Por isso, todos querem trabalhar por conta de outrem, por isso é que os gestores têm salários tão acima dos trabalhadores, por causa da falta de empreendedores é que existem tantas desigualdades. Quem se queixa dessas desigualdades deveria sim criar o seu negócio.
Por muitos erros que identificasse neste discurso, sempre acreditei que haveria pelo menos uma réstia de verdade. Pelo menos, sempre acreditei que em Portugal existissem mais trabalhadores por conta de outrem que na generalidade dos países desenvolvidos. E que existisse uma correlação positiva entre as políticas associadas ao liberalismo de direita e a taxa de trabalhadores por conta própria (empreendedores).
Fiquei estarrecido ao ler este excelente texto do Miguel Madeira, que suscitou em mim alguma curiosidade. Tinha de encontrar os dados a que ele se refere.
Este texto, também do Miguel Madeira, apresenta dados da OCDE (no que diz respeito à taxa de trabalhadores por conta própria), e da Heritage Foundation (no que diz respeito à «Liberdade Económica» - em que medida são seguidas as medidas preconizadas pelos liberais de direita), que aqui reproduzo:
Auto- emprego | "Liberdade Económica" | |
Australia | 12,6 | 82,7 |
Austria | 11,8 | 71,3 |
Belgium | 13,6 | 74,5 |
Canada | 9,2 | 78,7 |
Czech Republic | 15,3 | 69,7 |
Denmark | 7,8 | 77,6 |
Finland | 12 | 76,5 |
France | 8,9 | 66,1 |
Germany | 11,2 | 73,5 |
Greece | 30,1 | 57,6 |
Hungary | 13,3 | 66,2 |
Iceland | 14,1 | 77,1 |
Ireland | 16,6 | 81,3 |
Italy | 24,9 | 63,4 |
Japan | 10,2 | 73,6 |
Korea | 27 | 68,6 |
Luxembourg | 6,5 | 79,3 |
Mexico | 28,5 | 65,8 |
Netherlands | 11,1 | 77,1 |
New Zealand | 17,8 | 81,6 |
Norway | 7,1 | 70,1 |
Poland | 20,4 | 58,8 |
Portugal | 23,5 | 66,7 |
Slovak Republic | 12,6 | 68,4 |
Spain | 16,5 | 70,9 |
Sweden | 9,6 | 72,6 |
Switzerland | 9,3 | 79,1 |
Turkey | 29,1 | 59,3 |
United Kingdom | 12,7 | 81,6 |
United States | 7,3 | 82 |
E não é que Portugal é o quarto país da OCDE com mais «empreendedores», apenas ultrapassado pelo México, pela Turquia e pela Grécia? Sim, leram bem: a Grécia é o único país da UE com mais empreendedores que nós.
E os Estados Unidos da América, símbolo de uma nação rica que dá lições à Europa no que diz respeito à promoção do empreendedorismo, são o terceiro país da OCDE com menos empreendedores. Têm uma taxa de trabalhadores por conta própria cerca de três vezes menor que a portuguesa.
Na verdade, a correlação entre o índice da Heritage Foundation para a «liberdade económica» e a proporção de empreendedores na população é negativa.
Como é possível que todo o debate público esteja contaminado por uma percepção tão desadequada da realidade? Como é possível que o facto de Portugal ser dos países desenvolvidos com mais empreendedores - em proporção temos uma quantidade superior ao triplo da que existe nos EUA - tenha passado despercebido, sendo o discurso sempre no sentido de culpar a falta de «empreendedorismo» por quase todos os nossos males?
Tal enviesamento, a meu ver, só encontra explicação no poder que o dinheiro tem para condicionar o debate público. Para este problema só existe uma resposta: espírito crítico.
16 comentários :
ó jão basquinho ...numa sociedade quase toda de serviços claro que há muito auto-emprego
tirando o estado as empresas estatais
as que trabalham para a máquina estatal (muitas com auto-emprego)as construtoras que ainda não foram de armas e bagagens para as obras na suiça e benelux com 1800.000 gaijos
sobram na indústria nas pedreiras e nas minas (um Engenheiro de minas ou geol em Neves Corvo ganha 1500 e 1300 a 1200 nas pedreiras)
ou em auto-emprego a recibos verdes
50 ou 60 eurros ó dia
se as empresas têm medo de meter lorpas nos quadros recorrem aos auto-empregados
técnico superior de tratamento de lixo (com escritório numa caixa postal)
e com 400 mil cafés bares restaurantes pastelarias padarias automóveis, cabeleireiras gatos pingados e outras lojecas e negócios familiares
oviamente o auto-emprego é alto
o pessoal que anda à sucata tem quase tudo nº de contribuinte ou trabalha pra quem tem
idem pós feirantes
agora tirando as quinquilharias e empresas de reparações e meia-dúzia de milhares de empresas virtuais à La Lima
diz-me lá ó moço quantas empresas que exportem algo mais de hortaliças sejam de auto-emprego ai na zona?
resumindo a grécia ainda tem mais cafés restaurantes bares motoristas de táxi mecânicos e cabeleireiras do que nós...
olha a grande descoberta
Aqui o IEFP forma uns 300 desses empreendedores todos os anos
(se forem ex-da junta de freguesia de Santa maria de belém até arranjam um subsídio a fundo perdido para começarem a auto-empregarem-se
seria interessante obter mais dados, em particular qual a distribuição de especializações dos "empreendedores". eu sei que não é o ponto que queres sublinhar, mas se os poucos empreendedores norte-americanos abrem dotcoms ou biotechs e os muitos empreendedores portugueses abrem tabacarias e cafés ou restaurantes (que, sem saber os dados, suspeito que seja o caso), isso em nada favorece o caso nacional... no fim do dia o problema nacional é um problema de qualificação, não de "ambiente de negócios".
«no fim do dia o problema nacional é um problema de qualificação, não de "ambiente de negócios".»
Exacto!
Esta questão é bem explicada num recente livro do economista Ha-Joon Chang, publicado em tradução em Portugal (23 coisas que nunca lhe dizem sobre a economia).
Segundo ele diz, os países pobres têm muito mais "empresários" do que os países ricos. Por exemplo, em Portugal, um arrumador de automóveis é um empresário: um indivíduo que se lançou na vida com o seu próprio trabalho.
A questão é que, invariavelmente, essas empresas de um homem só têm um nível tecnológico e organizacional muitíssimo baixo. Por isso mesmo são típicas de países pobres.
Pelo contrário, em países ricos a generalidade da população trabalha em grandes empresas, de grande nível tecnológico e organizacional, que produzem produtos elaborados, que requerem os saberes de muita gente. Essa gente toda trabalha, portanto, por conta de outrem.
Luís Lavoura:
Apesar do problema do exemplo (o arrumador não entraria nesta estatística), não discordo da ideia de que em países mais pobres existe uma proporção maior da população que trabalhe por conta própria por essa razão. No fundo, isso até reforça a ideia que o Ricardo Schiappa lembrou: com mais capital e mais literacia (nomeadamente no que diz respeito ao conhecimento científico e tecnológico), mais facilmente surgem empresas grandes e tecnologicamente sofisticadas.
O que não se pode é dizer que o problema de Portugal está na falta de empreendedores, porque os dados gritam que essa tese é falsa.
João,
essas pessoas em «auto-emprego» não terão uma proporção elevada de recibos verdes, biscateiros, etc?
É que aquelas percentagens parecem-me retratar exactamente a proporção de trabalho «informal» nas respectivas economias...
Ricardo,
Portugal tem uma quantidade muito significativa de restaurantes, cafés, pequenas e médias empresas em geral.
Não são os recibos verdes e os biscates que constroem esta realidade, mas sim a existência de uma grande proporção de pequenas empresas.
Isto é muito relevante na medida em que vai sendo repetido o discurso de que o problema de Portugal é ter poucos empreendedores - toda a gente quer um emprego por conta de outrem - e também ter um ambiente pouco propício ao empreendedorismo.
Com base neste discurso, contrariado pelos factos que aqui exponho, se defendem uma série de políticas nas quais se equaciona o empreendedorismo com o trabalho por conta própria, ou com a criação de pequenos negócios, quaisquer que eles sejam.
Toda a realidade subjacente ao elevado «empreendedorismo» que está agora a ser lembrada pelos comentadores é uma que não nego - mas que está ausente quando se fala na falta de empreendedores que existe em Portugal, e na necessidade que existe de criar mais pequenas empresas. Afinal, não é esse o nosso problema.
Depende do tipo de empreendedores que queremos.
Aliás, eu nem sequer considero empreendedor uma pessoa que abra uma confeitaria numa esquina que seja cópia das confeitarias nas outras 3 esquinas do quarteirão. Talvez seja um problema de definição mas para mim empreendedorismo implica inovação.
Pode ser um conceito a discutir e confirma o que disse de início: "depende do tipo de empreendedores que pretendemos".
A meu ver precisamos de empreendedores que criem empregos para terceiros. E num mundo globalizado esses empregos só serão estáveis se trouxerem algo de novo de forma a poder sobreviver competindo com países que produzem o mesmo mas a preços mais baixos.
Para mim um arrumador, um taxista, alguém com uma confeitaria que tira cafés, meias de leite e torradas o dia todo não são empreendedores. Mas são auto-empregados. E dessa forma, para mim, os números que apresentas são mal interpretados.
Assim como nem todos os trabalhadores independentes a recibos verdes são empreendedores ou empresários.
Depois também temos um problema de escala: mesmo que 100% dos portugueses activos fossem empreendedores e apenas 5% dos americanos activos fossem empreendedores, os EUA ainda teriam mais empreendedores que nós. O que num mercado globalizado pode ser um problema para nós.
Fábio,
Faço minhas as palavras do Miguel Madeira (através de quem tomei contacto com estes dados) neste seu outro texto a este respeito:
http://ventosueste.blogspot.com/2007/05/trabalho-por-conta-prpria.html
«Ora, a partir do momento em que a definição de "empreendedor" se torna dependente de factores difíceis de medir objectivamente*, é relativamente fácil dizer "a chave do desenvolvimento está no empreendedorismo", já que o raciocínio acaba por ser um bocado circular (se um país tiver muitos empresários mas pouco desenvolvimento, é só dizer que esses empresários não são "empreendedores" e a tese nunca é desmentida).
Já agora, se nem todos os trabalhadores por conta própria são "empreendedores", isso não deveria significar que os trabalhadores por conta de outrém também podem ser considerados "empreendedores"? - afinal, nas grandes empresas o desenvolvimento de novos produtos e/ou "estratégias empresariais" é, fundamentalmente, da responsabilidade de assalariados. No entanto, quando no discurso politico se diz "temos que adoptar medidas favoráveis aos empreendedores", isso é sempre usado no sentido de advogar medidas favoráveis aos empresários (ou seja, empresário e empreendedor são conceitos diferentes e iguais, conforme calha)»
João Vasco,
Agora falta explicar porque é que abunda o empreendedorismo de pastelaria e salões de beleza e as pessoas mais qualificadas se entretêm a escrever em blogues. Estão à espera que os empresários desqualificados as contratem?
O Ricardo Schiappa já explicou porque é que existem poucas pessoas qualificadas a contratar: porque, ao contrário dos disparates que circulam, existem poucas pessoas qualificadas.
Diz-se que em Portugal tudo quer ser doutor, mas o contrário é verdade: Portugal tem falta de licenciados e doutorados.
Quanto aos blogues, são entretenimento de todos e não só dos mais qualificados, como qualquer leitura diagonal pode comprovar...
Mas o Nuno parece preocupar-se muito com o tempo que outros perdem a escrever blogues, mas sugiro que guarde essa preocupação para si e para o tempo que gasta a lê-los. Isso sim, é da sua conta.
Portugal tem falta de licenciados e doutorados e uma grande parte dos poucos que tem estão desempregados. Há aí qualquer coisa que não bate certo, JV. Ou essa não é a principal razão do nosso atraso ou falta mesmo empreendedorismo entre os mais qualificados.
Existe menos desemprego entre licenciados e doutorados que entre o resto da população.
Mais informação aqui:
http://esquerda-republicana.blogspot.com/2007/05/h-licenciados-menos.html
"Existe menos desemprego entre licenciados e doutorados que entre o resto da população."
Bom, era só o que faltava, não ser assim...
Mas isso não garante que o facto de sermos menos ricos tem mais a ver com a menor qualificação do que com a falta de vontade de arriscar. Ou, d'outra maneira, não garante que se tivermos todos o grau de doutor o problema do nosso desenvolvimento está resolvido. Até pode ser contrário. Quem nos diz que a abundância de licenciados em direito não fez aumentar a litigiosidade e a pressão burocrática a pontos de danificar a administração de justiça e a fluidez da iniciativa económica?
« Quem nos diz que a abundância de licenciados em direito não fez aumentar a litigiosidade e a pressão burocrática a pontos de danificar a administração de justiça e a fluidez da iniciativa económica»
O facto de não existir essa abundância...
Aquilo que se verifica é que existe «vontade de arriscar», e ela manifesta-se no facto de termos uma estrutura empresarial caracterizada por uma elevada proporção (quando comparada com outros países desenvolvidos) de micro e pequenas empresas.
Também se verifica que existe uma reduzida proporção de licenciados (quando comparada com outros países desenvolvidos).
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