criacionismo aparece também, por exemplo, na página 104 («conteúdos» para o 7º ano de escolaridade):

  • «A mensagem fundamental do Génesis (1-2,24): A origem de todas as coisas é Deus; Deus mantém as coisas na existência; O amor de Deus cria e alimenta a natureza; Todas as coisas materiais são boas; O ser humano é a obra-prima de Deus; Sl 8: Hino ao Criador do ser humano».

O programa de EMRC tem ainda as suas pitadas de propaganda anti-ciência, por exemplo na página 158:

  • «O determinismo cientista e a liberdade e dignidade do ser humano; (...) A ordem e a racionalidade do universo vs o acaso como hipótese explicativa; A rejeição da hipótese «Deus» como factor explicativo na ciência».

Uma pessoa estremece só de imaginar o que um professor de EMRC (que, recorde-se, não pode ser nomeado nem demitido sem o «acordo» da «autoridade eclesiástica») pode fazer com estas indicações: desde extrapolações simplistas de que «a ciência determinista tira a liberdade ao Homem», até falsas alternativas entre a «ordem divina» do universo e o «acaso» que erradamente se atribui à visão científica (na realidade, a formação da Terra ou a selecção natural não são «acasos», da mesma forma que a queda de um objecto ou a extinção de uma espécie por predação também não são «acasos»; são, isso sim, acontecimentos sem propósito ético).

Note-se que o direito de acreditar em mitos antiquados, e até o direito de ensiná-los, é intocável. Simplesmente, é inaceitável que esse ensino tenha lugar na escola pública, paga pelos contribuintes e mantida pelo Estado para difundir o conhecimento e a ciência. Como é inaceitável que na escola da República se ensinem valores anti-republicanos.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

3 comentários :

Anónimo disse...

Uma coisa é fazer uma referência histórica ao criacoinismo e às suas variantes no contexto de História da Ciência. Desde logo porque isso ajuda a compreender muitos conflíctos teológicos, muitos debates científicos do passado, bem como o ambiene psicológico em que viveram os cientistas de outrora. É, desde logo, relevante estudar o criacionismo para compreender os novos argumentos de Lamark e os estudos de Darwin.

julgo que é neste contexto que o criacionismo é ensinado. Outra forma de o fazer seria absolutamente inadmissível, na medida em que a educação, num democracia republicana, é um processo público para a verdade.
É, pois, inaceitável que se tente impingir estas ou outras crenças aos alunos, seja em que disciplina for, NUMA ESCOLA PÚBLICA.
Com efeito, se esta doutrinação for da responsabilidade de uma escola privada não se pode ninguém admirar, - nem a república que o permite, nem a escola que o promove, nem os pais que o escolheram - mas, é isso socialmente conveniente para a realização de cada indivíduo?
Não me parece que existam sérias ilegalidades, ou ilegalidades generalizadas nesta matéria. O que não significa que este não seja um assunto de urgente discussão social e parlamentar.

Nesse debate digo que, por um lado, não se pode impedir ou limitar significativamente as filosofias que são ensinadas às crianças, nem que seja porque isso seria impossível de conseguir, e logo, ineficaz; por outro lado, não se pode deixar que se formem grupos que defendam uma acção contrária aos valores fundamentais da república, por exemplo, academias de nazismo, ou grupos de formação dos mártires da nossa senhora de fátima; tudo o mais deve ser permitido, já que, não o fazer seria interferir com o direitos das pessoas optarem por uma filosofia prórpia, num espaço de desenvolvimento pessoal.



Albert Lecats

http://rfmarat.blogspot.com

no name disse...

ricardo, o que fez a ARL para tentar acabar com as aulas de EMRC? não se poderiam planear novas actividades da ARL nessa direcção (talvez incluindo também a questão dos símbolos religiosos nas salas de aulas) agora com o arranque do novo ano lectivo? era importante não baixar os braços...

David Cameira disse...

opá mas de que é que tem medo ???que saturação isto do fundamentalismo atu e secularista...