quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

O cúmulo da incoerência

O senhor bispo de Viseu da ICAR diz que «interromper a vida, quer dizer, matar a vida às 10, às 20, às 30 semanas ou ao nascer, ou aos 5 ou aos 10 anos, tem a mesma gravidade ética e objectiva». Portanto, o senhor de Viseu deveria achar que aborto e homicídio são um único e o mesmo crime. Mas não, caro leitor, pelo contrário: «não está em causa a penalização da mulher, pois a Igreja não pede, nunca pedirá, que alguém seja penalizado». Então, em que ficamos? O aborto tem a mesma gravidade ética do que o homicídio, mas a mulher não pode ser penalizada?! Se assim é, porque não defendem que os homicidas não sejam penalizados? Qual é a diferença, afinal?
(O indivíduo também defende a criminalização do suicídio e do uso de embriões para fins terapêuticos. Com fundamentalistas destes, estaríamos bem tramados se tivessem mais poder...)

10 comentários :

Ludwig Krippahl disse...

Interromper a vida deliberadamente tem uma gravidade ética que é dependente das circunstâncias em que essa decisão é tomada mas independente da fase de desenvolvimento dessa vida que se interrompe.

Faz por isso diferença se eu te matar porque vais dar machadadas nos meus filhos ou se te matar para te roubar dinheiro, mas não faz diferença se isso acontecer à terça feira, quando tens dez anos, um mês, ou cinquenta anos.

Dadas as circunstâncias que normalmente rodeiam a decisão de abortar não é razoável tratar o aborto como homicidio. Mas isso não tem nada a ver com diferenças no valor da vida do ser que é morto.

Ricardo Alves disse...

Ludwig,
podes ser mais explícito quanto às «circunstâncias» que referes no último parágrafo?

kota disse...

Caro Ricardo,
você acha estranho que o "senhor de Viseu", "também defende a criminalização do suicídio e do uso de embriões para fins terapêuticos." ele está apenas a ser coerente com aquilo que representa. E já agora posso adiantar que a Leis actuais, estão de acordo com o que ele diz, o facto de você atentar contra a própria vida não é aceite, nem o uso de embriões. Ou estarei errado. O estranho foi ele vir dizer que poderia votar sim em determinadas circunstancias. Acho que o homem teve "tomates".
Cumpr.

Camarelli disse...

ricardo:

o problema está nos absolutismos: os defensores do «não» não vêem diferença no ser humano entre sentido genético e sentido social. Isto é, um feto não é nada, e digo mesmo NADA, comparativamente com a mãe, que é um ser humano formado, de cérebro activo, com MEMÓRIA, AMIGOS, CONTEXTO SOCIAL, HISTÓRIA DE VIDA. é uma ofensa para a Mulher equipará-la (de facto, diminuí-la) a um feto insensível sequer.

parece-me que o Ludwig ao cair no reduto caricato da sua posição pelo «não», tendo em conta as suas posições usuamente sustentadas pela ciência, cai no erro da apologia da punição preventiva. Tal como a recente guerra do Iraque, punir sem conhecer.

Camarelli disse...

Ludwig

o comentário anterior é também para ti.

Ricardo Alves disse...

«kota»,
o suicídio não é crime em Portugal. Nem a tentativa. E é assim que deve ser.

Quanto ao uso de embriões, creio que há um vácuo legal.

kota disse...

Eu disse que não é aceite, tanto que qual é a comp. de seguros que lhe paga um prémio de vida num suicídio.
Caso você ajude outra pessoa a suicidar-se o nosso código penal considera isso um homicídio qualificado.
A igreja sempre foi contra o suicídio como contra qualquer outro atentado contra a vida humana, portanto o sr. de Viseu continua a ser coerente. Note bem que eu sou a favor da eutanásia e do uso de embriões para fins terapêuticos.
Isto por vezes é um bocado difícil ver além do nosso umbigo, mas temos de tentar. Acho que ele ao dizer que poderia votar sim tentou.

Ricardo Alves disse...

«kota»,
você tinha falado nas «leis actuais». Que realmente não criminalizam o homicídio. Os contratos com as companhias de seguros não têm nada que ver com isto.

Mas não sei se entendeu a minha crítica ao senhor de Viseu: é que ele diz que o aborto é tão grave eticamente como o homicídio (ver a primeira citação). E depois diz que quer despenalizar a mulher. Em coerência, deveria defender a despenalização do homicídio. Ou os dois, ou nenhum.

kota disse...

Se acha que a Lei aceita o suicídio, então deve achar também que é uma incoerência ser condenado por ajudar alguém a fazer algo que a Lei não pune.
Em relação à ética está correcto porque ele considera a morte de um ser humano.
Na opinião do Sr. de Viseu, a mulher é empurrada para a situação, porque a sociedade não lhe dá outra escolha, não compare com um homicídio vulgar. O que ele diz, é que deveria-se dar outras escolhas à mulher, que não se dão.
Mas você ainda não disse nada sobre o facto de ele ter publicitado o sim. Quer queira quer não, foi tempo de antena.

Ricardo Alves disse...

«kota»,
ele não publicitou o «sim». Tentou baralhar a discussão, o que é diferente.

E realmente as «escolhas» que a sociedade dá não têm nada com isto. A mulher não pode ser obrigada a levar a gravidez até ao fim.