quarta-feira, 16 de novembro de 2011

"Liberal Social", dizem eles

O Movimento "Liberal Social" (já o nome revela uma curiosa contradição de termos) promove amanhã, num hotel de Lisboa, um encontro subordinado ao tema "Direitos Individuais na Europa". O painel de oradores reflete a enorme disparidade já patente no nome do referido movimento, indo desde o monárquico José Adelino Maltez ao laicista italiano Giulio Ercolessi. O namoro à esquerda das "causas fraturantes" (as únicas causas geralmente apoiadas pelos partidos de esquerda que interessam ao movimento) é evidente: João Semedo, do Bloco de Esquerda, fala sobre eutanásia; Elza Pais, do PS, fala de políticas de igualdade de género; evidentemente o PCP não vai lá fazer nada, e só lhe fica bem lá não estar.

Tal namoro à esquerda reflete-se sobretudo no facto de os convidados de esquerda serem membros partidários com responsabilidades, de forma a serem identificados explicitamente dessa forma: como membros de partidos de esquerda. Já os oradores de direita, como Maltez, são "independentes" e apresentados desta forma. É também o caso do "antiproibicionista" António Elói, que no passado dia 26 de Outubro, em artigo no Público, defendia a privatização das águas, "argumentando" que só por "radicalismo ideológico" se poderia recusar esta opção (e os "argumentos" de Elói são o quê senão radicalismo ideológico?). No mesmo artigo o autor teve ainda o desplante de afirmar que só a privatização da EDP impediu a utilização de energia nuclear em Portugal.

Na mesma linha, e mais importante, não é referido que nas últimas eleições o movimento organizador recomendou explicitamente o voto no PSD. À esquerda que se deixe enganar por estes "namoros" eu respondo como no conhecido conto: quem não os conhecer que os compre.

Resta concluir que, no anúncio do evento no Facebook, evento que tem lugar em Sete Rios, talvez a zona em todo o país melhor servida de transportes públicos (metro, autocarros urbanos, suburbanos e de longo curso, comboios suburbanos, regionais e de longo curso), é assegurado aos participantes o estacionamento mediante o pagamento de uma quantia. Não existe maior símbolo de liberdade individual que o transporte privado, pelo que é natural que o estacionamento seja a maior preocupação de um liberal.

26 comentários :

João Vasco disse...

Por acaso vou comparecer. Não vou por causa do MLS, com o qual tenho naturalmente várias divergências políticas, mas por causa do evento em si: por causa dos convidados e dos temas.

Ricardo Alves disse...

Exageras, Filipe. O liberalismo é muito mais do que a caricatura ultra da escola de Chicago, Mises e Hayek. Os partidos liberais europeus(*) sempre incluíram muita gente que se considera de esquerda e que defendem genuinamente as liberdades individuais. Também incluem gente de de direita que é neoliberal demais para o meu gosto em matéria económica, e ainda outros que são conservadores.

Partidos como a D66 holandesa ou os lib-dems repugnam-te assim tanto?

(*)http://www.alde.eu/

Maquiavel disse...

O problema é essa salganhada, RA. Näo tenho nada contra a Italia dei Valori ou D66, mas essas säo excepçäo à regra. A regra é, como FDP e Lib-Dems, serem a muleta de partidos (muito) conservadores. Preocupam-se mais em serem liberais economicamente (a "caricatura") do que socialmente.

Os Lib-Dems, por quem tinha alguma esperança, repugnaram-me ao validar a "reforma educativa" dos Tories. Aí, acabou. Que querem, tenho mau feitio!

Filipe Moura disse...

Conforme afirma o Maquiavel, a experiência histórica demonstra que, no poder, os liberais só demonstram um liberalismo económico, esquecendo-se do social. A experiência histórica demonstra que o liberalismo é inimigo do socialismo e da esquerda. A experiência histórica também demonstra que o comunismo é inimigo da democracia (algo que, reconheço, me incomoda), mas com mais exceções.

Acho-te piada, Ricardo Alves, tão "liberal" e incapaz de reconheceres a uma mulher muçulmana o direito de se vestir como quer. És liberal em tudo o que não diga respeito à religião, pelos vistos. Eu, ao menos, não sou liberal de todo.

João Vasco disse...

O liberalismo não é inimigo da esquerda, pelo contrário: nas lutas entre absolutistas e liberais, a direita correspondia aos absolutistas, a esquerda correspondia aos liberais.

O ideal da igualdade perante a lei - pedra basilar do liberalismo - é um ideal que é recorrentemente defendido pela esquerda, desde as lutas das sufragistas, das lutas contra o aparteid, até às mais recentes lutas pelo casamento homossexual.

Os direitos civis, e a luta contra o abuso de poder por parte do estado - outro fundamento do liberalismo - não são batalhas da direita. A esquerda democrática tem feito mais por estas causas que a direita democrática, mesmo que tanto esquerda como direita tenham umas tantas ditaduras em seu nome.

Claro que o liberalismo de direita não é... de esquerda.
Mas equacionar o liberalismo com o liberalismo de direita é a fraude intelectual que muitos «"«liberais»"» procuram perpetrar, pelos vistos com algum sucesso.


Aqui uns textos com dados elucidativos que mostram como a esquerda é mais liberal que a direita, o que faz todo o sentido tendo em conta a sua génese (o liberalismo!):

http://esquerda-republicana.blogspot.com/2011/07/esquerda-e-mais-liberal-que-direita_03.html

Filipe Moura disse...

Recomendas-me uma boa leitura de fim de semana, João Vasco. Obrigado. Mas olha que já te respondi nos comentários do texto que me indicas.

Repara, entretanto, que com a tua ideia de afirmares um putativo "liberalismo de esquerda" jogas à defesa (tentando não perder o equilíbrio no meio de tantos "mas"). Eu jogo ao ataque. Como diz o Daniel Oliveira, o principal problema da esquerda é que, desde 1989, só sabe jogar à defesa.

Ricardo Alves disse...

Filipe,
se queres falar da experiência histórica, tens que ir ver o que foi o liberalismo durante os últimos duzentos anos. E aí o JV tem razão: a «esquerda» do século 19 era liberal. Num sentido que eu até me atrevo a dizer que não era muito diferente do que o conjunto dos partidos da ALDE consideram hoje ser «liberalismo».

Por exemplo, a «esquerda» britânica até aos 30´s eram os liberais. Em França chamavam-se «radicais», mas era essencialmente a mesma coisa. Em Itália, idem. A «esquerda» só deixou de usar o rótulo «liberal» a partir de 1917, com o crescimento de socialistas e comunistas. E perdeu-se algo aí, porque todos os socialismos têm algo de colectivista.

Ricardo Alves disse...

Só mais uma coisa: tu abusas quando falas da «esquerda». Não se é de esquerda, está-se à esquerda. Estar à esquerda é estar em oposição à direita. Não é subscrever a corrente de pensamento A, B ou C.

Estar à esquerda já foi sucessivamente ser liberal, republicano, socialista e outras coisas. E estar à direita já foi sucessivamente ser monárquico absolutista, monárquico constitucional, fascista, democrata cristão e neoliberal.

Ricardo Alves disse...

Maquiavel, na segunda metade dos anos 90, os lib-dems estavam mais à esquerda, na maior parte das questões, do que os trabalhistas de Blair. Hoje não sei.

João Vasco disse...

« Mas olha que já te respondi nos comentários do texto que me indicas.»

Respondeste que não se aplicava à realidade portuguesa, mas depois verificou-se que é o contrário: existe pelo menos um estudo que revela que acontece o mesmo na realidade portuguesa.


«A experiência histórica demonstra que o liberalismo é inimigo do socialismo e da esquerda.»

Isso é perfeitamente falso. Pelo contrário, grande parte das vitórias da esquerda foram vitórias liberais: a derrota do absolutismo, o fim da escravatura, o voto para as mulheres, o fim do aparteid, o casamento homossexual, etc.


«a tua ideia de afirmares um putativo "liberalismo de esquerda" jogas à defesa (tentando não perder o equilíbrio no meio de tantos "mas"). Eu jogo ao ataque.»

Só que é precisamente o contrário.

Repara: o discurso de parte significativa da direita é no sentido de enquadrar as coisas da seguinte forma - a direita quer a liberdade, a esquerda quer o estado; a direita gosta de empreendedores que criam empregos para a pessoa comum, a esquerda gosta de políticos que fazem belos discursos mas querem é roubar.
Ou seja, além de se fingirem liberais (geralmente não são, como se vê pela preocupação que ninguém teve com as secretas) criam um espantalho daquilo que é a esquerda
, e depois entretêm-se a destruí-lo.

Aquilo que tu fazes é aderir completamente a este enquadramento, e afirmares-te como sendo o espantalho que eles criaram. Sim, a esquerda quer estado, quanto maior melhor. Sim, a esquerda não quer saber dos direitos individuais, e acredita que as maiorias sabem o que é melhor para cada um, e por aí fora. Isto para mim não é jogar ao ataque, é dançar o tango com eles a conduzir a dança.

Eu, com dados e factos do meu lado, rejeito essa dança. Não, não é verdade que a direita seja mais defensora da liberdade da esquerda - o que é verdade, como podemos verificar pela história e por uma série de estudos, é que a esquerda é mais defensora da liberdade que a direita. E é daí que vem o termo «liberal».
Jogar ao ataque é rejeitar o enquadramento falso que eles constroem, é rejeitar vestir o fato do espantalho que eles criaram.

Filipe Moura disse...

Ricardo Alves, essa designação "liberal" é tradicional na "esquerda" anglo-saxónica. Não é assim na França nem nos países do sul da Europa. Queiras ou não o termo "esquerda" surgiu com a revolução francesa, que não foi propriamente uma revolução liberal.

É original essa tua definição relativista, boaventurana de "esquerda". Nunca a tinha lido.

Filipe Moura disse...

João Vasco, não há nada menos liberal que os direitos individuais. Direitos individuais são uma questão de igualdade e não de liberdade. Proibires-me de discriminar e explorar pretos, gays, mulheres atenta contra a minha liberdade de discriminá-los e explorá-los. E atenta contra a liberdade deles de aceitarem serem explorados e discriminados. No mundo real, muitos deles aceitam.

Não estás a ver bem essa questão do espantalho: eu é que crio um espantalho com a direita liberal, e eu é que o agito, como demonstram as linhas acima. E esse espantalho aplica-se à direita, como ainda esta semana se viu com o ministro Álvaro, que afirmou que as mulheres só devem ganhar o mesmo que os homens se produzirem o mesmo. Eu é que comando a minha dança.

Um dos problemas de alguns membros deste blogue é não perceberem nada de futebol, e portanto não saberem distinguir o jogar à defesa do jogar ao ataque. Repara, João Vasco:

«Jogar ao ataque é rejeitar o enquadramento falso que eles constroem, é rejeitar vestir o fato do espantalho que eles criaram.»

Usas três vezes a palavra "rejeitar" (uma eu não citei). E estás totalmente errado: "rejeitar" não é jogar ao ataque, mas sim à defesa. Há vinte anos para cá que a esquerda só sabe "rejeitar" as propostas da direita (que obviamente joga ao ataque, propondo-as). Jogar ao ataque não é rejeitar: é afirmar. A esquerda, ainda mais no séc. XXI, só poderá voltar a jogar ao ataque no campo da igualdade e não do da liberdade. "Esquerda liberal" (eles assim se intitulam) são o João Carlos Espada, o Pacheco Pereira, o Manuel Villaverde Cabral...

João Vasco disse...

«João Vasco, não há nada menos liberal que os direitos individuais. Direitos individuais são uma questão de igualdade e não de liberdade. »

És tu quem vê a igualdade e a liberdade como inconciliáveis.

Mas a Esquerda não é isso, desde início que a esquerda é: «Liberdade, Igualdade, Fraternidade».
Por isso, quem não é pela Liberdade (e o nome «liberal» vem daí) não é completamente de esquerda.


« eu é que crio um espantalho com a direita liberal»
Mas se querias fazes mal, porque com «espantalho» estava a referir-me a uma falácia (desonesta, se intencional), a chamada falácia do espantalho.
Que alguma direita crie um espantalho da esquerda para depois o destruir, não esperamos melhor dessa gente. Que assumas que és tu quem cria o espantalho...

«E estás totalmente errado: "rejeitar" não é jogar ao ataque, mas sim à defesa. »

Posso saber pouco de futebol, mas em política o contra-ataque começa pela rejeição do enquadramento criado.
Pedes a uma pessoa de direita para definir o que é «esquerda» e «direita» e ele vai criar o enquadramento que mais lhe convém.
Por exemplo, vai dizer que a esquerda quer igualitarismo, enquanto a direita quer liberdade.

Concordo contigo que não basta rejeitar o dele, é preciso apresentar um alternativo, e já o tenho feito várias vezes. Essa rejeição/apresentação é jogar ao ataque.

Jogar à defesa é aceitar essa definição falsa, e reproduzir esse discurso errado, como tu fizeste acima quando disseste que os direitos individuais são «pouco liberais» por serem a favor da igualdade.

E já agora, em Portugal existiu uma guerra civil, onde um lado defendia o absolutismo, e outro lado defendia os mesmos ideais que tinham presidido à revolução francesa, a tal que consideras que «não foi propriamente uma revolução liberal». Quem eram esses adversários políticos dos absolutistas?

Filipe Moura disse...

Eu nunca disse que "não era pela liberdade": apenas que não a via como um valor absoluto. É evidente que a liberdade e a igualdade são inconciliáveis enquanto valores absolutos. Não sou só eu que vejo as coisas assim: qualquer cientista político te dirá isso. Se não fosse assim a ciência política seria trivial. É esse o "enquadramento", se lhe quiseres chamar assim; rejeitá-lo, só na tua cabeça.

João Vasco disse...

«Eu nunca disse que "não era pela liberdade": apenas que não a via como um valor absoluto. É evidente que a liberdade e a igualdade são inconciliáveis enquanto valores absolutos. »

Mas os valores absolutos não foram chamados à conversa.
A defesa da Liberdade e da Igualdade são geralmente duas faces da mesma moeda. A igualdade perante a lei é uma pedra basilar do liberalismo - e da esquerda - por isso mesmo.


«Se não fosse assim a ciência política seria trivial. É esse o "enquadramento", se lhe quiseres chamar assim; rejeitá-lo, só na tua cabeça.»

A ciência política não é trivial por inúmeras razões. Se fosse como tu dizes - esquerda igualdade, direita liberdade - então sim, seria trivial. Mas isso é uma ideia falsa, sem correspondência com a história das ideias.
E por falar nisso, já que não respondeste eu respondo à pergunta que te fiz:

Os adversários políticos dos absolutistas que, influenciados em grande medida pela revolução francesa, lutaram contra o absolutismo por essa Europa fora, e cá em Portugal em particular, foram os... Liberais!

A revolução francesa (juntamente com outras) está na génese do liberalismo, e da esquerda.

Filipe Moura disse...

«A defesa da Liberdade e da Igualdade são geralmente duas faces da mesma moeda.»

Uma vez mais, só na tua cabeça. Pelo menos em situações de democracia (e é disso que eu falo), a defesa da igualdade e da liberdade são quase sempre faces opostas da moeda. Defender liberdade e igualdade só em anarquia (que não é democrática). Atacar liberdade e igualdade é o fascismo. Só nestas situações extremas liberdade e igualdade são equiparadas.

"Se fosse como tu dizes - esquerda igualdade, direita liberdade - então sim, seria trivial."

Isto está muito longe de ser trivial. Esquerda e direita são só uma designação, uma etiqueta.

"já que não respondeste eu respondo à pergunta que te fiz"

Tu próprio já tinhas respondido à pergunta antes de a fazeres, sábado às três da manhã. Eu não gosto de redundâncias.

"Mas isso é uma ideia falsa, sem correspondência com a história das ideias."

Não vejo porquê. Nem me interessa a "história das ideias": todo o teu "enquadramento" é do séx. XIX. Nós estamos no séc. XXI. Vivemos em democracias. Não estamos a falar de revoluções.

João Vasco disse...

«Defender liberdade e igualdade só em anarquia (que não é democrática). Atacar liberdade e igualdade é o fascismo»

Um detalhes: a anarquia está associada à esquerda, e o fascismo à direita.

A esquerda nasce da crença de que liberdade e igualdade estão intimamente ligadas e não em oposição, e merecem ambas ser defendidas.

Liberdade, Igualdade, Fraternidade.


«Não vejo porquê. Nem me interessa a "história das ideias"»

O problema é este. Uma palavra ("esquerda") tem uma designação com correspondência na história das ideias políticas, e tu preferes ignorar toda essa história e em vez disso ir na cantiga de pseudo-liberais que alegam - contra todos os factos* - que a esquerda é contra a liberdade, e dizer que estão certos.
Sem mais argumentos, que não sejam uma alegação não fundamentada de que geralmente existe oposição entre liberdade e igualdade, quando é precisamente o contrário que geralmente se verifica.

O fim da escravatura é uma vitória da liberdade. E é uma vitória da igualdade.

O sufrágio feminino é uma vitória da igualdade. E uma vitória da liberdade.

O casamento homossexual é uma vitória da igualdade. E uma vitória da liberdade.

O fim do aparteid é uma vitória da igualdade. E uma vitória da liberdade.

Assim só de repente, estão aqui várias vitórias históricas da esquerda, todas elas evidentemente vitórias da liberdade e da igualdade.

E a existência do SNS? Aumenta a liberdade das pessoas?
A meu ver, sim.
Como o sistema público de ensino, ou a existência de um rendimento mínimo garantido, ou a segurança social, etc..
Por exemplo, torna os assalariados efectivamente mais livres da entidade que os emprega.
Dizer que se troca liberdade por igualdade quando se decide manter estes serviços é fazer o joguinho de quem os quer destruir.
E fazer um mau serviço à verdade.

*como o estudo que rejeitaste porque alegaste - sem qualquer fundamento - que a realidade portuguesa seria diferente a esse respeito, e que aquilo só era válido na realidade norte-americana.
E depois preferiste ignorar o Miguel Madeira quando ele revelou que um estudo feito em Portugal chegou às mesmas conclusões.

Filipe Moura disse...

"A esquerda nasce da crença de que liberdade e igualdade estão intimamente ligadas e não em oposição, e merecem ambas ser defendidas."

Noto a palavra "crença". Não tarda nada falas em "fé". Por mim, nada contra. Só quero registar.

"Assim só de repente, estão aqui várias vitórias históricas da esquerda, todas elas evidentemente vitórias da liberdade e da igualdade."

Falas-me de meia dúzia de "causas". Para mim a esquerda é muito mais do que meia dúzia de "causas", fraturantes ou não. É lidar com a presença da troika, com a bancarrota do país, com o desmantelamento do estado social.

"A existência do SNS? Aumenta a liberdade das pessoas?
A meu ver, sim."

Podes escolher o teu médico? Achas que isto é liberdade?

"Como o sistema público de ensino"

Podes escolher a escola que frequentas?

"ou a existência de um rendimento mínimo garantido, ou a segurança social"

Que eu saiba não podes escolher o que queres fazer com o teu dinheiro. És obrigado a descontar. Achas que assim defendes a liberdade?

E acusas-me a mim de prestar um mau serviço à verdade?

Liberdade e igualdade merecem sem dúvida ser ambas defendidas, enquanto não entram em oposição. A maior parte dos problemas políticos do dia a dia, da economia, do estado social, assentam na oposição entre liberdade e igualdade. Se não fosse assim no dia a dia quase não haveria conflito político e estaríamos todos de acordo.

Ricardo Alves disse...

Esta discussão interessa-me bastante, mas como não tenho tempo agora deixo uns linques antigos para o Filipe Moura me ir entendendo...


Meus contra os «neoliberais»:

http://esquerda-republicana.blogspot.com/2008/02/liberdade-e-igualdade.html

http://esquerda-republicana.blogspot.com/2008/04/contratos-desiguais-e-entre-iguais.html

http://esquerda-republicana.blogspot.com/2008/04/re-liberdade-econmica.html

De Raúl Proença, que era «socialista liberal» (o que isto deve horrorizar o Filipe...):

http://esquerda-republicana.blogspot.com/2008/03/ral-proena-liberalismo-poltico-e.html

E defendia o liberalismo... igualitário.

http://esquerda-republicana.blogspot.com/2008/03/ral-proena-os-sofismas-liberais-do.html

Filipe Moura disse...

Posts de 2008 são boas leituras de fim de semana, Ricardo, e hoje é segunda feira. Mas não deixo de notar que, noutro post, te abespinhaste todo quando te chamei (reconheço que injustamente) "liberal", e agora vens reafirmar o teu "liberalismo". Afinal és o quê?

Conforme afirmei acima, pareces-me ser liberal, exceto no que diz respeito à religião. É que não sei mesmo como entender de outra forma alguém que defende as "liberdades" e ao mesmo tempo não reconhece a uma mulher muçulmana o elementar direito de se vestir como quer. Antes de discutir contigo, Ricardo, preciso que clarifiques este paradoxo evidente.

João Vasco disse...

«Noto a palavra "crença".»

Uso muito a palavra crença, em vários domínios, até mesmo porque todo o conhecimento é crença (verdadeira e justificada).

«Falas-me de meia dúzia de "causas". Para mim a esquerda é muito mais do que meia dúzia de "causas", fraturantes ou não.»

Se para ti o fim da escravatura e o voto das mulheres «não passam» disso, não têm uma importância absolutamente fundamental, creio que nunca foste de esquerda.

«Podes escolher o teu médico? Achas que isto é liberdade?»

Acho que tenho mais liberdade do que o SNS não existisse.


«Podes escolher a escola que frequentas?»

Sim. Tenho mais escolha do que se não existisse um sistema público de ensino.


«Que eu saiba não podes escolher o que queres fazer com o teu dinheiro. És obrigado a descontar. Achas que assim defendes a liberdade? »

Perco liberdade porque sou obrigado a pagar impostos para pagar a segurança social, mas ganho liberdade porque não morro à fome mesmo que o meu patrão me mande para o olho da rua aos 55 anos. Não estou completamente dependente dele. Nesse sentido, sou mais livre.


« A maior parte dos problemas políticos do dia a dia, da economia, do estado social, assentam na oposição entre liberdade e igualdade. »

Isso é perfeitamente falso.

Quando se decide se deve ser construído um aeroporto ou não, estão em causa questões técnicas que vão desde os juros até às previsões de procura. E os detalhes dos contratos de construção e quem é favorecido por eles.

Quando se faz negociatas para vender os activos ao BIC apesar de existirem propostas superiores, não se está a defender a liberdade, nem a Igualdade.

Quando se dá rios de dinheiro às secretas numa altura de crise, magoa-se a Liberdade e a Igualdade.

Quando se decide dar mais dinheiro às escolas privadas, apesar do contrato assinado com a Troika exigir o contrário, é em nome da Liberdade? Ou da Igualdade?

E quando o Alberto João Jardim dá dinheiro à Igreja, aos Clubes de Futebol, e aos jornais do regime? Está a defender a Liberdade, ou a Igualdade?

Quando se opta por descriminalizar as drogas, atacou-se a Igualdade?

Quando se opta por limitar o sal que pode existir no pão, aumenta-se a Igualdade?

Quando se decide gastar mais em armamento, ou entrar em guerras desnecessárias? É a Liberdade quem ganha? Ou a Igualdade?


Nota que não tem de existir um conflito entre Liberdade e Igualdade para existir um conflito.
Não só existem outros valores, a que as pessoas dão importância (Segurança, Prosperidade, etc..) como mesmo no que diz respeito a cada valor, podem existir avaliações diferentes: por exemplo tu (como os liberais de direita) acreditas que a existência do SNS diminui a Liberdade das pessoas, eu acredito que aumenta.

Filipe Moura disse...

«Se para ti o fim da escravatura e o voto das mulheres «não passam» disso, não têm uma importância absolutamente fundamental, creio que nunca foste de esquerda.»

OK, João Vasco, creio que é melhor terminarmos a discussão por aqui.

Filipe Moura disse...

Só volto aqui para deixar bem claro que eu não pus em causa que ninguém fosse de esquerda ou o que quer que fosse. Não fui eu que entrei nos ataques pessoais. É pena que o João Vasco tenha entrado por aí. João Vasco que, recorde-se, defendia a distribuição antecipada dos dividendos da PT pelos acionistas, de forma a pagarem menos imposto (que eu obviamente condenava). E que agora me acusa de "nunca ter sido de esquerda". Isto é surreal.

Não faço a mínima ideia de onde pode o João Vasco inferir que eu ache, por um momento que seja, que o fim da escravatura ou o voto das mulheres não seja fundamental. O João Vasco acusa os outros, mas é ele que cria uma caricatura (ou um "espantalho") das pessoas com quem discute, e depois argumenta com base nesse espantalho. Isto é uma desonestidade, e assim não estou disposto a discutir.

João Vasco disse...

Filipe,

Eu não disse que não és de esquerda.

Eu disse que se não considerasses essas questões fundamentais (estava convencido que não era o caso) então nunca tinhas sido de esquerda.

Aliás, o meu ponto era esse: era que quando desclassificaste essas questões, não estavas a ser consistente com aquilo que tu próprio acreditas.


Ora compara:

««Falas-me de meia dúzia de "causas". Para mim a esquerda é muito mais do que meia dúzia de "causas", fraturantes ou não.»»

As causas listadas eram 4, uma delas era o voto das mulheres, e outra era o fim da escravatura.


«Não faço a mínima ideia de onde pode o João Vasco inferir que eu ache, por um momento que seja, que o fim da escravatura ou o voto das mulheres não seja fundamental.»

Eu inferi foi que quando desclassificaste essas causas como tendo pouca importância para aquilo que a esquerda é não estavas a ser consistente com aquilo em que acreditas - que essas causas são fundamentais, e não faz sentido desqualificá-las.

Ricardo Alves disse...

Filipe,
vou repisar o óbvio mas sinto-me obrigado a fazê-lo para a conversa não se tornar absurda.

1) A designação «esquerda» vem da Revolução francesa. A «esquerda» (parlamentar, o termo só tem significado a partir daí) eram os que se opunham à monarquia absoluta e à religião única. Isto significa que estar à esquerda era estar em oposição ao que já existia. Mas não significa que «esquerda» seja só por si uma ideologia, como me parece muitas vezes que tu pressupões.

2) O termo «liberal» não vem do mundo anglo-saxónico. Vem dos espanhóis que desde 1812 se opunham ao mesmo - à monarquia e à ICAR. E os primeiros portugueses a usar o termo «liberal» usaram-no com o mesmo sentido (1820). Mas nessa fase, e durante o século 19, já tinham ideias mais precisas sobre o que queriam - e não apenas sobre aquilo a que se opunham.

3) No século 20 o termo ainda foi usado num sentido que não me repugna nada. Por exemplo, num dos textos (curtos) que não tens tempo de ler.

«Pelo que se refere à liberdade económica, sabem já há muito todos os meus leitores da Seara Nova ser minha opinião que o "soi-disant" liberalismo económico nada tem que ver com a liberdade intelectual e política, pois que se não funda em razões de direito, no respeito da pessoa humana, mas numa pura concepção económica ou em interesses egoístas de classe. Pode-se ser partidário da liberdade económica (por exemplo, a Associação Comercial de Lisboa) sem se comungar o liberalismo político, como se pode ser partidário do liberalismo político sem partilhar o liberalismo económico. São dois conceitos que estiveram logicamente ligados, numa das fases dialécticas da Revolução, mas que o não estão logicamente. Há, pois, que dissociá-los.
Disse que essas duas espécies heterogéneas do liberalismo nada tinham que ver uma com a outra. Não exprimi afinal com inteira fidelidade o meu pensamento. Creio, com efeito, que todo o liberalismo intelectual e político leva logicamente ao intervencionismo económico, pois que não pode haver liberdade para todos os homens, se nem todos têm garantido um mínimo de independência. Donde o não se incorrer em nenhuma espécie de contradição ao copular, como tantas vezes tenho feito, estas duas palavras: socialismo liberal.
E não pense V. Exª que estou isolado. Como eu, falava Jaurés, quando afirmava que o socialismo é o "individualismo lógico e completo".» (Raúl Proença, 1931)

Nota que o que levou a que o termo «liberal» andasse sempre associado à esquerda foi o bolchevismo. A partir de 1917, a esquerda foi sempre e cada vez mais colectivista, mais ou menos marxista. Ao ponto de hoje ser quase impossível alguém dizer-se socialista e individualista.

E não, não gosto disso.

Ricardo Alves disse...

4) Liberdade e igualdade não são antónimos. E, no meu entender, é isso que hoje muitas vezes separa a esquerda da direita: achar que são incompatíveis.

A direita é indiferente ou até hostil à igualdade. E tem preocupações com a liberdade bastante selectivas, na minha opinião.

Liberdade sem igualdade pode ser muitas vezes abuso de posição dominante. E igualdade sem liberdade é ditadura. Como se viu na URSS, ou se vê em Cuba.