terça-feira, 17 de outubro de 2006

Falácias da Ética Neo-Liberal VII - a discriminação

Rertelius é uma aldeia. Nesta aldeia existe uma crença generalizada: a de que as pessoas que têm sardas são filhas do demónio.

Nesta aldeia as pessoas têm, no dia-a-dia, uma postura compatível com a utopia de qualquer neo-liberal: ninguém tem qualquer comportamento agressivo ou coercivo, e a liberdade comercial, contratual e económica é total. A propriedade privada é respeitada.

Por essa razão ninguém ataca ou magoa uma pessoa que tenha sardas. Mas, no exercício da sua liberdade individual, ninguém lhes dá emprego - o que impede os pobres sardentos de terem dinheiro para saírem desta aldeia. Se nós imaginarmos que a aldeia está numa zona estéril, sobrevivendo através do comércio, podemos supor que a sobrevivência no mato é impossível.

Também podemos supor (se bem que nem seja necessário) que, sendo a liberdade económica total, qualquer vendedor se recusaria a vender qualquer bem ou serviço (incluindo comida) a qualquer sardento se assim desejasse. E sendo o preconceito amplamente difundido, isso aconteceria sempre.

Aos sardentos, cuja liberdade nunca foi ilegitimamente invadida(?), que nunca foram agredidos nem vítimas de coerção violenta, resta-lhes morrer de fome, enquanto vão agnonizando numa existência triste e injusta.

Mas Rertelius faz parte da República Tribuleza, e os eleitores desta república acham indigna esta situação. O governo desta república proíbe este estado de coisas. Decide punir quem se recusar a dar emprego às pessoas com sardas sem causa justa, e obriga os preços de Rertelius a estarem tabelados (por cada um dos lojistas - por oposição ao regateio livre), na convicção que favorecerá todos os cidadãos e tornará mais difícil esta discriminação injusta. Com o tempo - espera-se - a vivência com estas leis irá atenuando o preconceito, à medida que os aldeões se forem deixando de habituar a ver os sardentos morrerem famintos, e se forem habituando a trabalhar e colaborar com eles.

Contada esta história, dificilmente se poderá condenar a atitude do estado. É uma história ridícula e anedótica (embora nos possa relembrar a Índia e as atitudes de alguns políticos - como Gandhi - para combater os preconceitos indús face à casta dos intocáveis), mas em que creio que a generalidade das pessoas sensatas estará de acordo - o estado teria tido, neste caso, uma postura louvável.

Existem dois tipos de extremistas que não deverão concordar: os relativistas extremos, para quem a atitude do estado não é louvável nem condenável, e os neo-liberais extremos para quem a atitude do estado é condenável.

Afinal de contas, o estado coagiu e limitou a liberdade de organização, cooperação e comércio entre os aldeões. Limitou a sua liberdade contratual. Logo, o que fez foi errado.

E eu creio que algo está mal quando se pensa desta forma.

64 comentários :

Carlos Guimarães Pinto disse...

Os sardentos podiam-se sempre mudar para a aldeia ao lado, ou trocar entre si.
Na sua própria aldeia, eles seriam mão-de-obra mais barata porque teriam menos procura. Um empresário ambicioso aproveitar-se-ia da situação para empregar os sardentos e retirar um lucro superior ao dos outros empresários. Com o passar do tempo os empresários racistas iriam falir porque tinham sempre que pagar mão-de-obra mais cara. O racismo acaba sem intervenção estatal, graças ao sistema capitalista. Repare que os empresários que empregaram os sardentos não o fizeram porque gostassem deles, mas apenas pelo desejo egoísta de lucro.
Com intervenção estatal, o racismo manter-se-ia e acumulava-se até explodir um dia.

Eu passei um período da minha vida na Índia e O que diz em relação à sua situação não corresponde exactamente à verdade. Os intocáveis são também hindus, e por o serem é que são considerados, e se consideram, intocáveis. A discriminação chegou a ser lei, o que demonstra o perigo de haver um estado que se mete na vida privada dos cidadãos. O desenvolvimento económico e a influência cultural do ocidente fez com que aos poucos fosse desaparecendo o sentimento de pertença a uma casta e as discriminações decorrentes. Curiosamente esses sentimentos foram reavivados recentemente quando o estado decidiu criar quotas de acesso à universidade e ao emprego para as castas mais baixas, incluíndo a dos intocaveis.

cãorafeiro disse...

«««Os sardentos podiam-se sempre mudar para a aldeia ao lado»»»

para o exílio, quer dizer?

Ricardo Alves disse...

cgp,
essas situações racistas não são corrigidas pelo «sistema capitalista» (como o cgp parece acreditar no seu «utopismo liberalista»), e por razões muito simples: a) as populações discriminadas são numericamente pequenas (e portanto um «nicho de mercado» pequeno); b) geralmente são mais pobres do que a média (e portanto com pouco poder aquisitivo ou reivindicativo); c) há pessoas que, mesmo que tenham que ter uma pequena perda económica devido ao seu preconceito racista, não se importam com isso.
Um exemplo clássico é o arrendamento de quartos a estudantes universitários negros. Há cidades portuguesas em que é extremamente difícil a um estudante negro conseguir um quarto. E, veja lá que o «mercado» não corrige a situação!

Ricardo Alves disse...

«Os sardentos podiam-se sempre mudar para a aldeia ao lado»

O João Vasco previu essa situação: os sardentos não têm dinheiro para se mudarem.

Mas a sua resposta mostra algo muito importante: para si (como para quase todos os que se reclamam «liberais») os «direitos económicos» são muito mais importantes do que os direitos políticos: não lhe passa pela cabeça que o direito político dos sardentos a não serem discriminados pudesse prevalecer (ou sequer equilibrar...) o «direito económico» a discriminá-los, pois não?

João Vasco disse...

«o que impede os pobres sardentos de terem dinheiro para saírem desta aldeia. »

João Vasco disse...

cgp:

O Ricardo já refutou os seus 2 argumentos, mas eu queria elaborar mais sobre o primeiro, uma vez que já citei o ponto do meu texto a que o Ricardo se referiu quando disse que já tinha previsto o seu segundo argumento.



A ideia de que um indivíduo ambicioso poderia querer aproveitar-se da situação falha por duas razões:

a) Nada no liberalismo obriga a que existam indivíduos mais ganaciosos que preconceituosos. Podem não existir. E em muitos casos, não existiram.

b) Mesmo que um indivíduo fosse mais ganacioso que preconceituoso, nada garantiria que a sociedade não penalizaria (livremente) este indivíduo devido ao seu preconceito.
Por exemplo: indivíduo que contratasse o sardento poderia produzir bolas de futebol mais baratas, mas os aldeões podiam, devido ao preconceito, não as querer comprar.

c) MESMO que as objecções acima não se verificassem (e são mais que suficientes), o sardento poderia ganhar pouco mais do que o suficiente para se alimentar, o que seria extraordinariamente injusto, visto que não tem qualquer culpa de não ter acesso a mais opções que essa.

Ou seja:

o cgp confirma que um liberal consideraria a atitude do estado nestas circunstâncias pouco ética. MAS os argumentos que dá não colhem.

Por isso creio que este caso exemplefica uma falácia da ética neo-liberal.

no name disse...

"Os sardentos podiam-se sempre mudar para a aldeia ao lado"

podiam, por exemplo, tentar vir de áfrica para a europa, tentando seguir o capital que foi deslocalizado das suas terras (e.g., o capital associado ao petróleo nigeriano que é deslocalizado para zurique). mesmo sem dinheiro, podiam tentar atravessar o mediterrâneo num barril, ou escondidos num contentor. do lado de cá o destino seria a prisão, e o regresso para de onde vieram. mas o capital associado ao petróleo, esse fica em zurique. tax free.

não sei o que o cgp fuma, mas aparenta ser muito potente ;-)

JLP disse...

1- O factor "não ter dinheiro para sair" não existe. Existe sim um risco associado a ficar e um risco associado a partir (nem que seja a pé ou a nado) cuja utilidade é avaliada por cada um dos indivíduos em causa. Se eles optam por ficar é porque acham que o risco de partir (ou de tentar obter dinheiro por vias ilícitas, um cenário também com um risco associado) conjugado com o benefício esperado de partir não compensa face ao cenário de ficar.

2- A subsistência dos sardentos, mesmo que se lhe recuse sistematicamente a venda de comida, não deve ser um problema num estado liberal. Quer se presuma que tal função vai ser assegurada por alguma filantropia ou por alguma forma de safety net mínima estabelecida pelo estado com a função de assegurar a propriedade (leia-se neste caso o direito negativo à vida) dos indivíduos, ambas as perspectivas (uma ou outra) omnipresentes no discurso liberal.

3 - Estranha-se que uma causa de um grupo minoritário e sem capacidade reivindicadiva venha alguma vez a ter um apoio maioritário para democraticamente se aprovar essa lei. Mais estranho ainda é qual é a dificuldade, obedecendo a principios liberais, dessa "imensa maioria" conseguir "motivar" os de Rertelius, totalmente dependentes do comércio, pela sua própria carteira e precisarem de ofender a liberdade de todos aprovando esse tipo de legislação.

4- Ao aprovarem esse género de legislação que descrimine positivamente os sardentos, estão a proceder exactamente no mesmo comportamento descriminatório em relação a todos os outros que criticam. Além de violarem um princípio básico de justiça que é o esta dever ser abstracta.

5- Ao tabelarem os preços, o único objectivo que vão atingir é o de afastar os parceiros comerciais de Rertelius, empurrando todos, quer sardentos quer não, para a pobreza, acabando a medida por se afirmar como um mecanismo de punição colectiva.

João Vasco disse...

jlp, ponto por ponto:

1- Assumindo que tem razão, imaginemos então que o risco é de 95%, e então o problema passa a ser que em cada 20 sardentos, 19 morrem a tentar saír da aldeia. Não é uma situação muito melhor...


2- Assumindo que existirá uma "safety net mínima estabelecida pelo estado" (já não seria o liberalismo mais extremo), mesmo assim os pobres sardentos lá sobreviveriam, mas a sua vida manter-se-ia indigna.


3- Pode parecer estranho, mas é possível. E perante esta possibilidade teórica os liberais continuam a condenar a postura do estado.
Mas o exemplo que eu dei da Índia (em relação à casta dos intocáveis) tal como muitos outros, mostra que esta historieta não é tão anedótica como poderia parecer à primeira vista.

4- Não existe descriminação positiva para os sardentos. Apenas a proibição de descriminação negativa. Ou seja: ninguém é obrigado a dar emprego caso tenha uma causa justa para não o fazer (um candidato não sardento mais competente para o cargo, por exemplo).

5- Hã?? Eu falo em obrigar as lojas a tabelar os preços por oposição ao regateio. Não falei no estado tabelar os preços.
Que eu saiba os países onde os preços estão tabelados nas lojas não são mais pobres que aqueles onde se ragateia... (se bem que a proibição de definir os preços arbitrariamente - por regateio - se trate de uma limitação (positiva, a meu ver) da liberdade económica).

João Vasco disse...

Quanto ao ponto 5, vou já alterar o artigo para evitar confusões

JLP disse...

1- A escolha de 95% é absolutamente arbitrária e, quanto a mim, dificilmente realista. Não acho que se possa tirar qualquer conclusão relativa a um número "atirado ao ar". Porque não 100%, já agora? Além disso, faltam também as considerações relativas à utilidade associada a esses cenários.

2- Acho que isso vai muito do que acha que seria a minha safety net... Passaria para mim em grande parte por garantir o fornecimento das calorias e nutrientes necessários à subsistência diária do indivíduo (nem que fosse parentericamente), uma cama num albergue colectivo, roupa que não lhe permitisse passar frio e cuidados de saúde de urgência ou que evitassem a sua morte. Não acho que seja "extreme", ou não. É perfeitamente compatível com o liberalismo e defendida por vários autores liberais. Passa em grande parte por ser um mecanismo de minimização de risco colectivo, que deve obrigatoriamente passar por um largo consenso (ou até, desejavelmente, pela unanimidade) de toda a população.

Além de que removeria o problema essencial que era o de garantir a mobilidade aos sardentos. A vida "digna", o que quer que isso seja, não é chamada ao caso.

3- Eu não comentava a estranheza. O meu ponto de vista é que se são tantos a achar que isso é errado, devem ter facilmente sucesso com uma atitude coerciva com a sua carteira (e decisão individual de cada um), e não por via legislativa.

4- Existe descriminação positiva sim, porque se aumenta o risco associado a, em condições de igualdade ou proximidade desta, um empregador decidir em favor do não-sardento. Ou seja, nessa circunstância o sardento será previlegiado uma vez que o empregador não quererá enfrentar o risco de poder ser considerado como estando a descriminar.

5- A questão é que o tabelar "espontâneo" é uma situação que imerge voluntariamente da relação entre produtores e consumidores, por uma questão de segurança contratual. Principalmente porque o vendedor gostaria de vender mais caro e o comprador por comprar mais barato. Ora a solução que propõe tanto obriga à proibição do regateio, o que é completamente injusto e uma intervenção intolerável no mercado, como muda o cenário. Passa a haver um interesse tanto do vendedor como do comprador em vender abaixo do preço afixado. A consequência seria a venda dos géneros "ao preço de mercado" "under the counter", e a venda ao preço (provavelmente inflacionado) tabelado aos sardentos. Veja-se o exemplo dos "consumos mínimos" tabelados nas discotecas.

João Vasco disse...

1- 100% era o valor do meu exemplo inicial - obviamente arbitrário, tal como o nome da aldeia, da república e praticamente tudo neste texto.

2- Tudo isso não corresponde ao liberalismo "extremo" porque o estado, para implementar essa rede teria de violar o direito à propriedade de cada cidadão com impostos destinados a alimentar os sardentos. Mas acredito que muitos liberais o defendam - não serão os mais extremistas entre eles.

De qualquer forma, a situação não deixa de ser injusta para os sardentos, que vivem no limiar da sobrevivência. Mas é um princípio.


3- Isso não é necessariamente assim. Mas ainda que fosse, colocar-se-ia a objecção no final do ponto 2).

Por outro lado, podemos imaginar uma situação em que os eleitores desconhcem esta situação, mas em que o primeiro ministro decide aprovar estas leis, às quais sos seus eleitores são indiferentes. Será a atitude dele ética?

O liberal acreditará que não, mas eu creio que isso mostrará que "algo está errado" nno seu modelo ético, e na forma como julga as atitudes.


4- Como essa descriminação positiva é num grau muito inferior à descriminação negativa anterior, pode dizer-se que no geral a descriminação diminui. Quando o preconceito desaparecer e a lei aumentar a descriminação face à que existira de outra forma, ela deve deixar de existir.


5- O seu primeiro argumento era que levava a um empobrecimento - o que não leva. Agora alega a que leva a ilegalidades, que antes não existiam.
Mesmo que eu assuma isso, os sardentos estão numa situação mais segura do que anteriormente, tanto mais quanto maior for a fiscalização. Se esta for mínima, a discrepância entre os preços poderá existir, mas será muito menor do que aquela que existiria sem essas leis.

Quanto ao "intolerável", eu creio que é mais "intolerável" alguém estar em risco de morrer de fome por ter nascido com sardas, do que alguém ser obrigado a ter um preço fixo para qualquer cliente.
E creio que uma ética que considera o oposto é uma ética cujos fundamentos terão de ser de alguma forma falaciosos para que dela decorram conclusões tão absurdas.

JLP disse...

1- Ou se parte do princípio que o exemplo é realista, ou então, caímos no domínio da pura retórica.

2- Por que não corresponde? Se isso for uma decisão voluntária, de todos os que detêm a propriedade, em que é que é violado o direito de propriedade destes?

3- Se um primeiro-ministro aprova leis por sua vontade, e não no seguimento da vontade dos seus eleitores, isso é uma democracia? Qual é a legitimidade de aplicar um ditame de "ética pessoal", face à indiferença da maioria, vertendo-o em legislação que afecta a todos, num regime democrático?

4- O problema é que a discriminação negativa era um acto de liberdade individual, que só discriminava individualmente as pessoas a que esse empregador tinha acessso. A discriminação positiva é um acto de coerção centralizado que condiciona a todos, e que discrimina por todo todos os não-sardentos (mesmo que até concordem com a causa destes).

5- A minha primeira argumentação devia-se à interpretação errada que tinha feito do seu ponto de vista. A segunda deve ser interpretada à luz da sua clarificação.

De qualquer modo, o problema é que, de um ponto de vista liberal, a situação não é uma ilegalidade. O direito de cada um poder dispor da sua propriedade como entender deve sobrepor-se a esse género de leis iníquas, bem como as transações comerciais e os moldes em que são feitos só devem dizer respeito aos seus intervenientes directos, agindo em liberdade. Além de que é perfeitamente ilegítimo imputar aos habitantes de fora de Rertelius, que lembre-se, podem ser indiferentes ao que lá acontece e que, se não o fossem, tinham toda a capacidade de interferir, os custos de fiscalização de uma lei desse género.

Carlos Guimarães Pinto disse...

Eu gostava de escrever neste blog. Em nome da igualdade de oportunidades por favor enviem-me um convite para tautau.mail@gmail.com

João Vasco disse...

1- É realista considerar que existe uma aldeia onde alguém decida matar de fome todos os sardentos?
Este é um exemplo anedótico com relação com a realidade, sim. Mas não pretende ser realista.

2- "safety net mínima estabelecida pelo estado" - se assim for, não será voluntária.

3- É uma democracia representativa.

4- Sim, sei disso. Esse é o ponto: é que neste a centralização e a coerção centralizada diminuem a discriminação e causam uma situação mais justa e humana que a anterior.

5- Tudo o que diz no ponto 5 apenas confirma as conclusões do artigo: que um liberal "a sério" condenará a atitude do 1º ministro - que achará preferível a situação dos sardentos deixados à mercê do preconceito que lhes nega toda a liberdade sem que estes tenham culpa de nada.

JLP disse...

1- Terá uma analogia possível com a realidade, sim. Mas é perfeitamente abusivo, somente baseado nas premissas e em "atirar numeros", que seja feita a extrapolação que está a fazer, como já foi rebatido, de que tal poderia acontecer num estado liberal.

2- O facto da competência de gestão ser autorgada ao estado não elimina o facto de que que o acto de o fazer, e a legitimidade da safety net desse modo estabelecida, sejam voluntários.

3- Nesse caso, representativa de quem? De quem elegeu esse primeiro ministro e que se está borrifando para o que está a acontecer?

4- Será a sua perspectiva. A minha é que se passou a discriminar um grupo muito maior, e principalmente, que se vai eliminar a plena liberdade a um grupo que, se verdadeiramente o quisesse, poderia resolver o problema por sua iniciativa.

5- Não é negada qualquer liberdade negativa aos sardentos, e sim, a atitude do primeiro ministro é reprovável.

Pedro Viana disse...

Dado que o jlp acha que certos aspectos da situação proposta no post são inverosímeis, vou pegar num aspecto não referido que também acho inverosímel:

"Aos sardentos, cuja liberdade nunca foi ilegitimamente invadida(?), que nunca foram agredidos nem vítimas de coerção violenta, resta-lhes morrer de fome, enquanto vão agnonizando numa existência triste e injusta."

Isto quer dizer que os sardentos nunca tentaram explorar os recursos naturais disponíveis nas imediações da aldeia? Por exemplo cultivar a terra? Não me parece de todo verosímel... o mais provável era terem tentado utilizar esses recursos, mas terem sido impedidos coercivamente por não-sardentos de os utilizar. Com que direito?

Este é um dos aspectos fundamentais continuamente ignorado pelos neo-liberais: o contexto histórico. Apenas se preocupam com a utilização da coerção para adquirir propriedade "privada" no presente, sem se preocupar de todo com o contexto histórico (i.e. se essa propriedade foi "obtida" também coercivamente). Um aspecto associado é que os neo-liberais são incapazes de justificar, em particular através do conceito de meerito individual a que tanto gostam de recorrer, a posse de propriedade privada por via de doação ou herança. Porque é que alguém merece mais do que outro possuir certa propriedade privada pela qual não trabalhou, não se esforçou? Com que direito alguém assim que nasce vê a sua liberdade de usufruto de recursos naturais negada, recursos esses que os "possuidores" nada fizeram para criar? Os neo-liberais não são mais do que conservadores que gostam de se arvorar em "modernos" e têm vergonha de ser confudidos com "velhotes quadrados". De outra maneira defenderiam que a propriedade privada só é legítima se o seu possuidor trabalhou, se esforçou para a criar ou adquirir com o resultado do seu trabalho. Porque é que nunca se viu nenhum neo-liberal defender a abolição do conceito de herança (e doação), sugerindo que o direito de posse/utilização em particular de recursos naturais deve terminar assim que o detentor ou "vendedor" morrer?... Talvez dir-me-ão que os neo-liberais defendem o direito do detentor de propriedade privada de fazer o que quiser com esta, incluindo dá-la a quem quiser. Treta. Pois ninguém "possui propriedade privada". O que possuem é uma garantia de um Estado (seja uma aldeia seja um país) de que a "sua posse" é protegida através do exercício de coerção por parte do Estado sobre quem quer que seja que tente contestar a "posse" dessa propriedade. Ora, porque é que alguém pode transmitir (por doação ou herança) a quem quer que seja o que efectivamente é um "contrato" com o Estado? Porque é que o Estado deve actuar coercivamente sobre aquele que nasce sem propriedade e em favor daquele que nasce com propriedade?...

E, para acabar, já agora, a afirmação de que

"A propriedade privada é respeitada."

contradiz-se a si própria (tipo: Nunca disse nunca.). Pois, se ninguém põe em causa a propriedade privada o que a distingue da propriedade comunitária? O que distingue essa aldeia de outra em que toda a propriedade é comunitária, no sentido em que todos fazem o que bem entendem sem nunca entrarem em conflito (por exemplo: cada um escolhe todos os anos terra para cultivar sem haver qualquer tipo de conflito na escolha)? Nada. O conceito de propriedade privada só existe quando hea conflito sobre o direito de usufruto (i.e. propriedade) de algo.

João Vasco disse...

1- O meu ponto principal não é que tal possa acontecer, mas sim que perante esta situação um liberal acharia a atitude do 1º ministro pouco ética - como parece ser o caso.

Veja-se o que é que isto permite concluir: que a imposição da obrigação de não descriminar sardentos é mais grave e indesejável do que eles morrerem à fome. É exactamente este absurdo -que os liberais que comentaram felizmente admitiram alegremente - que eu pretendo denunciar com o artigo.

Ainda assim não creio que a situação seja tão disparatada. De qualquer forma, seja a percentagem 100% ou 10% existe sempre uma forte injustiça de que os sardentos são vítimas, e que não merecem. Podemos sempre assumir que a partir de um certo risco a atitude do primeiro ministro seria louvável, mas os liberais negam-no, pelo que a percentagem concreta se torna irrelevante.


2- Se as contribuições forem insuficientes para garantir a sobrevivência dos sardentos, voltamos ao mesmo problema. Neste caso a atitude do 1º ministro seria louvável, mas os liberais negam-no.

3- Na democracia representativa os eleitores não se pronunciam sobre cada decisão dos governantes. Escolhem-nos, de acordo com um programa relativamente geral, e esperam que estes usem do seu melhor juízo para governar. Este exemplo concreto é compatível com uma democracia representativa que funcione bem.

4- O problema é que estamos no caso em que o grupo verdadeiramente não quer.

5- Este é o ponto: é que não lhes sendo negada qualquer liberdade negativa, é-lhes negada liberdade. Imagine ter nascido num mundo onde não pode sobreviver pelos seus meios, mas em que ninguém fala nem interage consigo (muito menos compra o seu trabalho ou vende os seus produtos). Seria livre?
Dependerá da definição de liberdade.

Mas certamente que os sardentos se sentiram mais livres depois da acção do 1º ministro. E parece razoável supor que esta nova situação acabou por ser melhor para todos.

João Vasco disse...

o comentário anterior era dirigido ao jlp

João Vasco disse...

pedro:

São bem observados os pontos que aponta. Já os referi em outros artigos nesta série:

http://esquerda-republicana.blogspot.com/2006/08/falcias-da-tica-neo-liberal-vi-herana.html

http://esquerda-republicana.blogspot.com/2006/08/falcias-da-tica-neo-liberal-ii-direito.html

JLP disse...

João Vasco:

1- O meu caro poderá fazer os jogos de palavras que bem entender. Mas há duas conclusões que, felizmente, parecem ultrapassar a sua vontade de argumentar: que em nenhum lado os liberais defendam (ou pelo menos que seja uma doutrina unânime do Liberalismo) que não deva existir um mecanismo de protecção que, como já referí, os impeça de morrer de fome (seja a existência de mecanismos de apoio privado quer pela implementação de uma safety net); que o facto de esse mecanismo existir, deita por terra todo o resto do seu problema e argumentação.

2- Se as contribuições não são suficientes, o estado não está a cumprir com o mandado que lhe foi transmitido soberanamente. O problema não é de haver uma falta de vontade em enfrentar o cenário, decisão que foi voluntária e unânime, mas sim um mero problema de gestão cuja responsabilidade pertence ao estado.

3- Depois não se queixe que os liberais, com essa perspectiva, demonstrem que preferem um estado que preserve a liberdade do que uma democracia...

4- Então afinal não quer ou é indiferente? É que se não quer, temos a situação curiosa de uma democracia em que os representantes eleitos agem contrariamente à vontade da maioria.

5- Qual liberdade é que é negada? A "liberdade" de imporem a sua vontade?

Se essa vontade de não interagir for livre, se houver um Estado de Direito que zele pela sua liberdade negativa e se for garantido pelo referido Estado de Direito o direito de propriedade privada, sim, será livre. Pelo menos para mim, e julgo que para muitos outros.

JLP disse...

Pedro:

Na ânsia de "mostrar serviço", acaba por fazer uma imensa confusão e mistura de conceitos.

Senão vejamos. No seu discurso, aparentemente pareceu referir 3 questões: a questão da constituição da propriedade, ou seja, como é que uma propriedade privada "nasce", a questão da transmissão por herança ou doação desta, e o problema do estatuto da propriedade, como "direito natural" ou "contrato com o Estado".

1 - A opinião comum à generalidade dos liberais, na minha opinião, é que a propriedade privada se constitui, a partir do que antes era abandonado,por mecanismos de posse, geralmente legitimados pela criação de valor no terreno (cultivá-lo, urbanizá-lo, tratá-lo) e pela auséncia de oposição sustentada pelos demais. A partir do momento em que a posse seja legitimada, pelo Estado de Direito vigente, deve constituír-se como um direito absoluto do seu proprietário, que no fundo demonstrou trabalhar e criar riqueza enquanto todos os demais a ignoravam.

Naturalmente que, no passado, muitas das propriedades foram adquiridas coercivamente aos que as possuiam primariamente. Assim como o foi pacificamente muita que pura e simplesmente não era utilizada nem ocupada por ninguém. Por costas mais largas que o Liberalismo possivelmente tenha, não quererá naturalmente atribuir as culpas disso a ele, já que os estados que nisso se envolveram não eram concerteza estados liberais e, muitas vezes, nem sequer Estados de Direito.

Dir-se-à que, enquanto não vigorava a ordem (que os Liberais desejam), vigorava a lei do mais forte e os princípios da evolução darwiniana. E que foram esses argumentos de superioridade, à falta de outra ordem, que constituiram o justificativo da constituição dessa propriedade, mantido pela força pessoal de a garantir.

A preocução do Liberalismo é que, a partir do momento em que esse reconhecimento da posse da propriedade passou a ser reconhecido por regras de Estado de Direito, de modo mais ou menos pacífico, que tal se processe nos moldes que defende.

2 - A sucessão e a doação é uma consequência natural do direito de propriedade. Se esta foi constituida por uma mais-valia do seu proprietário (de verdadeiro valor ou, na ausência de Ordem estabelecida, por demonstrada supremacia), é tão somente normal que quem arriscou para constituir esse valor, quem ninguém convenceu, no mercado, a vender essa propriedade ao lhe oferecer argumentos comerciais em troca que o satisfizessem, faça dela o que bem entender, inclusivé dá-la, doá-la ou reserva-la testamentariamente para quem escolha (o que no fundo é uma doacção com uma cláusula temporal e factual). A que propósito o estado, que abdicou de primariamente ser ele próprio a constituir valor nessa propriedade, ou todos os demais que também não se interessaram e nela não arriscaram quando estava devoluta, ou que não a conseguiram adquirir, pagando o preço que persuadisse o seu proprietário, deveriam ter algo a dizer sobre o assunto, ou algum direito à propriedade?

Em termos evolutivos, que mensagem é que se dá a um proprietário quando se lhe diz que não pode escolher o destino da maisvalia que construiu (ou recebeu) à custa do seu dinheiro e/ou trabalho? Que não vale a pena a partir de certa idade continuar ou que mais vale desbaratar o valor que constituiu para satisfazer os seus desejos primários. Ou a explorar, (incluindo danificando recursos ecológicos) o mais possível o recurso que detém, porque não tem palavra a dizer no que dela vai ser feito quando morrer e como tal mais vale explorar o mais possível enquanto for vivo.

3 - Quanto à questão do "contracto com o estado", acho curioso que, quem defende um estigma histórico sobre a posse da terra ache que o estado deve ter um papel de "proprietário de todo o país", concessionando a sua exploração a um e a outro. Se esse fosse um raciocínio válido, estavamos perdidos, nem que fosse em termos de realidade histórica. Com todas as secessões, todas as quedas e refundações de estados, se a propriedade não se afirmasse essencialmente como um direito natural, ou pelo menos sustentado num reconhecimento mútuo por entre pares, estávamos bem arranjados. Não seria difícil de imaginar (é até muito fácil: basta olhar para os exemplos de colectivização socialista) os atropelos individuais e o caos que se instalaria se tal perspectiva de propriedade associada ao estado vingasse.

A propriedade começou por se afirmar coercivamente não pelos estados mas sim pelos próprios proprietários. A possibilidade de garantir pela força a propriedade, com forças militares privadas, foi durante eras o único meio coercivo de garantia da propriedade privada. Com o surgimento dos estados, e nomeadamente dos Estados de Direito, os proprietários optaram por conceder em transferir o direito de salvaguarda da sua propriedade a um monopólio da força estatal. O que não quer dizer que a propriedade tenha passada para a esfera estatal. O estado somente foi delegado da tarefa de zelar pela sua manutenção, no âmbito do cumprimento da Lei e do Estado de Direito. Mais nada.

Carlos Guimarães Pinto disse...

Como digo acima, gostaria de passar a escrever neste blog. Como não houve resposta, suponho que não tenham lido por isso fica aqui novamente o pedido. Ou terei sardas?

João Vasco disse...

jlp:

1-
a) Diz-me que eu admito a possibilidade desse mecanismo existir, por isso está tudo bem. Esquece-se que a situação só seria menos aberrante se eu GARANTISSE a existência de tal mecanismo. Menos que isso é totalmente desumano e injusto para com os sardentos. E nada no liberalismo garante tal mecanismo, que também pode não existir.

b) A existência do mecanismo, mesmo que fosse garantida (que não é!!) não resolveria todo o problema. Afinal de contas esse mecanismo garantiria a subsistência, mas a vida humana não se limita a sobreviver. Ou seja: os sardentos não morriam, mas continuavam vítimas de uma situação indigna e injusta em que não podiam trabalhar como os outros, nem comprar bens e serviços como os outros, sem nada que tivessem feito para merecer tal triste situação.


2- Mas que culpa poderá ter o estado dos privados não terem, voluntariamente, meios ou vontade para ajudar os sardentos?

3- Essa é outra questão. O ponto essencial aqui é que, perante esta questão em particular, os liberais acham MAL que o 1º ministro faça a única coisa humana a fazer: impedir que esta situação indigna continue.

4- Pensei que estava a falar do grupo dos aldeões. O grupo dos cidadãos nesta república não pode resolver o problema apenas por criar a tal rede (ver ponto 1b), mas voltamos ao tal ponto: imaginemos que os cidadãos são indiferentes a este problema.

5- Já entendi que não vê qualquer limitação à liberdade no que respeita aos sardentos.
Por isso faço este exercício, imaginemos duas situações:

a) Rovius, porta-voz dos não-sardentos, diz aos 2 sardentos da aldeia: "Ou se despem já, perante toda a gente, ou eu disparo esta pistola matando-vos"

b) Rovius, porta-voz dos não-sardentos, diz aos 2 sdardentos "Ou se despem já, perante toda a gente, ou nós, no exercício da nossa liberdade individual, passamos a negar-vos acesso à comida e ao trabalho".

Muitos poderão considerar ambas as situações quase equivalentes, mas um liberal que acredite no mesmo que o jlp terá de considerá-las fundamentalmente diferentes: enquanto que a cooreção em a) é criminosa e ilegítima, a coerção em b) não o é: é uma atitude legítima do uso da liberdade individual.

Mas no que respeita às escolhas de cada indivíduo, e portanto da sua liberdade tal como ele a sente, as situações são praticamente iguais. Esta situação em particular não é nada disparatada: creio que grande parte da coerção e das limitações à liberdade se fazem desta forma. Mas enquanto forem feitas desta forma, o jlp não verá qualquer limitação à liberdade.

Aí eu volto a repetir: se chega a uma conclusão tão absurda, deveria repensar os seus fundamentos.

João Vasco disse...

Sobre o que disse ao Pedro, creio que novamente cai no tal erro de limitar a sua visão de liberdade a um âmbito muito restrito.

Vou repetir uma ideia que já explorei no meu artigo sobre herança: imaginemos uma aldeia isolda do mundo. A terra fértil está repartida entre 100 habitantes. Um dia, não importa a razão, 98 destes decidem dar as suas terras a um casal que se trna proprietário de toda a terra. Estes 98 têm comida suficiente para viver confortavelmente até ao fim das suas vidas (obtiveram-na em troca da terra, por exemplo, não importa). Mas têm uma série de filhos, tal como os 2 proprietários.

Na geração seguinte, o filho dos proprietários tem toda a terra, e os filhos dos restantes não têm nenhuma. Neste momento o filhos dos proprietários é livre de impedir o trabalho a quem quiser. É livre de exigir trabalho intenso 18h por dia para dar o previlégio de ter acesso aos bens de subsistência. E fazer tudo isto no exercício da sua liberdade, sem violência ou coerção.

Os restantes habitantes, que sem qualquer culpa, estão reduzidos quase à condição de escravos - ninguém os obriga, mas se não querem morrer à fome têm de aceitar as condições do proprietário, e aceitar apenas o suficiente para sobreviver, serão livres?

Quaqluer pessoa razoável diria que não, mas o jlp discordará. Nenhuma liberdade negativa lhes é violada. Por isso são mais livres que nós (que temos de pagar impostos mesmo que não queiramos).

João Vasco disse...

cjp:

Os autores do blogue ainda não tiveram oportunidade de falar entre si sobre essa possibilidade. Eu estive agora a dar uma vista de olhos pelos seus textos.

Responderemos, certamente :)

Pedro Viana disse...

João,

Voltei à questão da propriedade privada e herança, apesar de este post ser sobre discriminação porque todos esses assuntos estão relacionados. Tal deve-se ao facto do fundamento ideológico da Direita, nomeadamente da declinação neo-liberal, assentar no conceito de mérito, i.e. há pessoas que merecem mais do que outras. Enquanto que para a Esquerda as pessoas merecem, genericamente, de modo igual, pois a sua "valia" é idêntica. Isto explica tanto a tónica da Direita no conceito de propriedade privada como a sua completa incompreensão e insensibilidade para a questão da discriminação: para eles não há nenhum problema intrínseco em 2 pessoas serem tratadas de modo diferente, pois aceitam que essas duas pessoas possam merecer (aos olhos de quem exerce a discriminação) ser tratadas de modo diferente. A nós revolta-nos a discriminação porque achamos injusto que duas pessoas sejam valorizadas de modo distinto, a eles não. E não há nada que o João possa argumentar que faça o cjp mudar de ideias. Ele é simplesmente insensível à questão (ética, moral, para nós, subjacente). A única maneira de pôr um neo-liberal em apuros é pôr em evidência as contradições lógicas, que são muitas, da sua ideologia. Infelizmente, a discriminação, porque apela apenas à indignação emocional, sendo perfeitamente lógica no âmbito neo-liberal, pouco os afecta. Mas, claro, ajuda a desmascarar a completa falta de preocupação com o próximo da ideologia neo-liberal. Quando puder, ainda hoje, responderei pessoalmente ao cjp.

Pedro Viana disse...

Correcção: queria dizer jlp em vez de cjp.

Carlos Guimarães Pinto disse...

Se eu não for aceite, isso representará um abuso do vosso direito de propriedade do blog. estão a restringir o meu direito a exprimir-me pelo facto de não pertencer à vossa network de amigos e não partilhar os vossos ideais. Não acham que o estado deveria ter algo a dizer em relação a isso?

JLP disse...

João Vasco:

1 - b) Mas já se poderiam mudar. O seu problema estava resolvido.

2 - O problema de determinar os montantes necessários, de fazer previsões e de resolver os problemas operacionais é um problema de gestão/engenharia. Essa tarefa e essas competências estão a cargo do estado, assim como numa empresa se separam os accionistas da direcção. Além disso, o problema não é de "vontade de resolver o problema dos sardentos". A safety net, voluntária, deve ser global e não ter em conta problemas particulares que nada têma a ver com ela.

3 - Se é a "única coisa humana a fazer", porque é que os demais cidadãos da maioria, como refere, são "indiferentes"? Ou não deveria ser, do seu ponto de vista, também a "coisa humana a fazer" por estes, eliminando qualquer necessidade de intervenção do estado?

5 - No segundo caso, com o qual concordo que é um exercício de liberdade negativa, o problema não se põe. Como já referi, a sobrevivência alimentar dos sardentos está assegurada, portanto a ameaça é em grande parte vazia de conteúdo intimidatório.

Por aqui, a conclusão é semelhante: se os juízos operacionais que faz são absurdos, e não consegue sistematicamente provar da necessidade (ou as perspectivas de sucesso) de intervir coercivamente, privando a liberdade a muitos e aumentando o espectro da discriminação, deveria repensar os seus fundamentos.

Acima de tudo, temos pena.

JLP disse...

João Vasco,

- Se os 98 alienaram toda a sua terra, onde é que vivem (e posteriormente os seus descendentes)?

- Os descendentes têm a liberdade de se ir embora.

- O problema da fome não se põe, pelas considerações acima, e como tal não serve de factor coercivo.

João Vasco disse...

cgp:

Se só consegue conceber o direito de propriedade como absoluto ou então nulo, temos pena. Eu vejo muitas outras possibilidades...

Apenas mostrei que há casos em que, sendo absoluto, isso gera situações desumanas. Não defendi que isso acontece sempre.

Alguns liberais têm a mania que quem não é extremista como eles é necessariamente socialista. E isso é falso.


Neste sentido, a sua objecção não faz qualquer sentido.

JLP disse...

Pedro,

"A única maneira de pôr um neo-liberal em apuros é pôr em evidência as contradições lógicas, que são muitas, da sua ideologia."

Por mim, fico à espera dessas tão seguras contradições. Mas folgo em saber que é o único caminho que vislumbra, contrariamente a outras doutrinas, eventualmente mais do seu agrado, que às contradições têm que acrescentar a vicissitude de serem contraditas em larga margem todos os dias pelos factos e pela História.

Também aguardo por argumentos de facto e objectivos, não considerações éticas ou julgamentos de valor, discursos a puxar à lagriminha facil, ao "pensem nas criancinhas" ou ao "nós é que somos sensíveis". Também dispenso a "indignação moral".

É que se se quer discussão séria, é esse o único caminho viável. A alternativa é cair-se numa discussão entre a minha ética e a sua, o que não tem nada a ver com o Liberalismo.

João Vasco disse...

1- b)Quase totalmente. Mas existe sempre o ponto a).

2- Mas o problema nunca foi determinar os montantes. Foi obte-los visto que existe a possibilidade de que as pessoas não estejam dispostas a pagar para resolver os problemas de Rertelius. E neste caso, a atitude do 1º ministro ter sido louvável.

3- Devia sim. Isso não está em discussão. A questão é que, perante a situação em que ninguém quer saber, o 1º ministro teve a atitude correcta.
(E até parece que é um cenário absurdo imaginar que poucos querem saber da miséria alheia...)

5- O problema só estaria resolvido se existisse a tal "safety net". Mas a verdade é que, sendo voluntária, nada garante a sua existência.
Assim sendo, no caso de não existir, a ameaça tem conteúdo intimidatório. Neste caso continua a não existir violação da liberdade?

João Vasco disse...

"Se os 98 alienaram toda a sua terra, onde é que vivem (e posteriormente os seus descendentes)?"

Em terras estéril. A terra fértil é que está toda nas mãos do proprietário.

"Os descendentes têm a liberdade de se ir embora."

Eu assumi uma aldeia isolada. Pode ser a única no mundo.


"O problema da fome não se põe, pelas considerações acima, e como tal não serve de factor coercivo."

Não, porque a aldeia está isolda. Ninguém pode contruir a tal rede.

JLP disse...

"Foi obte-los visto que existe a possibilidade de que as pessoas não estejam dispostas a pagar para resolver os problemas de Rertelius."

A questão é que os montantes não são recolhidos para resolver problemas concretos. São recolhidos para constituir uma safety net baseado em principios de universalidade e abstracção. É esta a questão que foi estabelecida voluntariamente, aquando da definição do contrato social, e não actuações discretas em casos individuais.

João Moutinho disse...

A troca de "piropos" foi engraçada.
Mas o Estado não pode abdicar do seu papel na sociedade.
Deve acima de tudo ser juíz. Nem patrão, nem advogado de defesa ou de ataque.
Não deve obrigar os patrões a empregarem quem não quer trabalhar mas deve garantir uma subsistência digna a quem não pode trabalhar.

João Vasco disse...

jlp:

Mas nada no liberalismo pode garantir que se forma uma tal rede voluntária. Ela pode perfeitamente não existir.

Então imagine que não existe. Neste caso a atitude do primeiro ministro é a correcta?

Neste caso a ameaça b) feita por Rovius é legítima e não viola a liberdade dos sardentos?

João Vasco disse...

joão motinho:

Se for através de doações volutárias, não existirá tal garantia.

Se for através de impostos obrigatórios, então já não estamos perante algo que um neo-liberal extremo possa defender, pois existirá sempre algum nível de coerção aqui.
Como já disse, essa situação não resolveria completamente o problema dos sardentos, mas sempre seria mais humana que a situação em que não existe qualquer intervenção do estado.

JLP disse...

"Em terras estéril. A terra fértil é que está toda nas mãos do proprietário."

Então quer dizer que não foi alienada toda a propriedade. A divisão em "fértil" e "estéril" é um dado que não consta do enunciado da situação.

"Eu assumi uma aldeia isolada. Pode ser a única no mundo."

Convirá que isso é um cenário, no mínimo irrealista. O João Vasco está interessado em discutir "meta filosofia política", ou filosofia política ajustada à realidade humana?

Mas seja. Já agora, há mais alguém no "mundo"?

A resposta é muito simples. Se só existem essas 100%, perfeitamente isoladas, não há ninguém que assegure as funções mínimas de um estado liberal, nomeadamente a justiça e a segurança. Como tal, dificilmente haverá sequer um Estado de Direito externo. A perspectiva do crime sem castigo e ausência de Ordem fará com que prevaleçam os mais aptos.

A única solução estável do ponto de vista liberal é que se estabeleça uma "aristocracia liberal" (não uma democracia), assumindo os descendentes do casal (os proprietários) voluntariamente compromissos de garantia do estado de direito, e negociando com os descendentes dos 98 a contratação de alguns deles para constituir as funções mínimas do estado. Ou seja, os proprietários constitur-se-iam como um efectivo estado.

JLP disse...

Caro João Moutinho,

Genericamente, nada a opôr. Assim como provavelmente a generalidade dos liberais não terão.

João Vasco disse...

«Então quer dizer que não foi alienada toda a propriedade. A divisão em "fértil" e "estéril" é um dado que não consta do enunciado da situação.»

Isso é falso:

«Vou repetir uma ideia que já explorei no meu artigo sobre herança: imaginemos uma aldeia isolda do mundo. A terra fértil está repartida entre 100 habitantes.»

-----

«Convirá que isso é um cenário, no mínimo irrealista. O João Vasco está interessado em discutir "meta filosofia política", ou filosofia política ajustada à realidade humana?»

Estes cenários anedóticos e altamente simplificados são úteis para aferir valores cuja aplicação pode ser mais complexa na realidade do mundo actual.

Por exemplo, sem o exemplo dos sardentos seria difícil admitir tão claramente que não consegue ver uma limitação ilegítima na liberdade no caso exposto.

O que se pensa sobre estes cenários influencia grandemente o que se pensa sobre a realidade...

-----

«A perspectiva do crime sem castigo e ausência de Ordem fará com que prevaleçam os mais aptos.»

Provavelmente. Mas vamos assumir que ninguém parte para a violência nem viola os fundamentos do liberalismo.

Pense sobre isso

------

«Ou seja, os proprietários constitur-se-iam como um efectivo estado.»

Teríamos um regime comunista?

JLP disse...

"Isso é falso:"

OK. Mea culpa.

Mas isso torna o problema mais simples. Os descendentes dos 98 podem então dedicar-se ao coméricio ou à industria (nem que seja a manufactura). A menos que ache que os descendentes do casal conseguem plantar a terra toda sozinhos (e, principalmente, que vão produzir todos os bens de consumo que desejam), o que será sem dúvida uma grande confiança na capacidade produtiva do ser humano individualmente.

"Provavelmente. Mas vamos assumir que ninguém parte para a violência nem viola os fundamentos do liberalismo. "

Quem é que assegura então o funcionamento do Estado de Direito e zela pela segurança?

"Teríamos um regime comunista?"

Não, teriamos uma ditadura aristocrática liberal.

João Vasco disse...

jlp:

O descendente do casal tem toda a terra em sua posse, por isso pode negar a qualquer habitante o acesso a comida. E pode faze-lo legitimamente.

Para que ele o possa fazer apenas precisa de conseguir plantar o suficiente para subsitir, e voila.

Cada habitante que quiser sobreviver estará sujeito a obedecer-lhe. Se ele não gostar de alguém pode dizer que negará o acesso à sua terra a todos quantos o alimentem, e pode gfaze-lo legitimamente. Ele tem o poder de matar qualquer aldeão, sem que a ninguém tenha sido violada qualquer liberdade negativa.


E agora?

JLP disse...

Repito:

Quem é que assegura então o funcionamento do Estado de Direito e zela pela segurança?

Pedro Viana disse...

jlp,

Ora então vamos lá:

"1 (...) a propriedade privada se constitui, a partir do que antes era abandonado,por mecanismos de posse, geralmente legitimados pela criação de valor no terreno (cultivá-lo, urbanizá-lo, tratá-lo) e pela auséncia de oposição sustentada pelos demais."

Em que planeta é que isso aconteceu?... Referimo-me em particular à "auséncia de oposição sustentada pelos demais.". Está seriamente a dizer que a esmagadora maioria dos actuais recursos naturais estão na posse de pessoas que na sua "aquisição" (ou no historial de "aquisição") nunca tiveram oposição sustentada dos demais?!! Suponho então que por exemplo defende que toda a terra nas Américas e África deve ser imediatamente devolvida aos descendentes dos seus "proprietários" originais, que habitavam essa terra e dela reclamavam posse ante da chegada dos Ocidentais, que a "adquiririam" claramente sob oposição dos "demais"?... Quando um princípio "liberal" implica qualquer alteração ao statis quo da propriedade, assim se vê quanto Conservadores na realidade são.

"A partir do momento em que a posse seja legitimada, pelo Estado de Direito vigente, deve constituír-se como um direito absoluto do seu proprietário, que no fundo demonstrou trabalhar e criar riqueza enquanto todos os demais a ignoravam."

Hummm... suponho que se o Estado vigente não legitimasse a situação de "posse" actual já não seria de Direito.... eu diria que enquanto um Estado não reconhecer que a maioria da propriedade privada em particular dos recursos naturais foi adquirida através dum historial de coerção, e portanto des-legitimar a sua posse, então não é realmente um Estado de Direito (Liberal).

Quanto ao trabalhar e criar riqueza, suponho então que o jlp defende a expropriação de propriedade que não é utilizada para produzir riqueza? Mas parece-me que não...

"Naturalmente que, no passado, muitas das propriedades foram adquiridas coercivamente aos que as possuiam primariamente. Assim como o foi pacificamente muita que pura e simplesmente não era utilizada nem ocupada por ninguém. Por costas mais largas que o Liberalismo possivelmente tenha, não quererá naturalmente atribuir as culpas disso a ele, já que os estados que nisso se envolveram não eram concerteza estados liberais e, muitas vezes, nem sequer Estados de Direito."

O problema é que o neo-liberalismo fecha os olhos a isso. Suponho então que defende que quem foi expropriado em resultado da revolução de 25 de Abril não devia receber de volta a sua propriedade nem indemnizado. Já passaram mais de 30 anos... Ou talvez não? E quem perdeu a sua propriedade coercivamente há 50 anos (ex. palestinianos)? Ou há 100 anos (ex. em África)? Ou há 200 anos (ex. nas Américas)?.... Se calhar até acha que o que se passa no Brasil com o boom de plantações de soja em áreas habitadas por índios, que utilizam a floresta destruída pelos "novos proprietários" para a sua subsistência é um dos maiores escândalos liberais do século?... Não?....

"2 - A sucessão e a doação é uma consequência natural do direito de propriedade."

"Natural"?... O que tem de natural os desejos de alguém já morto influenciarem o reconhecimento pelo Estado da posse de certa propriedade?

"Em termos evolutivos, que mensagem é que se dá a um proprietário quando se lhe diz que não pode escolher o destino da maisvalia que construiu (ou recebeu) à custa do seu dinheiro e/ou trabalho? Que não vale a pena a partir de certa idade continuar ou que mais vale desbaratar o valor que constituiu para satisfazer os seus desejos primários. Ou a explorar, (incluindo danificando recursos ecológicos) o mais possível o recurso que detém, porque não tem palavra a dizer no que dela vai ser feito quando morrer e como tal mais vale explorar o mais possível enquanto for vivo."

Humm... interessante, deixou de argumentar com base no "direito natural", e passa a argumentar através de um argumento pragmático implicitamente baseado na valorização do que maximiza o bem comum (ex. é melhor reconhecer o direito de herança senão os tipos dão cabo de tudo e toda a gente se trama). Nada "liberal"... tss, tss, tss... Respondem-do-lhe de forma pragmática, o Estado deve assegurar que ninguém utiliza a sua propriedade privada de forma a diminuir o bem comum. E se o tipo que se julga velho não quer utilizar a sua propriedade para criar riqueza, o Estado deve retirá-la a atribuí-la a quem quer. Afinal foi o jlp que disse: "um direito absoluto do seu proprietário, que no fundo demonstrou trabalhar e criar riqueza enquanto todos os demais a ignoravam".

"3 - Quanto à questão do "contracto com o estado", acho curioso que, quem defende um estigma histórico sobre a posse da terra ache que o estado deve ter um papel de "proprietário de todo o país", concessionando a sua exploração a um e a outro. Se esse fosse um raciocínio válido, estavamos perdidos, nem que fosse em termos de realidade histórica. Com todas as secessões, todas as quedas e refundações de estados, se a propriedade não se afirmasse essencialmente como um direito natural, ou pelo menos sustentado num reconhecimento mútuo por entre pares, estávamos bem arranjados. Não seria difícil de imaginar (é até muito fácil: basta olhar para os exemplos de colectivização socialista) os atropelos individuais e o caos que se instalaria se tal perspectiva de propriedade associada ao estado vingasse."

Outra vez a argumentar que o Liberalismo é quem melhor defende o bem comum! Dou-lhe os parabéns! Mas olhe que os seus colegas fundamentalistas já devem estar a espumar....

"A propriedade começou por se afirmar coercivamente não pelos estados mas sim pelos próprios proprietários."

Bem circular, à moda "liberal": o proprietário é quem coercivamente impede outros de utilizar a "sua" propriedade, mesmo que esses outros também reclamem essa propriedade e a tentem "defender" do primeiro. Quem apareceu primeiro, a propriedade ou o proprietário?...

"Por mim, fico à espera dessas tão seguras contradições. Mas folgo em saber que é o único caminho que vislumbra, contrariamente a outras doutrinas, eventualmente mais do seu agrado, que às contradições têm que acrescentar a vicissitude de serem contraditas em larga margem todos os dias pelos factos e pela História."

Mas que interessante! Continua a argumentar que o Liberalismo aumenta o bem comum! É sem dúvida original no âmbito do pensamento liberal.

"Também aguardo por argumentos de facto e objectivos, não considerações éticas ou julgamentos de valor, discursos a puxar à lagriminha facil, ao "pensem nas criancinhas" ou ao "nós é que somos sensíveis". Também dispenso a "indignação moral". (...) A alternativa é cair-se numa discussão entre a minha ética e a sua, o que não tem nada a ver com o Liberalismo."

!!... a ideologia e a política não têm a ver com a ética?! Então acha que a sua valorização da "Liberdade" e portanto do Liberalismo baseia-se em quê? Aliás, o Liberalismo é das ideologias que mais se tenta fundamentar num conjunto de princípios (éticos), com os seus "direitos naturais" invocados a torto e a direito. O que os neo-liberais não querem que se saiba é que estão a marimbar-se para o bem da maioria das pessoas, o bem comum. Não lhes interessa. É-lhes irrelevante. Pode morrer 99% da poulação devido às consequências dum "direito natural" que os neo-liberais continuam a argumentar que assim é que deve ser, porque assim é que é "justo e ético". Seja honesto consigo próprio e com os outros.

JLP disse...

Pedro,

"Em que planeta é que isso aconteceu?..."

Neste. Abra um Código Civil. Lá encontrará descritos instrumentos como a posse e o usucapião que não são de hoje nem de ontem. São comuns à generalidade dos ordenamentos jurídicos e milenares.

Quanto aos direitos históricos, concerteza que concordo que sejam devolvidos se:

- provar a descendência e a posse original da propriedade.

- for indemnizado o presente proprietário num valor declarado justo pela Justiça das benfeitorias que lá fez.

Além disso, está a cometer um lapso. Concerteza pensa que todos os territórios que refere eram históricamente habitados ou que a sua propriedade era exercida nesses tempos? Acha que toda a América e África era povoada uniformemente? Acha sequer que ainda hoje o é? Não será óbvio concluir que grande parte da propriedade que foi adquirida o foi feito por vias legítimas?

"Quanto ao trabalhar e criar riqueza, suponho então que o jlp defende a expropriação de propriedade que não é utilizada para produzir riqueza? Mas parece-me que não..."

Lá voltam as confusões...

Uma coisa são os meis legítimos para a propriedade ser constituida. Outra são os direitos que lhe estão associados posteriormente à sua constituição.

"Suponho então que defende que quem foi expropriado em resultado da revolução de 25 de Abril não devia receber de volta a sua propriedade nem indemnizado. Já passaram mais de 30 anos..."

Se calhar a pergunta deveria ser se durante esse período Portugal foi um Estado de Direito ou não...

Quanto ao problema da Palestina, isso é um problema de direito internacional, não de direito de propriedade. Aliás, a situação em termos de direito de propriedade, no que toca ao seu reconhecimento internacional na altura da fundação de Israel, é se calhar no âmbito do direito uma das questões mais pacíficas do conflito.

""Natural"?... O que tem de natural os desejos de alguém já morto influenciarem o reconhecimento pelo Estado da posse de certa propriedade? "

E porque é que tem que ser só depois de morto? Já se esqueceu da doação? Além de que, se quiser restringir a sucessão à doação em vida ou à sucessão testamentária (afirmada em vida), não terá em mim nenhum oponente.

"Humm... interessante, deixou de argumentar com base no "direito natural", e passa a argumentar através de um argumento pragmático implicitamente baseado na valorização do que maximiza o bem comum (ex. é melhor reconhecer o direito de herança senão os tipos dão cabo de tudo e toda a gente se trama). Nada "liberal"... tss, tss, tss..."

Acho que o Pedro tem uma visão limitada e desinformada do Liberalismo. Talvez fosse melhor informar-se melhor antes de avançar com tanta certeza.

O direito natural não é um dogma liberal. Eu próprio não me identifico com a sua noção, constatando contudo que legitimamente há diversos liberais que controem a sua filosofia política em torno dele. Mas há outras construções filosóficas, que não são nem mais nem menos liberais que as outras, que não têm nada a ver com o direito natural nem com noções de "bem comum" "colectivizado". Ver, por exemplo, Public choice theory

"E se o tipo que se julga velho não quer utilizar a sua propriedade para criar riqueza, o Estado deve retirá-la a atribuí-la a quem quer. Afinal foi o jlp que disse: "um direito absoluto do seu proprietário, que no fundo demonstrou trabalhar e criar riqueza enquanto todos os demais a ignoravam"."

Mais uma vez está a confundir condições para a aquisição do direito de propriedade com os direitos que advêm do seu usufruto.

"Outra vez a argumentar que o Liberalismo é quem melhor defende o bem comum! Dou-lhe os parabéns! Mas olhe que os seus colegas fundamentalistas já devem estar a espumar...."

Olhe que não... olhe que não...

"Bem circular, à moda "liberal": o proprietário é quem coercivamente impede outros de utilizar a "sua" propriedade, mesmo que esses outros também reclamem essa propriedade e a tentem "defender" do primeiro."

Efectivamente parece que as costas são mesmo largas.

O que eu referi não é uma tese liberal. É um facto da vida. Enquanto não existiam Estados de Direito era o método natural de fazer as coisas. Não estou a fazer um juízo de valor, estou a fazer um juízo de facto.

"!!... a ideologia e a política não têm a ver com a ética?!"

Não necessariamente.

"Então acha que a sua valorização da "Liberdade" e portanto do Liberalismo baseia-se em quê? Aliás, o Liberalismo é das ideologias que mais se tenta fundamentar num conjunto de princípios (éticos), com os seus "direitos naturais" invocados a torto e a direito. "

Para além da questão do direito natural, que já rebati, se estiver interessado em ver porque não considero o Liberalismo uma teoria ética, aqui fica o link para uma troca de argumentos meus e do João Vasco.

"Seja honesto consigo próprio e com os outros."

Finalmente... A perspectiva socialista da liberdade: somos todos livres, mas eu sou moralmente superior a ti e vou-te condicionar a mudar, porque eu é que sei a Verdade®.

Pedro Viana disse...

jlp,

Repito, em que planeta é que "a propriedade privada se constitui (...) pela auséncia de oposição sustentada pelos demais."?
Vejamos o caso de Portugal: o espaço geográfico ocupado por Portugal é habitado há centenas de milhares de anos, mas concentremo-nos nos últimos milénios, acha que durante todo esse tempo houve algum pedaço de terreno que num dado momento não foi "adquirido" coercivamente? E olhe que lá porque um terreno não é cultivado isso não quer dizer que não esteja a ser utilizado. As florestas eram utilizadas para caçar e recolher alimentos, e portanto legitimamente estavam na "posse" dos seus utilizadores. Não estavam "abandonadas".

"Quanto aos direitos históricos, concerteza que concordo que sejam devolvidos se:

- provar a descendência e a posse original da propriedade.

- for indemnizado o presente proprietário num valor declarado justo pela Justiça das benfeitorias que lá fez."

Ah... interessante. Eu roubo a propriedade de alguém, deixando-o na miséria, Faço uns "melhoramentos", e depois digo-lhe: olha pá, desculpa lá pelo que te fiz, até gostava de te devolver o que te roubei, mas só faço isso se me pagares (imaginem o ladrão a dizer isto com um sorriso nos lábios...). Ridículo...

"Além disso, está a cometer um lapso. Concerteza pensa que todos os territórios que refere eram históricamente habitados ou que a sua propriedade era exercida nesses tempos? Acha que toda a América e África era povoada uniformemente? Acha sequer que ainda hoje o é? Não será óbvio concluir que grande parte da propriedade que foi adquirida o foi feito por vias legítimas?"

Está a brincar... o seu desconhecimento de história é um bocado preocupante. Sugiro que leia por exemplo: http://en.wikipedia.org/wiki/Native_Americans_in_the_United_States. As tribos nativas americanas ocupavam, no sentido de utilizavam, a maioria do espaço geográfico dos actuais EUA, em particular as suas zonas mais férteis (e hoje as mais ricas). Agora repita comigo, sem se engasgar: quaisquer descendentes das tribos nativas americanas tem o direito de reaver a posse das terras que eram propriedade efectiva dos seus ascendentes, desde que provem que estes nelas viviam e as utilizavam em seu proveito.

"Uma coisa são os meis legítimos para a propriedade ser constituida. Outra são os direitos que lhe estão associados posteriormente à sua constituição."

Claro que defende o status quo, não podia deixar de ser de outra maneira... a noção de que a propriedade é constituída pelo primeiro uso, sem necessidade de uso contínuo para que a propriedade continue legitimada é claramente uma opção Conservadora. Nada no Liberalismo impede a necessidade do uso contínuo para que a propriedade continue legitimada. Mas, claro que isso mexeria com o status quo, e os neo-liberais ou liberais clássicos não são mais do que Conservadores envergonhados.

"Quanto ao problema da Palestina, isso é um problema de direito internacional, não de direito de propriedade. Aliás, a situação em termos de direito de propriedade, no que toca ao seu reconhecimento internacional na altura da fundação de Israel, é se calhar no âmbito do direito uma das questões mais pacíficas do conflito."

Excelente. Vou já invadir o meu vizinho. A maior parte dos outros disse-me que tinha toda a legitimidade para isso. Vê, já tenho legitimidade "internacional" (eu e os meus vizinhos resolvemos todos fundar os nossos próprios países) para "adquirir" a propriedade do meu vizinho. Tudo nos conformes. Aliás, estou a pensar em assinar uns tratados "internacionais"com alguns dos meus vizinhos para partilhar a propriedade duns outros vizinhos que achamos que não têm estaleca de "proprietários". Acho que se chama colonização: http://en.wikipedia.org/wiki/Berlin_Conference.

"E porque é que tem que ser só depois de morto? Já se esqueceu da doação?"

Vai dar ao mesmo. Efectivamente, o desejo de alguém de que outro seja proprietário de algo que já foi seu (e é indiferente se a transmissão de posse se faz em vida ou após a morte) está a ser obedecido pelo Estado (porque aceita como legitima essa transmissão), mesmo após o constituinte original da propriedade ter morrido. Ou seja, continua a influenciar a acção do Estado. Essencialmente não é de todo legítimo que as gerações subsequentes não possam usufruir da posse da propriedade dos recursos naturais por mérito próprio, através da consituição de propriedade "abandonada". Que "culpa" têm eles de nascerem numa altura em que já não há recursos naturais "abandonados"? Não lhe parece um bocado injusto, mesmo numa óptica liberal?...

"O direito natural não é um dogma liberal. Eu próprio não me identifico com a sua noção, constatando contudo que legitimamente há diversos liberais que controem a sua filosofia política em torno dele. Mas há outras construções filosóficas, que não são nem mais nem menos liberais que as outras, que não têm nada a ver com o direito natural nem com noções de "bem comum" "colectivizado". Ver, por exemplo, Public choice theory"

Parece-me que o jlp anda confuso. A public choice theory é uma tentativa de determinar sob que tipo de governo o **bem comum** é melhor defendido. A public choice theory não é inerentemente liberal. O socialismo também postula como objectivo principal a defesa do bem comum. Em ambos os casos entendido como o agregado do bem individual da maioria dos cidadãos. As soluções encontradas e defendidas podem ser diferentes, mas o objectivo último é o mesmo. Nisso têm muito mais em comum que com o Liberalismo Clássico (que é o que diz que defende) que se baseia no conceito de direitos naturais

"(...)classical liberals(...)do not believe that government creates individual rights (in a moral sense), but rather that moral rights exist independently of government.(...) classical liberal belief that rights do not come from law but that law serves to protect natural individual rights(...)" - http://en.wikipedia.org/wiki/Classical_liberalism

, sem se preocupar minimamente com o bem comum. E de qualquer modo, as conclusões (polémicas) dos defensores do uso dos instrumentos da public choice theory não dizem, como é referido no artigo da wikipedia que indicou, que o Liberalismo é claramente a melhor maneira de defender o bem comum.

"se estiver interessado em ver porque não considero o Liberalismo uma teoria ética, aqui fica o link para uma troca de argumentos meus e do João Vasco."

ethics: a system of accepted beliefs which control behaviour (Cambridge Dictionary)

Dado que o jlp acredita (belief) que "cada um (é) o único responsável por perseguir e concretizar esses (os seus) objectivos", e este acreditar condiciona o comportamento que o jlp defende para os indivíduos numa sociedade (ex. a não coerção mútua), então a teoria política do jlp deriva duma ética. q.e.d.

"Finalmente... A perspectiva socialista da liberdade: somos todos livres, mas eu sou moralmente superior a ti e vou-te condicionar a mudar, porque eu é que sei a Verdade®."

Claro que acho que o que eu defendo politicamente é moralmente superior ao que o jlp defende. Acho superior perante a minha ética, e a ética da grande maioria das pessoas. E o que eu defendo é muito simples: o Estado deve estar ao serviço do bem comum, mesmo que isso implique a diminuição do bem individual duma minoria. O que é o bem comum? O agregado do que cada um julga ser o seu bem individual. Portanto, defendo a Democracia como meio de decisão agregadora do que cada um pensa serem as melhores acções do Estado em prol do seu bem individual. A maioria decide, portanto inerentemente a decisão tomada vai beneficiar o bem comum, pois beneficia a maioria. Ou seja, sou Utilitarista acima de tudo.

João Vasco disse...

eh!eh!eh!

Olha outro :)

João Vasco disse...

(Também me identifico com o utilitarismo)

JLP disse...

"Portugal é habitado há centenas de milhares de anos, mas concentremo-nos nos últimos milénios, acha que durante todo esse tempo houve algum pedaço de terreno que num dado momento não foi "adquirido" coercivamente?"

Vá a qualquer notário e veja quantos terrenos foram escriturados no seguimento de posses ou de usucapião.

Quanto ao período em que não vigoravam Estados de Direito, já o esclareci da minha posição.

"As florestas eram utilizadas para caçar e recolher alimentos, e portanto legitimamente estavam na "posse" dos seus utilizadores."

Fico esclarecido. O acrescentar valor não é para si um mecanismo justo de constituição da propriedade. Assim como não é legítimo a um proprietário tê-la parada sem "incrementar a riqueza". Já predar os seus recursos é, quanto a si, um mecanismo perfeitamente justo.

"Está a brincar... o seu desconhecimento de história é um bocado preocupante."

Mas concerteza é ultrapassado pelo seu de Geografia. É que, sabe, a América e África são muito grandes.

- Quaisquer descendentes das tribos nativas americanas tem o direito de reaver a posse das terras que eram propriedade efectiva dos seus ascendentes, desde que provem que estas eram reconhecidas como suas e que as haviam beneficiado nalgum instante do passado. -

Satisfeito?

"a noção de que a propriedade é constituída pelo primeiro uso, sem necessidade de uso contínuo para que a propriedade continue legitimada é claramente uma opção Conservadora."

O que defendi e apresentei não foi uma doutrina de "primeiro uso", foi uma doutrina de "propriedade como valor".

"Quanto ao problema da Palestina, isso é um problema de direito internacional, não de direito de propriedade."

British Mandate of Palestine

Convirá que me referia à situação anterior às guerras com Israel, como esclareci.

"Não lhe parece um bocado injusto, mesmo numa óptica liberal?..."

A alternativa parece-me bastante mais injusta. E faz-me pensar em como é que distingue (ou acha tão diferente) uma doação em vida de uma venda.

"Parece-me que o jlp anda confuso. A public choice theory é uma tentativa de determinar sob que tipo de governo o **bem comum** é melhor defendido. A public choice theory não é inerentemente liberal."

Errado. O princípio não é a defesa de um "bem comum", seja ele por critérios de maioria ou por critérios doutrinários apriorísticos. O que a Public Choice determina é qual é a forma de governo que defende o "bem comum" que emerge da unanimidade dos indivíduos num estado. Ou seja, a melhor forma de governo que dá cumprimento a esse (e só a esse) mandato que lhe é conferido pelos indivíduos.

"O socialismo também postula como objectivo principal a defesa do bem comum. Em ambos os casos entendido como o agregado do bem individual da maioria dos cidadãos."

Aqui é que está grande parte do erro e da diferença: enquanto o socialismo se sustenta numa posição maioritária, para a definição de um "mandato máximo", em que tudo passa pelo estado para a aplicação desse projecto, a Public Choice apoia-se na unanimidade (ou quase unanimidade) para a definição de um "mandato mínimo" que não condicione nada para além dele. Além disso, enquanto o socialismo se afirma pela determinação de "direitos" colectivos, a Public Choice afirma-se pela definição das liberdades que são invioláveis por todos (inclusivé o estado).

Acha isto incompatível com o Liberalismo?

Do mesmo artigo da Wikipedia sobre o Liberalismo Clássico:

"Classical liberalism is a political philosophy that supports individual rights as pre-existing the state, a government that exists to protect those moral rights, ensured by a constitution that protects individual autonomy from other individuals and governmental power, private property, and a laissez-faire economic policy."

Ora esse "direitos individuais que antecedem o estado" não têm necessariamente que se afirmar como direitos naturais. Podem ser afirmados como resultante de uma génese constitucional que concretiza um determinado pacto social.

"E de qualquer modo, as conclusões (polémicas) dos defensores do uso dos instrumentos da public choice theory não dizem, como é referido no artigo da wikipedia que indicou, que o Liberalismo é claramente a melhor maneira de defender o bem comum."

Nem esse foi um objectivo a que alguma vez se tenha arrogado. O que não inviabiliza que a aplicação na prática dos principios liberais coincida frequentemente com uma defesa do "bem comum".

"Dado que o jlp acredita (belief) que "cada um (é) o único responsável por perseguir e concretizar esses (os seus) objectivos", e este acreditar condiciona o comportamento que o jlp defende para os indivíduos numa sociedade (ex. a não coerção mútua), então a teoria política do jlp deriva duma ética. q.e.d."

O Liberalismo não é uma ética essencialmente porque não pretende condicionar comportamentos (e desse modo atingir objectivos definidos) baseado nessas crenças. Poderá dizer que é sim um determinado conjunto de crenças, com uma sustentação mais ou menos naturalista.

Mas o liberalismo não faz juízos de bem e de mal nem do melhor caminho a seguir ou a que objectivos quer chegar, contrariamente a outras ideologias como o socialismo, por exemplo no que toca à Igualdade. O Liberalismo estabelece um conjunto de regras e princípios de partida que acha que são os mais melhores, por critérios de eficiência, por exemplo. O que é feito dessas regras fica à margem.

"A maioria decide, portanto inerentemente a decisão tomada vai beneficiar o bem comum, pois beneficia a maioria."

'Democracy is two wolves and a sheep voting on whats for dinner'

Quanto à questão do utilitarismo, a minha posição foi também clarificada com João Vasco nos comentários deste artigo, originando nos deste outro.

Anónimo disse...

Estaline e Hitler também eram utilitaristas. Também acreditavam na intervenção estatal como maximizadora do "bem comum".
Também pensavam que "o Estado deve estar ao serviço do bem comum, mesmo que isso implique a diminuição do bem individual duma minoria."

Pedro Viana disse...

oh cmf, não me leu bem, pois não?.. precisa de óculos? eu não disse que o bem comum é definido pela maioria e portanto só esta tem legitimidade para tomar qualquer tipo de decisões, a.k.a. defendo a Democracia de pendor referendário? por acaso Hitler e Estaline constituiam a maioria da população? se só sabe argumentar apelidando o outro de seguidor de Estaline e Hitler aconselhava-o a frequentar um curso de argumentação. Ao jlp respondo quando tiver mais tempo.

Anónimo disse...

Hitler, por acaso, até representava a maioria. Mas penso que não vale a pena discutir com quem sugere "óculos" e "cursos" (e o comentário anterior era também dirigido ao João Vasco). Depressa se percebe com quem devemos ou não falar. Até sempre.

Ricardo Alves disse...

Eu não deveria meter-me numa discussão que já ultrapassou os 50 comentários, mas a ideia do JLP que foram os proprietários a criar o Estado só serve para meia dúzia de casos. Em muitos outros, a propriedade era originalmente colectiva. (O que também serve para provar que a propriedade colectiva não é menos «natural» do que a propriedade privada... ;) )

João Vasco disse...

«Eu não entendo o que é que os totalitarismos têm a ver com utilitarismo. Essa relação só pode fazer sentido se achar que as pessoas são mais felizes em ditadura, e que a ditadura é o BEM - visto que os utilitaristas defendem o bem e a felicidade, por própria definição de utilitarismo.

Mas pelos vistos lutar pelo bem e pela felicidade é ser um perigoso genocida em potencial...»

Já me estou a repetir, mas acho que este esclarecimento faz sentido.

O Jonh Stwart Mill escreveu um livro (chamado "utilitarismo") que se destina unicamente a desfazer equívocos baseados nos preconceitos das pessoas em relação ao utilitarismo.

O engraçado é que, apesar do impacto que o livro teve (um dos mais importantes livros sobre ética de sempre), a maior parte das pessoas tem EXACTAMENTE os preconceitos que JSM denunciava. Mais gente devia ler esse livro, para pensar um pouco sobre ética.

João Vasco disse...

Nota: obviamente nunca nem Hitler nem Estaline se consideraram a si próprios utilitaristas, nem nada que se parecesse. Nem, já agora, qualquer ditador que eu tenha ouvido falar.

Nem o que eles fizeram é compatível com o utilitarismo.


A menos que se chame utilitarista a qualquer pessoa que "queira" fazer o bem, mesmo que não o faça, e se acredite que todos esses ditadores eram extremamente bem intencionados. Mas aí podemos dizer que a Madre Teresa de Calcutá, o Gandhi, e qualquer pessoa bem-intencionada é utilitarista, o que é questionável.
Nesse caso dizer que tais ditadores são utilitaristas apenas quer dizer que eram bem-intencionados. Eu cá não sei se eram...


----------
Chamar a Hitler utilitarista é um bocado como quando os crentes chamam a Hitler ateu, apesar das inúmeras vezes que este se declarou profundamente crente (e anti-ateísta!). Consideram que só um ateu podia fazer o que ele fez, e voila - cá temos a falácia do verdadeiro escocês a funcionar.

Pedro Viana disse...

Continuando:

"Vá a qualquer notário e veja quantos terrenos foram escriturados no seguimento de posses ou de usucapião."

Ainda não percebeu. Se no passado alguém coercivamente obrigou outro a ceder-lhe o uso dum pedaço de terra, e depois foi registá-lo através do usucapião, continua a ser uma "posse" ilegítima. A legitimidade "natural" não começou quando se "inventou" o "registo cadastral". Começo a desconfiar que o jlp é advogado, tal o apreço que denota pela burocracia... essencialmente, o jlp faz depender a justeza da posse do ponto de vista liberal do reconhecimento pelo Estado do título de posse. É uma justiça ditada pelo Estado, e por quem o controla. Há de certeza muito liberal a dar voltas na cova!

""As florestas eram utilizadas para caçar e recolher alimentos, e portanto legitimamente estavam na "posse" dos seus utilizadores. - Fico esclarecido. O acrescentar valor não é para si um mecanismo justo de constituição da propriedade. Assim como não é legítimo a um proprietário tê-la parada sem "incrementar a riqueza". Já predar os seus recursos é, quanto a si, um mecanismo perfeitamente justo."

Que valor?!!! Para quem? O valor para o utilizador da floresta estava no facto desta existir. Se alguém aparecer e lhe destruir a floresta, está do ponto de vista do utilizador original a **destruir valor**! Quem tem razão? Se calhar o jlp vai agora dizer que se deve "consultar o Estado" para esclarecer a situação.... E já agora, não sabe que há imensos recursos numa floresta que são renováveis? Sabe, tipo plantas que crescem de novo todas as estações, animais que nascem, água que cai do céu (chama-se chuva). Portanto, essa sua ideia que um utilizador da floresta "preda no seus recursos" denota no mínimo ignorância, senão diria que está a argumentar de má-fé. Predar é utilizar sem repôr, que é o que faz quem destrói uma floresta.

"- Quaisquer descendentes das tribos nativas americanas tem o direito de reaver a posse das terras que eram propriedade efectiva dos seus ascendentes, desde que provem que estas eram reconhecidas como suas e que as haviam beneficiado nalgum instante do passado. -"

Gostava de saber o que o jlp considera necessário para provar o "reconhecidas suas". Desconfio que exige fotografias e escrituras passadas pelo Estado (dos EUA)... porque com certeza que a existência de evidência histórica (sob a forma arqueológica ou de relatos de colonos ocidentais) não o deve satisfazer. Boa desculpa ;) Senão espero que apoie os descendentes dos índios Delaware na sua reinvidicação de que lhe devolvam as ilhas de Manhattan: http://www.accessgenealogy.com/native/newjersey/index.htm. Mas desconfio que os seus correligionários americanos se oponham um bocado...

"O que defendi e apresentei não foi uma doutrina de "primeiro uso", foi uma doutrina de "propriedade como valor"."

Então se alguém propuser utilizar certa propriedade (que não dele) para criar mais valor, espero que o jlp apoie essa reenvidicação.

"Quanto ao problema da Palestina, isso é um problema de direito internacional, não de direito de propriedade." - British Mandate of Palestine

Ah... bem me parecia que o jlp considerava o colonialismo como conforme os princípios liberais e a "lei internacional". Suponho então que não se importa se a Espanha invadir Portugal e depois convidar marroquinos a tomar posse de metade do território, claro, desde que haja consenso internacional quanto a essa acção espanhola!...

"E faz-me pensar em como é que distingue (ou acha tão diferente) uma doação em vida de uma venda."

Não há. Todas as doações devem ser sujeitas a imposto de transação, estimado através do valor real do bem doado. Quer num caso quer no outro o direito de usufruto do bem doado ou transacionado deve cesar após a morte do constituinte original. Na prática, só defendo tal no caso da propriedade da terra e na exploração de recursos minerais.

"Errado. O princípio não é a defesa de um "bem comum", seja ele por critérios de maioria ou por critérios doutrinários apriorísticos. O que a Public Choice determina é qual é a forma de governo que defende o "bem comum" que emerge da unanimidade dos indivíduos num estado. Ou seja, a melhor forma de governo que dá cumprimento a esse (e só a esse) mandato que lhe é conferido pelos indivíduos."

Continua confuso... Da wikipedia: "Public choice theory is often referenced when discussing how individual political decision-making results in policy that conflicts with the overall desires of the general public." Saliento o **overall**. Indique-me lá algum texto onde seja dito que a public choice theory procura determinar a maneira mais eficiente de implementar decisões quase-unânimes. **Overall** quer dizer decisões maioritárias (não necessariamente de 50%+1, mas por exemplo de 2/3). De qualquer maneira, poucas questões há em que haja quase-unanimidade numa sociedade. Por exemplo, o carácter absoluto da propriedade privada não é de certeza um deles. Todas as constituições, e as Leis que as implementam, no mundo (em particular, democrático) possibilitam a imposição de restrições ao uso da propriedade privada. Por exemplo em Portugal através de instrumentos como a REN, a RAN, os PDM, etc. Portanto, a sua querida public choice theory se leva a que o Estado só deva agir perante decisões quase unânimes dos indivíduos numa sociedade, então resulta daqui que o Estado não se deve pronunciar sobre a posse privada, não a regulando ou protegendo.

"Ora esse "direitos individuais que antecedem o estado" não têm necessariamente que se afirmar como direitos naturais. Podem ser afirmados como resultante de uma génese constitucional que concretiza um determinado pacto social."

Lindo. E portanto se passados 100 anos da implementação duma Constituição, quando 99% dos constituintes originais tiver morrido, e 99% dos indivíduos então vivos quiser mudar a Constituição, podem? E fôr apenas passados 10 anos e fôr 2/3, podem?... O que disse é completamente vazio de significado. Se as Constituições podem ser alteradas por regra maioritária, então não há quaisquer direitos intrínsecos (naturais, ou o que lhe quiser chamar), mas apenas direitos autorgardos pela maioria. Chama-se Democracia, conhece?...

"O Liberalismo não é uma ética essencialmente porque não pretende condicionar comportamentos (e desse modo atingir objectivos definidos) baseado nessas crenças. Poderá dizer que é sim um determinado conjunto de crenças, com uma sustentação mais ou menos naturalista."

Ah, ah, ah.... não pretende condicionar comportamentos, mas contém um conjunto de crenças, regras ou direitos, que exige que todos cumpram, condicionando o seu comportamento?.... devia aprender lógica.

"Mas o liberalismo não faz juízos de bem e de mal nem do melhor caminho a seguir ou a que objectivos quer chegar, contrariamente a outras ideologias como o socialismo, por exemplo no que toca à Igualdade. O Liberalismo estabelece um conjunto de regras e princípios de partida que acha que são os mais melhores, por critérios de eficiência, por exemplo. O que é feito dessas regras fica à margem."

!!!... e o conjunto de regras que o Liberalismo establece é baseado em quê? Caiem do céu? Ou são baseadas num conceito do que é correcto ou incorrecto (ex. coerção) as pessoas fazerem, ou seja dum conceito de bem/correcto e mal/incorrecto? Quando o jlp diz que ninguém deve coagir outro, não está a basear-se num seu juízo do que é bom ou mau fazer?! Aconselho vivamente um curso de lógica...

Ricardo Alves disse...

«O Liberalismo estabelece um conjunto de regras e princípios de partida que acha que são os mais melhores, por critérios de eficiência»

Não estará a cair no utilitarismo?

JLP disse...

Caro Pedro,

Antes de se dedicar a passar atestados de ignorância cuja autoridade (e muito menos o mérito) lhe reconheço, talvez fosse melhor debruçar-se na tarefa de melhorar a sua compreensão de textos escritos.

"Se no passado alguém coercivamente obrigou outro a ceder-lhe o uso dum pedaço de terra, e depois foi registá-lo através do usucapião, continua a ser uma "posse" ilegítima."

Reitero o que já disse. Pelo mundo fora houve e há imensa propriedade que não foi adquirida primariamente por coerção.

"essencialmente, o jlp faz depender a justeza da posse do ponto de vista liberal do reconhecimento pelo Estado do título de posse."

A escritura pública não é um acto de reconhecimento. É um acto testemunhal, de publicidade e de garantia de segurança jurídica.

"Predar é utilizar sem repôr"

Curiosamente, pela definição que dá, os animais predadores, como por exemplo es leões, não são afinal predadores, uma vez que a Natureza se encarrega de lhes repôr as presas...

"Gostava de saber o que o jlp considera necessário para provar o "reconhecidas suas"."

Não sou juiz nem legislador, mas parece-me um critério minimamente justo a existência de provas documentais objectivas.

"Então se alguém propuser utilizar certa propriedade (que não dele) para criar mais valor, espero que o jlp apoie essa reenvidicação."

Mais uma vez lhe digo o que já lhe repeti: uma coisa são critérios de legitimação da constituição da propriedade, outra são obrigações ou condições que legitimam ou não o seu usufruto (que eu acho não deverem existir).

"Quer num caso quer no outro o direito de usufruto do bem doado ou transacionado deve cesar após a morte do constituinte original. "

Ficamos esclarecidos: se alguém comprar um apartamento num prédio que foi edificado num terreno baldio cuja posse foi adquirida legitimamente, o Pedro acha que perdemos a propriedade sobre ele quando o proprietário do terreno original, que entretanto lhe vendeu o apartamento, morrer.

Sinceramente começo a duvidar que sequer pense e leia o que escreve.

"Saliento o **overall**."

overall

adjective [ attrib. ] total : an overall cut of 30 percent. • taking everything into account : the overall effect is impressive.

adverb [ sentence adverb ] in all parts; taken as a whole : overall, 10,000 jobs will go.

New Oxford American Dictionary

"Indique-me lá algum texto onde seja dito que a public choice theory procura determinar a maneira mais eficiente de implementar decisões quase-unânimes."

O meu caro está a confundir uma reivindicação de "eficiência", que eu nunca fiz, com uma questão de "legitimidade" e de "domínio".

"Por exemplo, o carácter absoluto da propriedade privada não é de certeza um deles."

O problema é que se está a esquecer da alternativa, que é a aceitação unânime de outro qualquer regime de propriedade (que eu acho que dificilmente seria possível) ou, caso este também não aconteça, que se mantenha a solução pré-acordo, ou seja, o caos em que é legitimado qualquer mecanismo de aquisição e de preservação da propriedade.

"Todas as constituições, e as Leis que as implementam, no mundo (em particular, democrático) possibilitam a imposição de restrições ao uso da propriedade privada. Por exemplo em Portugal através de instrumentos como a REN, a RAN, os PDM, etc."

Está a usar o argumento de que como tal é possível e existe, isso é por algum motivo melhor. Não estou a ver a lógica.

"Portanto, a sua querida public choice theory se leva a que o Estado só deva agir perante decisões quase unânimes dos indivíduos numa sociedade, então resulta daqui que o Estado não se deve pronunciar sobre a posse privada, não a regulando ou protegendo."

Tudo bem. Mas depois não se queixe dos seus queridos "nativos". É que passa a vigorar então a lei do mais forte.

Além disso, a Public Choice não é "minha querida" ou deixa de o ser. Só a apresentei para rebater os pressupostos limitados do liberalismo que estava a tentar fazer passar.

"Lindo. E portanto se passados 100 anos da implementação duma Constituição, quando 99% dos constituintes originais tiver morrido, e 99% dos indivíduos então vivos quiser mudar a Constituição, podem?"

Felizmente o utilitarismo sustentado numa democracia que parece contrapor permitem que sempre que alguém nasça a constituição e todas as decisões que foram tomadas por maioria, inclusivé a definição de "bem comum", sejam re-avaliadas...

"Ah, ah, ah.... não pretende condicionar comportamentos, mas contém um conjunto de crenças, regras ou direitos, que exige que todos cumpram, condicionando o seu comportamento?.... devia aprender lógica."

Quem é que lhe contou essa que o Liberalismo se afirmava pela definição de regras (ainda mais, pasme-se, de cumprimento obrigatório!) e pelo estabelecimento de direitos?

"Quando o jlp diz que ninguém deve coagir outro, não está a basear-se num seu juízo do que é bom ou mau fazer?!"

Não necessariamente. Leia a parte que escrevi sobre a possível justificação naturalista do Liberalismo.

Para concluir, por mim dou esta discussão por encerrada. A repetida postura conflituosa, de desafio e malcriada que o Pedro tem demonstrado nos seus sucessivos comentários (que tenho pacientemente e bem-intencionadamente tentado rebater), materializada em sucessivos ataques ad hominem, entroncam com a minha paciência e com a minha disponibilidade para lhe querer continuar a votar o meu tempo.

Se não foi em casa e/ou na escola que lhe conferiram a educação que aparentemente tanto lhe faz falta, também não será numa caixa de comentários de um blog que a irá encontrar.

Mas se quer prosseguir em ter conversas minimamente elevadas e sérias neste registo, recomendo que olhe um pouco para o que escreve e tente tirar as suas próprias conclusões.

JLP disse...

Ricardo Alves,

"Não estará a cair no utilitarismo?"

Não, porque essas regras não tem como objectivo um "bem comum", nem estão sujeitas a reavaliação por maioria.

São somente regras que fomentam (mas não garantem) o bem estar individual de todos, e que somente conduzem a maior eficiência, em grande parte, por reduzirem o esforço individual de vigilância e de defesa que seria necessário em alternativa todos despenderem num ambiente de caos, permitindo que este seja canalizado para a prossecução da sua felicidade pessoal.

Ricardo Alves disse...

jlp,
«bem estar individual de todos» e «bem comum» parece-me essencialmente a mesma coisa.
Quanto à sua necessidade de retirar tanta coisa à avaliação da maioria (ou seja, ao escrutínio democrático), começa a ser preocupante.

JLP disse...

"«bem estar individual de todos» e «bem comum» parece-me essencialmente a mesma coisa."

Não, porque a aferição do "bem comum" carece de um observador externo que o defina, enquanto que a perspectiva do "bem estar individual de todos" só parte do pressuposto que cada um, individualmente, o procura por si só se lhe for dada essa liberdade.

"Quanto à sua necessidade de retirar tanta coisa à avaliação da maioria (ou seja, ao escrutínio democrático), começa a ser preocupante."

Eu não disse em lado nenhum que esse contrato social não parta de consensos (unanimidade ou quase-unanimidade). Nem que os orgão do estado que exerça esse mandado não sejam eleitos de forma democrática, ou que as revisões dessas regras e consensos não sejam também feitas por orgãos democraticamente eleitos, mantendo-se o critério da unanimidade ou quase-unanimidade.

Não estou a ver em que é que isto é anti-democrático. Não estou a dizer que o estado seja modelizado e conduzido por nenhum ditador iluminado. A menos que se veja como democracia o direito de uma maioria oprimir uma minoria.

Pedro Viana disse...

"Reitero o que já disse. Pelo mundo fora houve e há imensa propriedade que não foi adquirida primariamente por coerção."

Mas como é que o jlp sabe se antes da escrituração pública não houve uma aquisição coerciva de propriedade?!!
Para si o mundo começa com a escrituração pública?! Burocrata até ao tutano...

"A escritura pública não é um acto de reconhecimento. É um acto testemunhal, de publicidade e de garantia de segurança jurídica."

Seja... vai dar ao mesmo. Precisa do Estado para efectivar o controlo, e portanto a posse da propriedade. Sem o Estado não tem efectivamente nada, porque não controla nada. Precisa do reconhecimento e garantia do Estado.

"Curiosamente, pela definição que dá, os animais predadores, como por exemplo es leões, não são afinal predadores, uma vez que a Natureza se encarrega de lhes repôr as presas..."

Pois... foi apanhado com o rabo de fora e não responde honestamente. Má-fé. Qual é então para si a diferença entre predar e utilizar?...

"Não sou juiz nem legislador, mas parece-me um critério minimamente justo a existência de provas documentais objectivas."

Vi logo... tipo um documento escrito passado pelo governo dos Estados Unidos da América?... Simples má-fé.
Como antes disse, o movimento neo-liberal não é mais do que Conservadorismo disfarçado. É um movimento Conservador que surgiu nos anos 60 nos EUA de modo a contrariar o ascendente intelectual da social-democracia e socialismo. O objectivo primeiro é manter a propriedade nas mãos de quem a já possui. A justificação foi arranjada depois. Não admira que as contradições estejam por todo lado.

"Mais uma vez lhe digo o que já lhe repeti: uma coisa são critérios de legitimação da constituição da propriedade, outra são obrigações ou condições que legitimam ou não o seu usufruto (que eu acho não deverem existir)."

Que jeito que dá não existirem essas condicões de legitimização do usufruto... Mas porque que é que será que o jlp "na dúvida" prefere a opção conservadora?...

"Ficamos esclarecidos: se alguém comprar um apartamento num prédio que foi edificado num terreno baldio cuja posse foi adquirida legitimamente, o Pedro acha que perdemos a propriedade sobre ele quando o proprietário do terreno original, que entretanto lhe vendeu o apartamento, morrer."

Certo. O "dono" do apartamento terá que se haver com o novo "dono" do terreno, o Estado, ou seja todos nós. Todos nós, democraticamente, podemos decidir que nessa situação o "dono" do apartamento passa automaticamente a ter direito de usufruto, garantido pelo Estado, do apartamento de que é "dono". Ou seja, na prática fica tudo esencialmente na mesma. A mudança efectiva é apenas de prespectiva: toda a terra é comunitária, podendo ser arrendada a privados, em vez de a terra é privada, mas tendo estes de acatar as leis comunitárias (do Estado) que restringem o seu uso da propriedade (como acontece actualmente).

"Sinceramente começo a duvidar que sequer pense e leia o que escreve."

De certeza que melhor do que você, que optou por nem rebater várias falhas de raciocínio que já lhe apontei,

"overall

adjective [ attrib. ] total : an overall cut of 30 percent. • taking everything into account : the overall effect is impressive.

adverb [ sentence adverb ] in all parts; taken as a whole : overall, 10,000 jobs will go."

Sim?... E onde é que diz que "overall desires" quer dizer "unanimous desires". Overall é habitualmente utilizado como sinónimo de genericamente, o que pode significar, dependendo do contexto, uma simples maioria.

"O problema é que se está a esquecer da alternativa, que é a aceitação unânime de outro qualquer regime de propriedade (que eu acho que dificilmente seria possível) ou, caso este também não aconteça, que se mantenha a solução pré-acordo, ou seja, o caos em que é legitimado qualquer mecanismo de aquisição e de preservação da propriedade."

Mas que alternativa?... O jlp deve viver num qualquer outro planeta. Só pode. Só o jlp é que exige que o regime de propriedade seja resultado duma decisão unânime. Mais ninguém exige isso, muito menos eu. Para mim, e para a esmagadora maioria das pessoas (felizmente!) há milhentas de alternativas possíveis, sendo a legítima aquela que fôr escolhida pela maioria. Democracia?... diz-lhe alguma coisa? Um regime de propriedade pode existir sem precisar duma decisão unânime. Sabe, como aqueles que existem em qualquer país democrático, seja os EUA ou Portugal? E neles o conceito de propriedade privada absoluta está presente na Constituição ou Lei? Não, pois não... então parece-me que se acredita que o Estado só deve actuar perante decisões quase-unâmimes, e o regime de propriedade não é um deles, nem nunca será um deles, devia defender a abolição da protecção da propriedade privada pelo Estado.

"Está a usar o argumento de que como tal é possível e existe, isso é por algum motivo melhor. Não estou a ver a lógica."

Não me admira...
É melhor quando é decido democraticamente. Quando não é resulta duma ditadura, como o jlp gostaria de implementar, sob "regras liberais". A sua exigência de quase unanimidade não é mais do que a ditadura da minoria sob a maioria. Mesmo que a minoria apenas possa impedir decisões da maioria, o impedimento da acção também pode ser uma forma de opressão (tipo eu bloqueio a vossa decisão maioritária de saírmos do prédio).

""Portanto, a sua querida public choice theory se leva a que o Estado só deva agir perante decisões quase unânimes dos indivíduos numa sociedade, então resulta daqui que o Estado não se deve pronunciar sobre a posse privada, não a regulando ou protegendo." - Tudo bem. Mas depois não se queixe dos seus queridos "nativos". É que passa a vigorar então a lei do mais forte."

Eu não digo que vive noutro planeta... jlp, meta na cabeça, eu não sou um dos seus liberais. Para mim o Estado deve proteger e regular o uso da propriedade privada, que não nego que deva existir (mas não na sua forma absoluta), enquanto direito de uso priveligiado de certos bens. Abra os olhos! Há um mundo de possibilidades entre um Estado que protege a propriedade privada absoluta, e a inexistência de Estado. Só mesmo um neo-liberal para funcionar em modo binário, branco-preto. Eu não tenho de escolher entre a propriedade privada absoluta ou nada.

"Felizmente o utilitarismo sustentado numa democracia que parece contrapor permitem que sempre que alguém nasça a constituição e todas as decisões que foram tomadas por maioria, inclusivé a definição de "bem comum", sejam re-avaliadas..."

Chamam-se eleicões e referendos. Suponho que já deve ter ouvido falar?...

"Quem é que lhe contou essa que o Liberalismo se afirmava pela definição de regras (ainda mais, pasme-se, de cumprimento obrigatório!) e pelo estabelecimento de direitos?"

Não, pois não, os Liberais não defendem que o Estado deve obrigar alguém a respeitar a propriedade privada, por exemplo impedindo que alguém atravesse terra de outro. Não, isso não é uma regra de cumprimento obrigatório, pois num Estado que respeita os princípios (ou o que quer que lhes chame) Liberais, quem quiser pode "roubar as maçãs" que quiser. Continue assim em negação que ainda pára num hospício...

""Quando o jlp diz que ninguém deve coagir outro, não está a basear-se num seu juízo do que é bom ou mau fazer?!" - Não necessariamente. Leia a parte que escrevi sobre a possível justificação naturalista do Liberalismo."

Essa oscilação constante entre a public choice theory e o direito natural como justificação do Liberalismo não lhe provoca enjoos?.. E o jlp aceita o direito natural porque ouviu uma voz na cabeça, um Apóstulo Liberal As Enunciou, ou porque ajuizou que o direito natural resulta na realização dum bem? Olhe que fico mais descansado com a última hipótese....

"Para concluir, por mim dou esta discussão por encerrada. A repetida postura conflituosa, de desafio e malcriada que o Pedro tem demonstrado nos seus sucessivos comentários (que tenho pacientemente e bem-intencionadamente tentado rebater), materializada em sucessivos ataques ad hominem, entroncam com a minha paciência e com a minha disponibilidade para lhe querer continuar a votar o meu tempo."

Conflito?... Conflito resulta em vítimas, como aquelas que são indiferentes para os neo-liberais, pois evitá-las implicava quebrar sacrosantas regras neo-liberais, como a protecção da propriedade privada. O que aqui tivemos foi uma discussão dura (o que está em jogo não é o resultado duma partida de xadrez, mas sim vidas humanas, coisa para que o jlp parece indiferente) e pontuada com muita ironia, que é a melhor maneira de espôr o ridículo e as contradições de certas ideologias. Se alguém demonstra ignorância, parece-me útil chamar a atenção da pessoa para se informar melhor. Mas por vezes acho que o que se viu foi bastante má-fé na abdicação de assumir erros e de continuação da afirmação de maneira ligeiramente diferente que 2+2=5.